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Projeto radiografa voto dos paulistas

Trabalho coordenado pela Unicamp mapeou padrões de votação no Estado entre 1994 e 2014

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O mapeamento dos padrões de votação no Estado de São Paulo pelo período de 20 anos (1994-2014), com base na análise das votações por município segundo indicadores contextuais, socioeconômicos, demográficos e regionais – este é um dos resultados do projeto temático Fapesp coordenado pela Unicamp, com pesquisadores da USP, Unesp e UFSCar. “Esse seminário comemora, finaliza e marca cinco anos de trabalho do nosso grupo dentro do projeto ‘Organização da Política Representativa em São Paulo’. Temos muitos dados a apresentar e uma contribuição importante no campo da organização partidária, da competição política e do funcionamento democrático”, afirma Rachel Meneguello, professora de Ciência Política do IFCH, pesquisadora do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp e coordenadora do projeto Fapesp.

Uma parte dos resultados do projeto foi apresentada durante o seminário “Partidos e sistemas partidários subnacionais: casos e comparações”, em 19 de abril, que procurou tratar da dimensão comparativa da competição política paulista com outros Estados da federação e reuniu pesquisadores de várias universidades. “São Paulo é um estado enorme, com um eleitorado que cresceu incrivelmente nesses vinte anos, de 21 milhões para 33 milhões de eleitores”, afirma Rachel Meneguello. “São 35 partidos registrados funcionando no Estado e baseados em um terreno de competição vastíssimo, com quase 7 mil vagas de vereanças e 645 para prefeitos, além de 70 para deputados federais e 94 para estaduais”. 

Sendo o sistema paulista tão fragmentado e competitivo, a grande questão colocada desde o início do projeto, segundo a coordenadora, foi como explicar os 20 anos de hegemonia do PSDB. “Boa parte dos trabalhos produzidos por docentes, assim como dissertações de mestrado e teses de doutorado, procuraram explicar essa hegemonia no âmbito do governo estadual. A explicação começa pela própria origem do partido, que é eminentemente paulista, de uma elite política que saiu do PMDB no Estado e aqui encontrou suas bases já estruturadas – e aqui se fortaleceu refletindo claramente a presença do partido em nível nacional, com os governos de Fernando Henrique em 94 e 98. São Paulo é um dos maiores exemplos de estruturação da política estadual a partir da política nacional.”

Foto: Perri
A professora Rachel Meneguello, coordenadora do projeto Fapesp: “Temos muitos dados a apresentar e uma contribuição importante no campo da organização partidária, da competição política e do funcionamento democrático”

A docente da Unicamp ressalta, porém, que essa hegemonia do PSDB é pontual, para o governo estadual, e se explica em boa medida pelo controle da máquina do Estado, já que, em termos locais, a pesquisa mostra um sistema fragmentado por pequenas elites, lideranças novas e partidos por vezes minúsculos que conseguem vitórias em várias cidades. “Em 2016 tivemos 22 partidos ganhando prefeituras. Com o primeiro quadro partidário ampliado em 1982, ainda durante a ditadura, São Paulo teve regiões fortemente estabelecidas e distribuídas entre conservadores e progressistas – de situação e de oposição ao regime militar, herdadas do PDS e PMDB. Mas já em 1988, o mapa de distribuição das vitórias mostra 13 partidos vencendo em nível local; em 96 foram 17; e agora 22 partidos. É muita fragmentação.”

Rachel Meneguello atenta que esse quadro muda totalmente quando se passa aos votos para governo do Estado e mostra mapas sobre as votações de 1994 a 2014 – todas de primeiro turno, a fim enfatizar a ideia de fragmentação da competição política ou não dos votos. “Vemos claramente a hegemonia do PSDB no período, mas faço questão de destacar a atuação de Paulo Maluf em 1998, porque o mapa só deixa de ser hegemonicamente peessedebista quando esse candidato (então no PPB) está no primeiro turno, mostrando a força do malufismo no estado – ele, contudo, perdeu no segundo turno para o PSDB. E veja que, no mapa de 2014, o único ponto destoante está em Hortolândia, vizinha a Campinas: é o único município em que o PSDB perdeu na eleição para governo, tendo dado votação vitoriosa ao PT.”


Vida partidária

Segundo a professora da Unicamp, uma contribuição importante do projeto foi a realização de uma pesquisa original com os filiados partidários, inédita para o caso brasileiro, sobre o funcionamento interno dos dez principais partidos em São Paulo. “Quisemos estudar a vida partidária interna: a administração, as ações das lideranças e da militância, a mobilização interna partidária e o papel dos filiados no funcionamento partidário. A contribuição desses dados se destaca, sobretudo, por tentar responder o dilema que se coloca há anos, se os partidos estão em crise ou não. A resposta é que existe, sim, vida partidária interna, e uma relação intensa com movimentos sociais e organizações variadas da sociedade civil.”

Meneguello explica que a pesquisa realizou um survey (pesquisa por amostragem) junto a 500 filiados e outro com 400 vereadores dos mesmos dez partidos, além de uma terceira pesquisa com delegados partidários paulistas do PSDB, aproveitando que durante o projeto o partido promoveu sua convenção estadual, em 2013. “Como nós temos pesquisas com esse mesmo recorte de análise de lideranças intermediárias sobre delegados do PT, levamos as mesmas perguntas para identificar possíveis diferenças na dinâmica interna entre os dois partidos. Foram 372 entrevistas e, em trabalhos decorrentes dessa pesquisa, boa parte das conclusões é de que ambos diferem muito pouco em relação à vida partidária, que inclusive é parecida com as dos demais partidos.”

Ao pôr a mão na massa, diz a coordenadora do projeto, o grupo descobriu a enorme dificuldade de viabilizar a pesquisa dentro dos partidos, começando na proposta de entrevistar os filiados. “O Tribunal Regional Eleitoral recusou-se a fornecer os endereços e tivemos que dar conta de encontrar os filiados a partir dos diretórios dos partidos, que também são difíceis de localizar, pois nos municípios menores, vários deles ficam literalmente em cima da oficina mecânica da esquina – mas montamos a duras penas essa amostra com 500 entrevistas. A mesma dificuldade se deu em relação à pesquisa com as elites legislativas, em que o primeiro entrave foi convencer vereadores a responderem os questionários.”


Quarta onda

A pesquisadora destaca ainda que seu grupo deu uma contribuição que considera importantíssima para o Estudo do Eleitorado Brasileiro (ESEB), um projeto internacional vinculado ao Comparative Study of Electoral Systems Project (CSES), coordenado pela Universidade de Michigan e que tem a participação de instituições de mais de 30 países. “A cada eleição presidencial ou geral nesses países, os pesquisadores vão a campo nos dias seguintes ao pleito, aplicando um módulo comum de questões para avaliar a capacidade ou eficácia dos respectivos sistemas representativos.”

O ESEB é uma pesquisa nacional realizada no Brasil pelo Cesop desde 2002, mediante convênio, sob a coordenação de Rachel Meneguello, encontrando-se em sua quarta onda – considerando as eleições presidenciais daquele ano e as de 2006, 2010 e 2014. “Estamos nos preparando para ir a campo em 2018. Nosso estudo contribuiu para identificar fundamentos das preferências políticas no país e em específico no Estado de São Paulo, avaliar as possibilidades do partidarismo e do personalismo e a capacidade representativa do nosso sistema eleitoral.”

A coordenadora do ESEB acrescenta que o projeto também permitiu dar sequência a uma coleção de dados sobre o funcionamento da democracia brasileira, que tem início em fins dos anos 1980. “É um estudo nesse longo período dos fundamentos da adesão democrática e da legitimidade do regime. Os dados sobre a adesão democrática em 2014 nos preocuparam e nos preocupam, dada a queda significativa, após 30 anos de uma tendência crescente, dos indicadores de preferência e de satisfação com o regime. Preocupam também os dados de conhecimento do significado de democracia, que também diminuíram com o tempo, apesar dos anos de experiência democrática. Esse é um dos pontos da pesquisa de 2018 que vamos aprofundar. Creio que em um ano eleitoral como o atual, com a crise política e institucional que testemunhamos, as contribuições que nosso projeto traz são relevantes”.

O projeto temático Fapesp “Organização da Política Representativa em São Paulo” foi desenvolvido pelos professores Rachel Meneguello, Oswaldo Estanislau do Amaral e Valeriano Ferreira Costa, da Unicamp; Maria Teresa Kerbauy, da Unesp; Pedro Floriano Ribeiro e Maria do Socorro Braga, da UFSCar; Bruno Wilhelm Speck, da USP; e envolveu 25 alunos das quatro instituições. Os resultados e as informações completas podem ser acessadas na página do projeto: https://www.cesop.unicamp.br/tematico-fapesp-spaulo/mapas/

 

 

Imagem de capa JU-online
Audiodescrição: em fotomontagem, imagem close-up e em perspectiva de uma urna eletrônica, com detalhe para os teclados numéricos, à direita, com uma bandeira do Estado de São Paulo estilizada em formato de onda, sobreposta, à esquerda. Imagem 1 de 1.

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