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Uma técnica pioneira para a produção de colágeno líquido

Produto tem ampla aplicação na área de pesquisa biológica e médica

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Pesquisadores da Unicamp desenvolveram uma técnica específica de produção de colágeno líquido. Ao invés de reprocessar o colágeno a partir de sua conformação final, a pele animal, como é comumente realizado, o grupo extrai o elemento mais fundamental da fibra, os monômeros, para, a partir dele, sintetizar o colágeno puro e em forma solúvel. A pesquisa faz parte do doutorado de Andreas Kaasi, em andamento no Biofabris, Instituto Nacional de C&T em Biofabricação, da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp, sob orientação do professor Paulo Kharmandayan. Kaasi é fundador e pesquisador responsável pela Eva Scientific, spin off que acaba de lançar o colágeno solubilizado no mercado.

De acordo com Kaasi, a Eva Scientific é a primeira empresa no Brasil a produzir e comercializar esse tipo de colágeno. “São poucos lugares do mundo que conseguem fazer esse material de forma sintética”, destaca o orientador da pesquisa. O produto ainda traz vantagens sobre seus antecessores em termos de pureza e versatilidade.

Foto: Antoninho Perri
Andreas Kaasi, autor da tese, e o colágeno líquido: “São poucos lugares do mundo que conseguem fazer esse material de forma sintética”

A solução de colágeno líquido tem ampla aplicação na área de pesquisa biológica e médica como substrato para cultura celular. Conforme explica o pesquisador, a cultura celular clássica utiliza substratos de plástico ou vidro para o desenvolvimento, proliferação e migração de células. Contudo, alguns tipo de célula, como células-tronco de pluripotência induzida (iPS), células-tronco embrionárias, células epiteliais e endoteliais são mais exigentes e aderem pouco a estes materiais. O colágeno, por ser um material mais natural, constitui um terreno mais fértil e amigável a essas células.


Biomembranas

O colágeno é o primeiro fruto de um projeto maior de desenvolvimento de biomembranas para uso animal e humano empregando impressão 3D e colágeno como matéria-prima. “A chave do nosso projeto é o colágeno, pois ele é a base de todos os tecidos, internos e externos. Nossa inovação é a fabricação de um tecido de colágeno, versátil e resistente, usando a impressão 3D”, explica o pesquisador. Depois de testada em laboratório, a biomembrana foi aplicada em caráter experimental em animais que haviam perdido parte de sua pele, no Hospital Veterinário de Sorocaba (SP). Os resultados são promissores, de acordo com o grupo envolvido. O tempo de regeneração da área afetada, estimado entre 3 e 6 meses, foi reduzido para um mês. 

Além de funcionar como barreira física à contaminação do ambiente, as biomembranas, mesmo sendo totalmente acelulares, atraem as células do entorno a povoarem a região afetada, o que leva a aceleração do processo de recuperação. Outro diferencial do novo material é ter 90% de umidade dentro de uma estrutura flexível. Dessa forma, ele pode ser aplicado diretamente no ferimento, sem necessidade de ser umidificado. “Tudo o que acontece no campo de medicina veterinária regenerativa serve também como experiência para área humana. Por isso, é tão interessante ter os dois campos evoluindo paralelamente”, observa o pesquisador.

Foto: Antoninho Perri
Da esq. para a dir., Paulo Kharmandayan, Andreas Kaasi e André Jardini: produto tem vantagens sobre similares


Biorreatores

Outro produto, também formulado durante a pesquisa, e que já está sendo comercializado pela empresa, é o biorreator: uma câmara que simula o corpo humano, criando o ambiente propício para o crescimento de um tecido vivo. “O útero é o melhor biorreator que conhecemos”, pontua Kharmandayan. O produto desenvolvido pela Eva Scientific é composto por um conjunto de equipamentos e um software de controle e monitoramento, que define as condições adequadas de temperatura, pressão, pH, nutrientes, etc. “Os processos que acontecem no corpo, podem ser recriados de maneira artificial usando diferentes métodos e equipamentos. Fizemos um software bastante flexível e versátil, que controla todos esses parâmetros”, explica Kaasi.

Para o bioengenheiro, o colágeno e os biorreatores foram uma oportunidade de retorno financeiro em um estágio ainda prematuro do trabalho. Por serem produtos para uso em pesquisa, exigem menos regulamentação do que os produtos para uso humano ou animal. Além dos produtos, a empresa oferece consultoria customizada em engenharia de tecidos e órgãos, do qual a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e a Universidade Federal do Rio Grande do sul já se beneficiaram.


Próximos passos

A partir de matrizes produzidas com a técnica da impressão 3D, Kaasi pretende fabricar estruturas de diversos formatos, utilizando o colágeno como matéria-prima e o biorreator como ambiente de produção. “Minha intensão é estabelecer essa nova linha de pesquisa de biorreatores usando impressão 3D”, relata. “A pele, por ser plana, é a forma mais simples. No caso de uma aorta ou um vaso, o formato será tubular. Para um órgão, como o coração ou a bexiga, que contém líquido, o formato deverá ser semelhante a um saco”, explica Kaasi.

Foto: Antonio Perri
A biomembrana: aplicada com sucesso em caráter experimental


Sociedade e mercado

Conforme destaca André Jardini, pesquisador sênior da Biofabris, a Eva Scientific é a quarta empresa filha da Unicamp incubada pelo Biofabris. O Instituto tem como característica colaborar no lançamento de spin offs. “Incentivamos que os doutorados e mestrados desenvolvidos no Laboratório tenham, ao final, um produto que possa ser patenteado ou uma pequena empresa”, conta. Segundo ele, ao começar sua pesquisa, o estudante é estimulado a fazer uma avaliação de contexto de mercado e a criar uma linha de raciocínio dentro da pesquisa que possa levar ao desenvolvimento de um produto ou mesmo uma inovação tecnológica.

A Eva Scientific é uma de várias empresas filhas do Biofabris que foram selecionadas para financiamento da Fapesp no âmbito do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE). A Eva, por sua vez, também está sendo acelerada no InovAtiva Brasil, um programa de aceleração organizado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), que nesta edição recebeu 1.793 propostas para as concorridas 300 vagas. Jardini ressalta a importância desse tipo de iniciativa para atender as demandas da sociedade. Ele cita como exemplo as próteses de crânio, desenvolvidas pelo Biofabris, que já tiveram mais de 100 pedidos. “É necessário uma produção em escala, que não é a função do laboratório”, explica.

O Biofabris, coordenado pelo professor Rubens Maciel Filho (FEQ),  é um dos nove INCT com sede na Unicamp e um dos 44 no Estado de São Paulo. O programa está sob a responsabilidade do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) e é organizado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Na Unicamp, além da FEQ, participam do Biofabris a Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) e a Faculdade de Ciências Médicas (FCM). Tem ainda como parceiros a Escola de Engenharia de São Carlos (USP); o Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital de Clínicas (HC) da USP; a Escola Paulista de Medicina (EPM); o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen); o Centro de Tecnologia em Informação Renato Archer (CTI); o Centro de Ciências Médicas e Biológicas da PUC-SP; o Laboratório de Biomateriais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); e a Divisão de Processamento e Caracterização de Materiais do Instituto Nacional de Tecnologia (INT).

 

Imagem de capa JU-online
Andreas Kaasi | Foto: Antoninho Perri

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