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Pesquisadores associam fungo à extinção de sapos na Mata Atlântica

Estudo da Unicamp pode ter desvendado enigma que intriga cientistas desde a década de 1970

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O misterioso e, até agora, inexplicado desaparecimento de populações de anfíbios no Brasil entre as décadas de 1970 e 1980 pode ser atribuído ao fungo quitrídio, implicado numa onda internacional de extinções de sapos que vem causando alarme entre cientistas e conservacionistas desde o final dos anos 1990. A conclusão vem de pesquisa realizada por Tamilie Carvalho para sua dissertação de mestrado, defendida no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, orientada pelo professor Luís Felipe Toledo. Carvalho, Toledo e o pesquisador Guilherme Becker assinam ainda artigo sobre o assunto publicado no periódico Proceedings of the Royal Society B.

O sumiço de anfíbios na região da Mata Atlântica era um enigma antigo para a ciência brasileira. “Alguns pesquisadores que estavam trabalhando na Mata Atlântica, nos anos 70 e 80, faziam coletas, de tempos em tempos, nas mesmas localidades. E perceberam que tinha alguns bichos que ou estavam declinando em abundância, ou mesmo desaparecendo”, disse Toledo. “Nos artigos que tratavam desses declínios, os pesquisadores sugeriam algumas possíveis causas: uma geada forte um ano antes de os bichos desaparecerem; foi um aumento da poluição – nos anos 80 tinha muita preocupação com chuva ácida, poluição de carros, fábricas. Naquela época, nem se sabia dessa doença que estamos estudando agora”.

Foto: Antonio Scarpinetti
Tamilie Carvalho, autora da dissertação, em laboratório do Instituto de Biologia: análises de mais de 30 mil girinos preservados em acervos

“Essa era uma pergunta de décadas”, acrescentou Becker. “Qualquer congresso de herpetologia, todo ano era aquela questão. O modo dramático como os declínios eram descritos – no ano anterior tinha tantos dessa espécie, tinha tanto bicho, e no ano seguinte não tinha mais nada – deixou todo mundo especulando: qual a causa?”

Para chegar à descoberta sobre o fungo, Tamilie Carvalho percorreu o Brasil, visitando museus com coleções de anfíbios, e analisou mais de 30 mil girinos preservados nesses acervos.  Os girinos infectados pelo quitrídio tinham a boca esbranquiçada, explicou ela, porque o fungo consome a queratina, uma proteína estrutural – presente, por exemplo, nas unhas e nos cabelos humanos – e que forma o bico e os dentículos córneos, o aparelho oral dos girinos.

“O fungo, quando infecta os girinos, fica na região do bico e dos dentículos, que é a região que tem queratina”, disse a pesquisadora. “E ele consome a queratina. Então, tanto o bico córneo como os dentículos, que costumam ser pretos, ficam brancos. Conseguimos, através desse método, olhar todos os girinos e categorizar: positivo ou negativo. Há um padrão de despigmentação pelo fungo que estudamos bem – e usamos esse padrão para categorizar todos os indivíduos analisados”.

Foto: Antonio Scarpinetti
O professor Luís Felipe Toledo, orientador do estudo: próximo passo da pesquisa é investigar as causas do aumento da infecção

“Quando os declínios dos anfíbios na Mata Atlântica foram notados, lá atrás, sugeriu-se que poderia ser a poluição, desmatamento, mudança climática, mas tudo eram hipóteses que nunca foram testadas”, disse Toledo. “Nós testamos só a doença, o que não quer dizer que outras causas não tenham contribuído também: pode ter havido uma combinação entre os agentes, mas com certeza o quitrídio fez parte dessa história”.

“O que chama atenção especial para o quitrídio é que todos os locais onde houve declínio são áreas de florestas intactas, áreas protegidas, o que derruba um pouco a hipótese de que o declínio teria sido causado pelo desmatamento”, completou Carvalho. “E foi isso que levou a gente a pensar que poderia ser a doença”.

Os pesquisadores apontam que o fungo já estava presente na Mata Atlântica antes dos declínios registrados, e bem antes da constatação da epidemia global de quitrídio, no fim dos anos 1990.

Foto: Antonio Scarpinetti
Girinos infectados pelo fungo quitrídio: despigmentação dos dentículos e do bico córneo

“Uma coisa que diferencia nosso trabalho dos demais que tratam de declínios pelo fungo é que, na maioria dos lugares, relata-se a chegada do quitrídio, seguida de declínio”, afirmou Carvalho. “E no Brasil, não: o fungo já estava presente aqui, mas de repente alguma coisa virou a chave e começaram os declínios. O nosso trabalho passa esse alerta: que independente de já ter o fungo em outros lugares, outros países, isso não elimina a chance de haver novos declínios”.

A questão do que transformou o quitrídio presente no Brasil numa ameaça ainda aguarda resposta: mudança climática – que teria permitido ao fungo conquistar ambientes habitados por animais mais sensíveis – ou o aparecimento de uma nova linhagem são possibilidades. 

“Dentro dessa linha que estamos comentando, a próxima pergunta é: o que causou o aumento da infecção? Entender esse mecanismo. Essa é uma pergunta que estamos explorando na pesquisa de doutorado da Tamilie”, disse Toledo.

Imagem de capa JU-online
Foto: Divulgação

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