Qualidade da Pesquisa

JU - Também em escala global, a ênfase nas avaliações de qualidade de pesquisa vem se deslocando da mera atenção à produtividade para questões de impacto e relevância. Como a Unicamp deve responder a essa mudança cultural?

Foto: Antonio Scarpinetti

Marcelo Knobel – A produção científica, tecnológica e artística de qualidade será valorizada em todas suas dimensões, respeitando-se os valores e a cultura próprios de cada área. Para tal, propõe-se construir critérios qualitativos pertinentes às diferentes áreas do conhecimento, que permitam compreender o desempenho acadêmico para além das métricas quantitativas.

É necessário também criar condições para superar certos limites tradicionalmente colocados para o avanço do conhecimento. O incentivo ao desenvolvimento de ações transversais, que apoiem a articulação de competências e da infraestrutura instalada, é fundamental para enfrentar o desafio de oferecer soluções para problemas complexos que exigem a mobilização de conhecimentos de diferentes tipos e naturezas, para contribuir na solução de questões urgentes e importantes para a sociedade. A Unicamp deve continuar a exercer seu protagonismo na inovação, contribuindo com ideias e processos que emanam de suas atividades de ensino e pesquisa e contribuem para a inovação tecnológica em seus diferentes setores.

A parceria com colaboradores externos, por meio de convênios e de outros instrumentos que preservem a missão da universidade pública, será estimulada, em paralelo ao aperfeiçoamento do sistema de gestão, a fim de garantir a necessária agilidade na tramitação dos processos pelas instâncias universitárias. Além disso, todas as áreas devem ser apoiadas no seu esforço para participar dos debates que considerarem mais qualificados, por meio de ações amplas e sustentadas na valorização da produção acadêmica. Entendemos que as áreas têm tradições diferentes, mas todas compartilham o valor primeiro que deve orientar as ações em pesquisa: a excelência acadêmica.

A avaliação dos docentes e pesquisadores tem que ser pautada pela valorização de todas as atividades necessárias a uma instituição que atua na formação de recursos humanos, na produção de conhecimento e que interage e responde às necessidades da sociedade onde está inserida. Para avaliar de modo adequado a atividade acadêmica, por exemplo, é preciso ter um bom registro das suas atividades, passo importante que já foi dado com a implantação de um único repositório de produção acadêmica.

Embora a pesquisa constitua um dos eixos das atividades, entendemos que é preciso ponderar o seu peso na avaliação, atendendo às especificidades das áreas de atuação e às preferências pessoais. A avaliação deve, dessa forma, refletir a indissociabilidade de pesquisa, ensino e extensão, valorizando as três áreas de forma mais equilibrada, pois só dessa forma se obtém uma avaliação mais qualitativa do que quantitativa e se evita que o padrão adequado a uma dada área seja estendido às demais. Soma-se a essa avaliação geral, a dimensão da gestão universitária como uma esfera importante de atuação, que necessita, igualmente, ser considerada no conjunto da avaliação de desempenho, pois os docentes que se dedicam aos cargos na Universidade muitas vezes acabam penalizados devido à sobrecarga de trabalho.

A contribuição dos funcionários que apoiam as atividades-fim também é um aspecto fundamental do trabalho desenvolvido na Universidade. Sua participação e seu engajamento serão reconhecidos e estimulados, contribuindo para a construção de ambientes de trabalho seguros, instigantes e que apoiem o desenvolvimento profissional.

Pesquisador mostra imagens na tela do computador que retratam pesquisa desenvolvida em laboratório da Unicamp (foto: Antonio Scarpinetti)

Luís Alberto Magna – Mais que uma mudança cultural, este sempre foi um anseio apregoado pela comunidade de docentes e pesquisadores da Unicamp, tanto que isso vem sendo utilizado, com sucesso, na avaliação de desempenho dos professores de cursos de pós-graduação e, também, na avaliação periódica do desempenho dos docentes da Universidade, quando da apresentação dos seus relatórios de atividades. Mas cabe aqui uma importante ressalva: se os critérios de impacto e relevância são importantes, sua métrica não pode ser a mesma para todas as áreas dos saberes e conhecimentos: seria um contrassenso avaliar, pela mesma métrica – tipo de publicação, por exemplo – um artigo científico em Matemática ou em Física com uma publicação em Ciências Sociais ou Economia; para não falar em produção artística, nas suas diferentes expressões, ou em trabalhos desenvolvidos nas áreas da Saúde ou Engenharias.

O que aqui chamo atenção é que a medida com que o critério de impacto e relevância será aferido depende – mas depende muito – do tipo de produção e da área na qual tal produção se deu, pois sua divulgação, sempre necessária, segue caminhos diversos. Portanto, a Universidade tem que assumir, de uma vez por todas, a pura e simples descentralização da medida da qualidade do que, internamente, é produzido. E dar-lhe a importância como tal!

Foto: Antonio Scarpinetti

Leo Pini – É imprescindível sempre avançar o olhar para políticas que começam a emergir no mundo e que buscam articular atores no cenário da pesquisa – pesquisadores, cidadãos, políticos, empresas, serviços, etc. – para que trabalhem em conjunto, alinhando processos e resultados com os valores, necessidades e expectativas da sociedade. A Unicamp deve alinhar seus objetivos a iniciativas como esta. Qualidade, como sabemos, é algo muito mais amplo e complexo do que as métricas atuais permitem apurar. Desse modo, cabe à Unicamp assumir um papel protagonista na definição de novas métricas para avaliação de pesquisas que extrapolem a contagem de publicações e de citações.

Nesse sentido, a tecnologia mais uma vez é aliada da ciência. Um exemplo concreto foi apresentado na edição 647 do Jornal da Unicamp, de fevereiro/março de 2016, em estudo que permitia uma avaliação do impacto de evidências, resultados de pesquisas da área da saúde, diretamente por profissionais que atuavam na assistência a pacientes. Esse é um exemplo de como a pesquisa na área da saúde pode ter uma avaliação que extrapola o seu caráter exclusivamente acadêmico. Da mesma maneira, outras áreas do conhecimento podem ter novas métricas similares de impacto de seu trabalho para a sociedade. Mais uma vez, caberá a cada Unidade e área de pesquisa propor e avaliar a efetividade de métricas alternativas para direcionar os rumos de suas atividades, na direção e sentido orquestrados pela Universidade.

Foto: Antonio Scarpinetti

Antonio Fonseca A alta administração da Universidade deve acompanhar, estimular e ampliar as pesquisas que são de interesse da sociedade que a mantém, sem perder de vista o horizonte mais amplo e universal das ciências exatas, biológicas, humanas e das artes, que nem sempre são de fácil compreensão para leigos. Somente quando as boas notícias, geradas pelas atividades acadêmicas, ultrapassarem as de má gestão, é que voltaremos a ter nossa contribuição de caráter cultural reconhecida pela sociedade.

Foto: Antonio Scarpinetti

Rachel Meneguello – Essa mudança, na qual as universidades de destaque nos vários países têm se engajado, ainda é lenta, vem provocando uma transformação importante nas instituições, aprofundando e valorizando pesquisas e atividades de impacto social e respostas aos problemas nacionais e internacionais. Entretanto, os rankings universitários ainda exercem impacto sobre o planejamento das instituições, e os indicadores de produtividade ainda influenciam o trabalho da comunidade acadêmica. No caso brasileiro, os indicadores de produtividade continuam ocupando espaço importante na produção e divulgação da pesquisa realizada, orientadas, em boa medida, pelos critérios de avaliação das agências de fomento à pesquisa e à pós-graduação. 

O sistema de avaliação da Capes define critérios contabilizáveis, pontos e notas que condicionam o funcionamento dos cursos de pós-graduação e impõem comportamentos acadêmicos que respondem às imposições. O mesmo ocorre com os critérios dos comitês do CNPq e da Fapesp, para financiamento à pesquisa. Esse movimento institucional de valorização das questões de impacto e relevância não pode, portanto, ser isolado desse contexto mais amplo, é um esforço de transformação a ser movido pela comunidade acadêmica nacional (e internacional).

Mas a Unicamp pode, sim, responder a essa mudança internamente, através de ações específicas como, por exemplo, redimensionando seus critérios de avaliação do trabalho acadêmico nos relatórios de atividades docentes e de pesquisadores. Outra iniciativa importante é a avaliação do impacto social da pesquisa que realizamos na instituição. Para isso, a PRP, articulada a representantes de todas as áreas de conhecimento, deverá constituir indicadores adequados que permitirão identificar se a pesquisa produzida deu base a uma política pública, criou nova tecnologia,criou novo produto, produziu subsídio à solução de problemas sociais ou políticos, e outras variadas formas de impacto social.

Cabe dizer, por outro lado, que a Unicamp tem sido capaz de combinar uma produção acadêmica focada na qualidade e produtividade, em padrões internacionais, com um olhar sobre temas de interesse nacional. Na agenda de inovações, desenvolvimento de tecnologias e depósito de patentes, nós já nos destacamos há um bom tempo, justamente pelo vínculo de nossa produção científica, a necessidades do mundo industrial e da produção.

Na extensão universitária, tem crescido nosso compromisso com atividades vinculadas ao apoio a pequenas comunidades, a pequenas empresas, a grupos locais no desenvolvimento de atividades de formação e de geração de renda própria. Estes e outros exemplos indicam a procura por temas de pesquisa, ensino e extensão que colocam os problemas nacionais de autonomia e desenvolvimento tecnológico, os problemas sociais econômicos e culturais e outros, no foco das atividades que realizamos. Trata-se de incentivar o aprofundamento desta agenda, conectando cada vez mais nossas atividades aos problemas do país e de nossa região.

 

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