Foto: Antoninho Perri

Peter Schulz foi professor do Instituto de Física "Gleb Wataghin" (IFGW) da Unicamp durante 20 anos. Atualmente é professor titular da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, em Limeira. Além de artigos em periódicos especializados em Física e Cienciometria, dedica-se à divulgação científica e ao estudo de aspectos da interdisciplinaridade. Publicou o livro “A encruzilhada da nanotecnologia – inovação, tecnologia e riscos” (Vieira & Lent, 2009) e foi curador da exposição “Tão longe, tão perto – as telecomunicações e a sociedade”, no Museu de Arte Brasileira – FAAP, São Paulo (2010).

A nova estreia em Pugwash, 60 anos depois

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Ilustração: Luppa Silva Os encontros nos palcos (e não nas coxias) entre teatro e física renderam uma das grandes obras da dramaturgia do século XX. Assistir a uma boa montagem de “A vida de Galileu Galilei” de Bertold Brecht, equivale a um semestre sobre Ciência & Sociedade. Tendo a oportunidade, não hesite em matar pelo menos uma aula para ir ao teatro e deleitar-se com o físico italiano do século XVII, falando sobre a construção do conhecimento e seus dilemas [1], tanto ontem, quanto hoje. A peça, escrita em 1938, estreou em 1943 na Suíça com o mundo em guerra à sua volta.

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Bertold Brecht, autor de “A Vida de Galileu Galilei”

O teatro permitiu também um impossível diálogo entre Isaac Newton e Albert Einstein, graças agora ao escritor e dramaturgo suíço Friedrich Dürrenmatt. Esse discípulo de Brecht escreveu a peça “Os Físicos” em 1962, agora no auge de outra guerra, a fria: uma reflexão sobre a ciência e seus efeitos. São 3 físicos internados em um sanatório,  um que acredita ser o rei Salomão, e outros dois que se passam por outras pessoas, que por sua vez fingem-se de loucos pensando ser Newton e Einstein. Todos em meio a uma trama policial burlesca. O texto da peça tem um adendo com certas pistas explícitas como que “o conteúdo da física interessa aos físicos, o seu efeito aos homens”. No final da peça, o personagem Joseph Eisler, que se dizia Ernest Ernesti, que se dizia Einstein, dirige-se ao público como sendo mesmo este último e confessa: “Amo os homens e amo meu violino, mas foi por minha recomendação que se construiu a bomba atômica”.[2]

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O suíço Friedrich Dürrenmatt, que escreveu “Os Físicos”

E a bomba foi construída. Robert Oppenheimer foi o diretor científico do projeto Manhattan, que deixou como legado as 3 primeiras bombas atômicas: a primeira foi apenas um teste, mas as outras duas entraram para a história de modo infame. Oppenheimer deixou o projeto antes das explosões dessas duas últimas [3].  Anos depois criticou o desenvolvimento das bombas de fusão nuclear, que anunciavam uma aniquilação multiplicada por mil. E aqui entra uma terceira estreia, já em 1964: “O Caso Oppenheimer” do dramaturgo alemão Heinrich Mauritius Kipphardt. O “caso” refere-se ao processo que o cientista sofreu nas mãos e aos olhos da comissão de atividades antiamericanas durante a década anterior. Nesse meio tempo as armas nucleares dominavam a cena nos palcos da guerra fria e a ciência perdera definitivamente a sua inocência [4]. O que ela (a ciência) poderia fazer então?

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Heinrich Kipphardt: Oppenheimer no centro de trama

E chegamos, enfim, à estreia mais recente ocorrida na semana passada. Trata-se de “Pugwash”, de Vern Thiessen, que comemora os 60 anos da primeira conferência realizada na pequena vila de pescadores de mesmo nome no litoral da Nova Escócia, Canadá, em julho de 1957. Dois personagens são centrais na história: Cyrus Eaton, industrial nascido na vilazinha e que financiou o evento, e Joseph Rotblat, físico, um dos organizadores do mesmo. Rotblat também participara do projeto Manhattan, mas demitiu-se bem antes de finalizada a primeira bomba por questões morais irreconciliáveis. Essa primeira conferência pelo desarmamento nuclear e paz mundial reuniu 22 cientistas de diversos países dos dois lados da então cortina de ferro. Oppenheimer foi convidado, mas não compareceu. Bertrand Russell, um dos mentores do encontro, não pode ir por motivos de saúde, mas é um dos autores do “manifesto Russell-Einstein” de 1955, origem desse movimento. A carta endossando a versão final do manifesto é o último documento público assinado pelo famoso físico [5].  

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Vern Thiessen, autor de “Pugwash”, peça que estreou na semana passada

A conferência é um exemplo pioneiro do que conhecemos hoje como diplomacia não governamental e engendrou a organização “Conferências Pugwash sobre Ciência e Assuntos Globais”. Sir Joseph Rotblat foi seu presidente por muitos anos e recebeu em nome da organização o prêmio Nobel da Paz de 1995. Em seu discurso ao receber o prêmio, o físico cita uma frase do manifesto de 1955: “acima de tudo lembrem-se de sua humanidade”. É a missão de engajamento de que nos falou Ernest Boyer.

Mais sobre Ernest Boyer: A quarta e a quinta missões da universidade

 


[1] Uma “ementa” da peça com Denise Fraga no papel de Galileu:  https://www.youtube.com/watch?v=wEwfs7WBK0c

[2] Existe uma versão para televisão no youtube, veja os discursos finais dos físicos nos últimos 10 minutos (a partir de 1 h e 56min, legendado em espanhol): https://www.youtube.com/watch?v=2tjd64Nb-FU

[3] Oppenheimer sobre a bomba: https://www.youtube.com/watch?v=P0eaMvAHI_4

[4] Referência ao título do livro de Armin Hermann (não traduzido): “Wie die Wissenshaft ihre Unshuld  verlor” (“Como a ciência perdeu sua inocência”).

[5] Uma tradução do manifesto, junto com sua história pode ser encontrada em http://www.sbfisica.org.br/fne/Vol6/Num1/pugwash.pdf

 

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