Germana Barata Germana Barata é pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri), Unicamp, e pesquisadora visitante da Universidade Simon Fraser, no Canadá, com Bolsa Fapesp (Processo 2016/14173).
É membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC) e uma das autoras do blog Ciência em Revista.

Vancouver, a cidade que quer ser (ainda) mais verde em 2020

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Ilustração: Luis Paulo SilvaUma das mudanças que incorporamos em nossas vidas quando mudamos para Vancouver, no Canadá, foi aprender a separar e a lidar com resíduos e recicláveis na cidade que quer ser a mais verde até 2020. O desafio tem transformado essa cidade de 600 mil habitantes em um bom laboratório cultural no qual estamos aprendendo a rever nossos hábitos - para melhor.

Atingir o objetivo de ser uma cidade verde precisa ser coerente e disseminado em diversos níveis. O incentivo ao uso de transporte público elétrico e bicicletas – tema que tratei nesta coluna em julho de 2017, a separação do lixo em 5 recipientes (papel, recipientes plásticos, compostos orgânicos, vidro e latas, além do lixo), o hábito de levar comida de casa para o trabalho, usar garrafas ou canecas de alumínio para a água ou o café de todo dia, as vagas preferenciais para carros elétricos, os telhados de prédios com gramados, as hortas públicas, os parques e áreas verdes na cidade são algumas das marcas da bela Vancouver.

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Edifícios com áreas verdes na cobertura são comuns; as latas de resíduos e lixo são acompanhadas de exemplos do que deve ser descartado; os contêineres de resíduo orgânico (verde), lixo (cinza), plásticos e latas (azul) e papel são dispostos a cada 7 ou 15 dias nas residências para coleta automatizada; e canudos de vidro já estão em uso em Vancouver | Fotos: Germana Barata e Instagram do Cascade Room (canudo de vidro)

Os objetivos são ambiciosos: resíduos zero até 2040. Parece impossível lidar com tanto descarte diário, mas a cidade tem se esforçado para chegar a 2020 com redução de 50% dos resíduos produzidos em 2008, quando cerca de 500 mil toneladas acabavam nos lixões da cidade. Desde então, Vancouver já reduziu 27% e implementou mudanças bastante significativas. Uma delas foi a adoção, em 2015, do programa de resíduos orgânicos que, quando descartados de forma adequada, deixam de produzir gases de efeito estufa e podem ser transformados em compostagem.

Por aqui o lixo orgânico deve ser descartado em sacos de papel, jornal ou diretamente no contêiner verde que é coletado automaticamente pelos caminhões. Sacos plásticos, mesmo biodegradáveis, não são aceitos. E para quem acha que pode descartar de qualquer jeito, a coleta municipal deixa de coletar resíduos descartados irregularmente, deixa um aviso sobre o que houve de errado e pode até multar os residentes.

A baixa frequência da coleta seletiva é também educativa, pois nos força a conviver e nos conscientizarmos sobre os resíduos que produzimos. A coleta de recicláveis e orgânicos ocorre uma vez por semana, e a coleta de lixo a cada 2 semanas.

É possível também trocar latas, garrafas e contêineres de papel de bebidas não lácteas por dinheiro em inúmeros pontos da cidade. A medida foi adotada pelos meus filhos que fizeram desta atividade um bom motivo para juntar pequenas economias, o que lhes permitiu comprar dois jogos DS usados no site online de vendas nacional.

Reportagem <https://globalnews.ca/news/4191551/deep-coves-plastic-straw-ban/ sobre o banimento de canudos plásticos em Deep Cove, Vancouver | Foto: Global BC


A cidade também aprovou em maio o banimento de canudos plásticos, copos e embalagens de isopor a partir de 1 de novembro de 2019. Mas a medida já está em prática em alguns locais como a bela vila Deep Cove, em que visitamos em maio e tivemos a chance de usar canudos de papel, ou o Cascade Room, bar especializado em coquetéis, que utiliza charmosos canudos de vidro azul.

Planejamento, compartilhamento

Nenhuma cidade se torna verde do dia para a noite; essa proposta de mudança cultural precisa ser reforçada cotidianamente. Exemplo disso é perceber que os canadenses da costa oeste – reconhecidamente a região mais verde do país –, embora compartilhem tanto dos costumes dos vizinhos estadunidenses, se distinguem por não ostentarem bens de consumo e incentivarem o trabalho comunitário, voluntário, as doações, o compartilhamento.

Deixar de ter carro já faz parte do planejamento de várias famílias que se programam para caminhar, andar de bicicleta ou usar o transporte público, que funciona bem. Mas se precisar de um carro, é possível alugar um dentre os 3 mil disponíveis para aluguel nas empresas Mobi, Car 2 Go, Zipcar e Evo. A maior frota de carros de aluguel da América do Norte tem permitido que 25% dos usuários tenha deixado de ter carro próprio, contribuindo para diminuir o trânsito e a poluição em Vancouver (veja notícia publicada na CBC).

E a cultura de compartilhar é também presente nas bicicletas. A Shaw, empresa de telefonia que detém as ilhas de bikes de aluguel pela cidade tinha, em 2017, 117 estações com 1.200 bicicletas. Este ano, serão mais 50 estações e 500 bikes disponíveis.  Esse crescimento vem na primavera, estação com temperaturas amenas e dias ensolarados para animar qualquer um a testar a magrela. De 28 de maio a 1 de junho a campanha Bike to School/Work Week” (Semana Vá de bike pra escola/trabalho) ocorreu em Vancouver como parte das estratégias de mobilizar a população. Moramos há quase três quilômetros da escola, ou 24 quarteirões, mas acordamos mais cedo para pedalar por 25 minutos com as crianças. Uma bela mudança na percepção da cidade e de nossos hábitos de mobilidade.

Foto: GB
Campanha Vá para a Escola de Bicicleta (Bike2school Week): a chegada na escola com frutas, água, barrinhas de cereal e decorações para recepcionar as crianças; e a estatística da semana reúne adesivos colados por cada criança que cumpria a meta (dir.) | Foto: Germana Barata

Agora será a vez do festival Dia Sem Carro (Car Free Day) que fecha importantes avenidas para incentivar atividades a céu aberto e a mobilidade pública sem carro. O próximo ocorrerá nos dias 16 e 17 de junho em diferentes bairros, dentre os quais será fechada a principal avenida da cidade – a Main St – ao longo de 21 quarteirões.


De pais para filhos

A cultura de uma cidade sustentável, para ser bem sucedida precisa ser passada entre as gerações. O papel das escolas fundamental, como mostrei na campanha Vá de Bike para a escola. Outro exemplo notável que vivenciamos inúmeras vezes são as festas de aniversário infantis. Os pais encorajam os convidados a substituírem os presentes por uma doação simbólica de CAD$1 ou CAD$2 (R$3-6) para o hospital, a escola ou uma instituição que incentiva o uso de bicicletas para crianças. As festinhas, com poucos convidados e sem exageros de comes e bebes – geralmente preparados de forma simples e caseira –, marcam um costume mais cometido e que, nem por isso, deixa de ser prazeroso e especial.

As festas ou momentos de lazer frequentemente ocorrem em espaços verdes. São 240 parques e áreas verdes pela cidade, com o maior deles, o Stanley, com área de 404 hectares, maior que o Central Park de Nova York - como se orgulham os moradores de Vancouver! Praticamente todos os bairros possuem ao menos um parque, além dos três parques regionais e nacionais localizados ao norte da cidade, onde estão as três principais montanhas cuja visão, durante os deslocamentos urbanos, promove uma sensação de serenidade.


Coletividade

Há ainda 110 hortas comunitárias espalhadas pela cidade que são cuidadas por voluntários ou moradores que pagam anuidade de CAD$75 pela manutenção de um canteiro. As hortas promovem a cultura do cultivo, do alimento local, orgânico, contribuem para preservar e manter polinizadores no ambiente urbano, além de deixarem a cidade mais bonita e as pessoas mais generosas. São pessoas como David, que, no verão passado, compartilhou parte de sua colheita de cenouras e beterrabas com meus filhos que brincavam na praça próxima a nossa casa e tiveram a divertida experiência de arrancar os legumes da terra antes de apreciá-los.

Usar os espaços coletivos também faz parte dos costumes e das férias escolares. Há variada programação nas 21 bibliotecas públicas (sobre as quais escrevi em agosto de 2017) e nos 24 centros comunitários <http://vancouver.ca/parks-recreation-culture/community-and-cultural-centres.aspx>, onde é possível aprender idiomas, gastronomia, música, dança e uma infinidade de atividades para todas as faixas etárias em meio a piscinas aquecidas, pistas de patinação de gelo e quadras poliesportivas. Esses espaços arquitetônicos bem cuidados, muitas vezes modernos, são inclusivos e acessíveis durante o ano todo.

O centro, onde os prédios se concentram, tampouco é exceção. Caminhar pela Georgia St, a principal, não propicia a mesma sensação claustrofóbica e cinza de grandes metrópoles, pois as árvores e jardins são frequentes e compõem, inclusive, a paisagem nas coberturas de edifícios como o famoso Vancouver Convention Centre, localizado na região portuária com seu gigantesco teto verde. Há ainda o exemplo de arranha-céus como o hotel cinco estrelas Fairmont que cultiva ervas usadas pelos chefs de seu restaurante e extrai mel produzido nas colmeias em sua cobertura.

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Teto verde do Fairmont Hotel em Vancouver: beleza e praticidade; as hortas urbanas propiciam às crianças a experiência de cultivar e consumir alimentos locais, orgânicos e compartilhados | Fotos: Tripadvisor e Arquivo pessoal Germana Barata

Vancouver é a cidade com mais casas da América do Norte, isso quer dizer que há poucas área de alta concentração de habitações e as casas são geralmente compartilhadas por mais de uma família ou pessoa. Isso quer dizer que, embora as casas pareçam pertencer a apenas uma família, ela é frequentemente dividida por duas famílias (às vezes, mais) e ainda habitada no porão por outra família/pessoa.

Há ainda tantos outros hábitos saudáveis que poderiam render outra coluna, como a água considerada bem público, que não é cobrada, a prática do cliente retirar a louça usada em cafés, as campanhas de uso de estojos com talheres de metal, para evitar o uso de descartáveis, o uso de copos e pratos de papel, as caçambas para doação de roupas e sapatos espalhados pela cidade…

Com tantos avanços em direção à sustentabilidade, Vancouver ainda não está satisfeita com os resultados obtidos. Morar aqui valorizando o verde tão presente e acessível ainda incomoda muita gente (imagine só!). A bela província de Colúmbia Britânica (BC) entrou em confrontos diretos com Alberta, a província maior produtora de petróleo do país. O oleoduto que se pretende construir para escoar a produção de petróleo nas verdes costas do oeste, cruzará parques e reservas nacionais e territórios indígenas (First Nations) com riscos que não foram diminuídos ou garantidos, segundo John Horgan, primeiro ministro de BC, o que pode causar impactos ambientais e sociais. Felizmente aqui há coerência entre planejamento a médio e longo prazo, investimentos e vontade política e pública. Viva o verde, viva Vancouver!


O que pode ou não pode reciclar em Vancouver

Reproduçao
Reprodução da campanha resíduos zero da prefeitura de Vancouver, com adição de tradução para o português Crédito: City of Vancouver

 

Arte: Luppa

 

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