Germana Barata Germana Barata é pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri), Unicamp, e pesquisadora visitante da Universidade Simon Fraser, no Canadá, com Bolsa Fapesp (Processo 2016/14173).
É membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC) e uma das autoras do blog Ciência em Revista.

Bibliotecas reforçam seu papel social e conquistam usuários

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Ilustração: Luis Paulo Silva O debate sobre o fim dos livros e sua substituição pelas versões online ainda está em curso, e bibliotecários ficam chocados quando um pesquisador lhes informa que há anos não frequenta mais as bibliotecas ou empresta um livro físico. Se esta é uma prática crescente, é papel das bibliotecas repensarem seu lugar nas universidades e na sociedade.

Impressionei-me em Vancouver (provavelmente uma amostra do que existe por aí no mundo desenvolvido) com as múltiplas bibliotecas dispostas em cada bairro, com estruturas modernas, ambiente convidativo e estratégias que realmente promovem o gosto pela leitura para todas as gerações. Existem 21 bibliotecas públicas em Vancouver, uma cidade de 600 mil habitantes, que funcionam todos os dias, em horários  que variam das 9 da manhã às 10 da noite, sendo que aos domingos o horário é reduzido, ficando aberta até as 17h ou 18h.

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Mapa de Vancouver e suas 21 bibliotecas públicas bem distribuídas pelos bairros da cidade

As bibliotecas viraram um espaço de convívio social onde o acesso à informação é fundamental, seja ela impressa, física ou online. Além dos livros, sempre com novos exemplares, é possível emprestar filmes em DVD ou Blu Ray, CDs, audiocursos, audiobooks, jornais e revistas, e até instrumentos musicais <http://www.vpl.ca/instruments>! além de usar os computadores, copiadoras e scanners. O empréstimo e devoluções podem ser feitos no balcão ou em estações individuais, com emails ou mensagens de texto que nos lembram do dia de devolução. O atraso resulta em uma multa simbólica de um dólar canadense (R$ 2,70), podendo aumentar dependendo do período esquecido.

O acervo possui mais de 2 milhões de itens físicos e as bibliotecas registraram, em 2016, cerca de 6,5 milhões de visitas e pouco menos de 9,5 milhões de empréstimos, sendo que 38% foram de itens para jovens e crianças (veja o Relatório Anual de 2016). O material preferido ainda são os livros, revistas e jornais (5,3 milhões de empréstimos em 2016), seguidos de DVDs, embora as bibliotecas registrem uma diminuição progressiva anual.

Todos os residentes podem fazer um cartão que lhes dá direito a acessar qualquer biblioteca e fazer a devolução ou reserva em qualquer uma delas, independentemente do local de retirada. Em 2016, as bibliotecas contaram com 257.924 usuários de cartões, ou cerca de 40% da população. A facilidade e os espaços motivadores e atraentes tornam o hábito do empréstimo parte da cultura, diminuindo a necessidade de consumo.

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Ambiente convidativo na seção infantil da biblioteca pública de Kensington em Vancouver. Parte da rotina dos pequenos e grandes | Foto: Arquivo pessoal

As bibliotecas ainda oferecem clubes de leitura, contação de história para crianças e cursos para uso da informação. Frequentemente estes espaços estão associados aos centros comunitários, que reúnem piscina, pista de patinação de gelo, salas de musculação e atividades físicas em geral, salas de culinária, cantinas e parques, o que eleva a qualidade do convívio social e promove qualidade de vida.

Nas escolas públicas (32 no total), a biblioteca faz parte do calendário de atividades das crianças, sempre com renovação na coleção, campanhas de doações de livros, belas vitrines que sugerem novas leituras ou desafios que motivam os pequenos a explorar o espaço. O bibliotecário(a) atua como especialista de livros, contando histórias, fazendo conexões com outras obras, autores e ilustradores.


Uma biblioteca que nunca fecha

Há cerca de cinco anos a biblioteca Bennett da Simon Fraser University, onde realizo minha pesquisa, recebeu uma demanda da Associação de estudantes para estender os horários de funcionamento. Desde então, 4 vezes por ano, durante 4 ou 5 semanas, a biblioteca fica aberta 24 por 7, o que quer dizer 24 horas durante os 7 dias da semana! Nos outros períodos o horário volta das 8 da manhã às 10 da noite, às vezes chegando às 23h45.

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Fachada e espaços de convívio e uso da biblioteca Bennett da Simon Fraser University, campus Burnaby. Fotos: Bennett Library/SFU

Conversei com Scott Mackenzie, diretor de serviços de acesso da biblioteca Bennett, localizada no campus principal da SFU, em Burnaby. Ele afirma que o uso da biblioteca madrugada adentro é bastante popular, sobretudo em períodos que antecedem os exames e trabalhos de fim de semestre. Neste espaço os alunos notívagos podem usar os computadores, scanners, copiadoras, além de emprestar laptops, projetores, os populares carregadores de celular, fones e microfones, sem custo. De madrugada há registros de cerca de mil visitas, entre entradas e saídas, com maior fluxo até às 2 da madrugada e a partir das 5 da manhã.

Para o empréstimo, enquanto alunos podem permanecer até três semanas com os livros, funcionários, pesquisadores e professores podem ficar com as obras por um semestre inteiro, sobretudo considerando o uso por períodos mais longos em projetos de pesquisa ou no preparo de aulas.

Scott informa que as estatísticas mostram uma queda anual progressiva nos empréstimos de livros. “No entanto, a biblioteca passou a ser um lugar de convívio social dos estudantes”, conclui Mackenzie. Ele lembra que há espaços na biblioteca, longe das coleções, onde os estudantes podem consumir alimentos. “Há quem encomende comida por meio de delivery”, lembra.

Dois guardas ficam responsáveis pela segurança do campus, mas saber que a biblioteca é o local que concentra as atividades facilita a vigilância. Aqui não há desculpas para a não dedicação aos estudos. O funcionamento 24 horas não é exclusividade da SFU. Na cidade,  a Universidade de British Columbia (UBC) reservou parte do espaço de sua biblioteca para ficar permanentemente aberto, sem que toda a área precise ficar aberta, como ocorre nos seis andares da Biblioteca Bennett da SFU. Pelo Canadá também há outros exemplos, sobretudo em período de exames, como as universidades de Toronto, McGuill e York.

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“Corujão” da biblioteca da SFU Foto: Bennett Library/SFU

Se, por um lado, a oferta de aberta 24/7 promove oportunidade - mesmo que a última - para os estudantes se dedicarem aos estudos ou finalizarem trabalhos, há questionamentos (Leia matéria no jornal inglês The Guardian <https://www.theguardian.com/education/2013/mar/12/24-hour-library-people>) sobre o hábito pouco saudável de trabalhar de madrugada ao invés de educar os alunos a  planejarem seu horário de estudos, mas há diferentes usos do espaço, e apenas uma porção pequena dos estudantes (menos de 10% dos cerca de 20 mil estudantes na SFU-Burnaby).

É fato que trabalhar de noite, para muitos, além de ser mais produtivo, tem a vantagem de ser mais silencioso e menos movimentado. Quantas noites mal dormidas atravessei as madrugadas estudando para as provas ou finalizando os trabalhos de meu curso de biologia. Certamente, eu seria um desses usuários no horário Corujão.

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