Edição nº 674

Jornal da Unicamp

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Campinas, 07 de novembro de 2016 a 20 de novembro de 2016 – ANO 2016 – Nº 674

Tese analisa impactos de chuvas extremas na RMC

Pesquisadora reuniu dados do período compreendido entre 1970 e 2009

As consequências associadas às chuvas extremas nas cidades devem ser analisadas de acordo com uma rede que envolve não só fatores físicos e climáticos, mas também sociais, mostram os dados levantados na tese de doutorado “Extremos de Chuva na Região Metropolitana de Campinas (SP): Impactos, Análise Socioeconômica e Políticas Públicas”, defendida por Marina Sória Castellano no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, com orientação de Lucí Hidalgo Nunes.

Foram coletados dados associados às chuvas extremas – entendidas como aquelas que se distanciam das condições habituais de uma série histórica – dos municípios que compõem a Região Metropolitana de Campinas (RMC) entre 1970 e 2009, com exceção da cidade de Morungaba, que só foi incluído na região em 2014. Os efeitos adversos das chuvas foram levantados em 92 jornais e na Defesa Civil de Campinas, a única a registrar ocorrências para o período.

Após a confecção de um banco de dados inédito sobre os impactos ocasionados por chuvas extremas na RMC, estes foram separados em grupos, entre eles: desabrigados, imóveis invadidos pela água, vias invadidas pela água, feridos e mortos. Os dois primeiros compõem o maior número de ocorrências: 10,1 mil e 7,9 mil, respectivamente, em toda a região.

Em relação ao total de casos, houve aumento considerável ao longo do tempo, em especial nas duas últimas décadas, tendo, nos anos de 2000, o período com maior quantidade de ocorrências. “Tal aumento pode ter se dado em razão de três fatores: o crescimento populacional e da mancha urbana da RMC, uma vez que a existência do meio urbano é algo artificial e, portanto, traz uma série de alterações no ambiente natural que podem contribuir com o aumento das ocorrências; a fonte de dados, pois edições mais antigas de alguns jornais consultados apresentaram falhas e o maior acesso a tecnologias (como os celulares) em anos mais recentes, que facilitam o registro das ocorrências” afirma a autora.

Campinas ficou em primeiro lugar como a cidade mais atingida em todos os impactos considerados, seguida por Sumaré e Americana. As menos afetadas foram Arthur Nogueira, Holambra e Monte Mor.

Apesar do grande número de casos nos 40 anos analisados, Campinas apresentou sensível melhora entre as décadas de 1990 e 2000, possivelmente, de acordo com a tese, por conta da atuação da Defesa Civil da cidade: “O órgão foi organizado de maneira mais bem estruturada nos anos de 1990, o que pode ter contribuído com a diminuição de casos nos anos 2000, diferente da tendência observada nas Defesas Civis dos outros municípios, que se estruturaram mais recentemente – grande parte, no fim da década de 2000” afirma a autora.

O levantamento apontou também que volumes maiores de chuva não necessariamente causaram mais impactos nos municípios considerados. “Nenhum posto pluviométrico analisado na pesquisa apresentou forte correlação entre a chuva e a quantidade de ocorrências”, disse Castellano, explicando que foi realizada uma análise estatística de correlação linear simples entre milímetros de chuva e total de eventos. “Isso pode ser um indicativo de que o fator físico – ilustrado pelas chuvas extremas – é um deflagrador, como um estopim para que os problemas começassem, e não um causador de transtornos à sociedade”. Outros fatores sociais poderiam, portanto, influenciar a magnitude das consequências de um episódio excepcional: “Incluindo a vulnerabilidade da população atingida, a forma de ocupação urbana que se tem atualmente em grandes cidades, o alto grau de impermeabilização do solo e retirada de áreas verdes”.

Vulnerabilidade
A tese teve como base o IVS (Índice de Vulnerabilidade Social) disponível no Atlas da Vulnerabilidade Social do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas). As ocorrências foram separadas por áreas denominadas Unidades de Desenvolvimento Humano (UDH), definidas com base no censo do IBGE. O mapeamento foi realizado apenas para as décadas de 1990 e 2000.

De maneira geral, na década de 2000, mais ocorrências foram registradas em áreas consideradas de baixa ou muito baixa vulnerabilidade, tendência que destoa de grande parte das pesquisas que tratam do tema. “Isso ocorreu em virtude de os índices de vulnerabilidade terem melhorado consideravelmente da década de 1990 à década de 2000, em razão de políticas públicas que tinham como intuito a diminuição da desigualdade social, como o Programa Bolsa Família, por exemplo”, disse a pesquisadora.

A despeito disso, foram encontrados alguns bairros de alta vulnerabilidade que tiveram muitas ocorrências ou apresentaram aumento considerável na quantidade de casos da década de 1990 para a década de 2000. Entre eles, a Rua Moscou (área que se destacou no contexto regional), no Jardim São Quirino; o Jardim São Marcos, o Jardim Paraíso de Viracopos, em Campinas; o Bairro Itaici e o Jardim Oliveira Camargo, em Indaiatuba; Jardim São Domingos, Jardim Basilicata e Jardim Picerno, em Sumaré.

Planejamento urbano
A pesquisa também buscou entender a relação entre os desastres causados pelas chuvas e o planejamento urbano. A pesquisa mostrou que a existência, ou mesmo a qualidade, das leis de planejamento urbano não influenciou as ocorrências relacionadas às chuvas extremas em algumas cidades da RMC.

 “Foram analisados os Planos Diretores de Campinas, Sumaré e Artur Nogueira”, disse a pesquisadora. “Isso porque foram municípios com comportamentos distintos: Artur Nogueira foi o que teve menor quantidade de ocorrências no período, e Campinas e Sumaré tiveram maior quantidade de casos”. Castellano aponta que “há grande discrepância entre a teoria, representada pela existência dos planos e legislações, e a prática, na qual as ocorrências calamitosas de fato se dão”.

“A presença de legislações relacionadas ao planejamento urbano não amenizou os impactos associados às chuvas”, aponta ela. “Enquanto Artur Nogueira teve um Plano Diretor mal elaborado, na prática, o município apresentou poucas ocorrências; já Campinas teve os Planos Diretores mais bem feitos, ainda assim foi o município com maior quantidade de casos”.

A aparente contradição “está associada à complexidade que a questão das chuvas e de suas consequências traz ao meio urbano”, explica a pesquisadora. “As chuvas e seus efeitos estão relacionados a uma série de outros fatores de ordem social, política e financeira, sendo a especulação imobiliária um caso exemplar. Assim, os municípios mantiveram suas dinâmicas, independentemente da existência de legislações e documentos oficiais”.

Cidades Resilientes
O texto lembra que todos os municípios da RMC têm o certificado de “Cidade Resiliente” emitido pela ONU, “fato que, segundo as Defesas Civis visitadas, deu maior visibilidade e reconhecimento do trabalho desses órgãos, seja pela sociedade, ou pelas próprias prefeituras, além de maior cobrança por parte dos poderes públicos municipais”, escreveu a autora.

“Outro ponto bastante importante e muito citado foi o fato de que, depois do recebimento do certificado, as ações de prevenção foram priorizadas”, aponta a tese. “Segundo a Defesa Civil de Campinas, antes os órgãos eram mais reativos, agindo apenas quando o problema acontecia. Após, houve mudança de visão no sentido de enfatizar a importância da prevenção em relação aos desastres”.

A tese aponta que tratar dos problemas trazidos pelas chuvas deve ser algo pensado além da atuação da Defesa Civil. “O órgão pode se estruturar com funcionários, monitoramento em tempo real, medidas preventivas e sistemas de alerta, mas os impactos associados a precipitações excepcionais fazem parte de uma rede complexa e que tem sua essência no modelo de cidade adotado nos municípios brasileiros”, afirma o texto, elencando algumas características desses modelos: “intenso grau de impermeabilização, carência de áreas verdes, alteração de cursos d´água e o favorecimento aos interesses particulares de determinados grupos, que muitas vezes perpetuam situações de desigualdades sociais e exclusão”.

Além disso, a pesquisa chama atenção para a necessidade de ações focadas na qualidade de vida da população em longo prazo, “fato que muitas vezes é impossível de ser colocado em prática, quando os ciclos políticos se dão a cada quatro anos”, afirma Castellano.

Publicação

Tese: “Extremos de Chuva na Região Metropolitana de Campinas (SP): Impactos, Análise Socioeconômica e Políticas Públicas”
Autora: Marina Sória Castellano
Orientadora: Lucí Hidalgo Nunes
Unidade: Instituto de Geociências (IG)