Edição nº 673

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 24 de outubro de 2016 a 06 de novembro de 2016 – ANO 2016 – Nº 673

Biomaterial libera óxido nítrico


 

Filmes de uma blenda polimérica com potencial para o tratamento tópico de doenças microvasculares como angiopatia diabética, úlceras isquêmicas e síndrome de Reynaud, além de outras que acometem a pele, são os resultados da tese de doutorado do químico Victor Baldim. Sob a orientação do professor Marcelo Ganzarolli de Oliveira, do Instituto de Química (IQ), o autor desenvolveu um biomaterial liberador de óxido nítrico (NO), cuja produção deficiente pelo corpo humano está associada às doenças mencionadas. O material ainda possui a propriedade de ser biodegradável, o que se torna importante no caso de utilização para envolvimento de implantes, por exemplo.

Victor Baldim explica que desenvolveu o biomaterial a partir de uma blenda polimérica entre dois poliésteres, a policaprolactona e um poliéster polinitrosado sintetizado pelo grupo do laboratório de seu orientador. “Blenda vem de blend (mistura) e, em ciência de polímeros, é a combinação de dois ou mais polímeros para se chegar a um novo material com propriedades que não se pode obter de um polímero único. Neste trabalho foram visadas aplicações na área biomédica, mas blendas são empregadas em diversas áreas, como na indústria automobilística.”

Segundo o pesquisador, o grupo do professor Marcelo Ganzarolli de Oliveira já trabalha há bom tempo com materiais doadores de óxido nítrico e, a cada ano, é dado um passo adiante no desenvolvimento de biomateriais mais complexos e pertinentes a aplicações biomédicas. “No laboratório já era preparado o poliéster polinitrosado, que armazena NO na forma da função orgânica S-nitrosotiol; mas que também possui uma propriedade físico-química inconveniente para o desenvolvimento de filmes, que é a de se apresentar em estado líquido na temperatura ambiente. Como o propósito era preparar um biomaterial sólido, escolhemos para a blenda a policaprolactona, que por apresentar boa resistência e degradação lenta, encaixou-se perfeitamente como matriz para um material sólido a temperatura ambiente.”

Baldim acrescenta que uma característica relevante é que esse material libera NO de maneira localizada. “Para a tese preparei blendas em formato de filme (como um ‘band-aid’) visando causar vasodilatação tópica em humanos. Os filmes foram aplicados por dez minutos na pele saudável do antebraço de voluntários e causaram aumento do fluxo sanguíneo exatamente embaixo da aplicação, onde forma-se um eritema (vermelhidão), que desaparece logo depois da remoção da Blenda.”

A tese traz a informação de que o óxido nítrico atua direta ou indiretamente em uma série de processos fisiológicos e patofisiológicos, como o controle da pressão sanguínea, a agregação plaquetária, a resposta imunitária, a cicatrização cutânea e neurotransmissão, além de exercer uma poderosa ação citostática e citotóxica contra vários agentes patogênicos intracelulares como Trypanosoma cruzi (mal de Chagas), Plasmodium falciparum (malária) e Leishmania (leishmanioses cutânea e visceral). Também atua no câncer, diabetes e doenças neurodegenerativas.

A estratégia de liberação localizada de óxido nítrico, observa o autor da pesquisa, é interessante para o tratamento de uma série de enfermidades que acometem a microcirculação sanguínea. “Trata-se de uma possibilidade ainda não testada, por exemplo, para feridas crônicas de diabetes. Esse material poderia produzir NO de maneira exógena para o fechamento da ferida. Outra possível aplicação tópica está no tratamento da condição de Reynaud, que acomete as extremidades dos dedos, causando dor. O conjunto de resultados da tese sugere que a blenda seria igualmente eficiente no tratamento de doenças infecciosas de pele, como a leishmaniose cutânea, já que o NO possui atividade microbicida.”

Victor Baldim considera viável que esta blenda, em particular, possa recobrir dispositivos implantáveis colocados em contato com o sangue no interior do corpo, como implantes, pinos, parafusos e cateteres. “Depois de executar sua função terapêutica através da liberação de NO, o material não precisa ser removido, pois acaba absorvido pelo corpo. Quando se implanta um stent coronário (que é de metal), ocorre um fenômeno chamado reestenose: o dispositivo é envolvido pelo tecido endotelial do vaso sanguíneo, que tem assim o seu diâmetro interno diminuído. O recobrimento de stents com a blenda tem potencial para diminuir tal efeito.”

De acordo com o pesquisador, uma dificuldade em relação à blenda está em controlar de maneira sistematica a quantidade de óxido nítrico que é liberada. “Eu preparei várias concentrações, cada qual liberando uma quantidade de NO. Para o produto chegar às prateleiras (como dizem), é preciso definir o propósito específico, pois as aplicações são extremamente dependentes da concentração: se for baixa, se obtém um efeito vasodilatador, por exemplo; se for intermediária, o efeito é microbicida; e em alta concentração, o efeito citotóxico.”

O autor adianta que um artigo científico relatando e discutindo os resultados obtidos na tese de doutorado está em fase final de redação, com perspectiva de publicação no início do próximo ano. “Creio que dei minha contribuição ao grupo do professor Marcelo Ganzarolli, que vem investigando essa classe de biomateriais na forma de hidrogéis e filmes para aplicação tópica e revestimentos de cateteres e stents com ações vasodilatadoras, microbicidas, antitrombogênicas, cicatrizantes, etc. Além de desenvolver todo o protocolo desta blenda, participei de experimentos satélites com outros biomateriais doadores de NO.”

Um destes experimentos, recorda Baldim, foi o desenvolvimento de hidrogéis para o tratamento de mucosite e periodontite em modelos animais, em colaboração com o grupo da professora Renata Leitão, na Universidade Federal do Ceará, com resultados que considera expressivos. “No final do doutoramento também obtive uma bolsa sanduíche para pesquisar um novo método utilizando nanopartículas de ouro na detecção amperométrica de S-nitrosotióis em fluídos biológicos, numa colaboração com o professor Fethi Bedioui, da Paris Tech.”

Victor Baldim afirma que no pós-doutoramento continuará a trabalhar na área de interface entre química, física e biologia, no grupo do professor Jean-François Berret, da Université Paris Denis Diderot. “Permanecerei no âmbito da biotecnologia. Usarei técnicas que aprendi durante o doutorado e outras mais para o desenvolvimento de uma estratégia terapêutica nanotecnológica visando atenuar lesões causadas por isquemia-reperfusão decorrente de derrame cerebral ou infarto do miocárdio. A lesão é causada quando o fluxo sanguíneo é normalizado (reperfusão) e instala-se um mecanismo de inflamação crônica, com a produção contínua de radicais livres, dentre os quais o NO. Isso traz toda sorte de sequelas para o paciente e até agora não existem estratégicas para atacar o problema de maneira satisfatória."


Publicação

Tese: “Blendas de policaprolactona com poliéster polinitrosado para liberação localizada de óxido nítrico”

Autor: Victor Baldim

Orientador: Marcelo Ganzarolli de Oliveira

Unidade: Instituto de Química (IQ)