Edição nº 662

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 04 de julho de 2016 a 31 de julho de 2016 – ANO 2016 – Nº 662

O DESASTRE (sempre) está em curso


(Continuação da página 7) 

O maior desastre ambiental do País trouxe à tona diversas outras ameaças ao meio ambiente existentes no Brasil, entre as quais a falta de fiscalização das barragens de mineração, a prática irregular da atividade mineradora ao longo dos rios, - que dentre uma série de impactos, polui os cursos d’água com metais pesados - e, finalmente, a ausência de políticas públicas de segurança.

A lama de rejeitos da barragem de Fundão deixou rastros de destruição em áreas de preservação permanente, alterou os cursos d’água dos rios Gualaxo do Norte, Carmo e Doce, causou a mortandade de organismos aquáticos, devastou fauna e flora, interferiu até em ecossistemas marinhos, e ainda deixa incertezas de até quando haverá seus reflexos na natureza.

Até hoje, os milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério que restaram na região do rompimento continuam escoando, para além da grande quantidade de lama que está nas margens e afluentes da bacia do Rio Doce, que com as chuvas é transportada aos cursos d’água. Ou seja, o desastre ambiental não cessou. A Samarco construiu diques de contenção, mas eles já estão com suas capacidades de armazenamento esgotadas. Agora, há uma corrida contra o tempo para conter esses rejeitos antes do início da estação chuvosa, que começa no final de setembro.

O professor André Cordeiro Alves dos Santos, do Departamento de Biologia do Centro de Ciências Humanas e Biológicas da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), analisa: “Com certeza, se tivesse ocorrido em outro local, sem tanta ocupação e sem as mortes que provocou, acho que não seria nem notícia”, afirma, enfatizando que já ocorreram fatos desta natureza mesmo nas regiões Sudeste e Norte do país. “Este não é o primeiro caso de rompimento de barragem de rejeito de mineração no Brasil, nem o primeiro com perdas humanas, mas os outros são praticamente desconhecidos.”

Santos acredita que as questões ambientais não são tratadas porque elas são complexas e com efeito de longo prazo. “É necessário uma discussão mais profunda e com conceitos mais detalhados, que a mídia, de modo geral no Brasil, não consegue nem tem interesse em fazer.”

Os impactos da mineração
Independentemente de ocorrer um desastre proporcional ao rompimento de uma barragem, a mineração em si já causa diversos impactos ambientais. “Toda e qualquer atividade humana causa impacto ambiental”, afirma o docente Ricardo Perobelli Borba, do Departamento de Geologia e Recursos Naturais da Unicamp.

“As transformações ambientais promovidas pela mineração estão relacionadas aos grandes volumes de rochas, solos e água que precisam ser mobilizados em suas operações. Nas minerações superficiais, frequentemente, há a alteração da paisagem, a construção de barragens e a disposição de rejeitos. Ao transformar o seu entorno, a mineração também acaba afetando a biota local, os rios e a atmosfera em diferentes graus, a depender do tipo de minério que está sendo lavrado”, explica.

Borba lembra que a mineração só existe em razão das demandas de matérias-primas da nossa sociedade e seu modo de vida, e enfatiza: “A mineração é uma atividade essencial para o Brasil”. Mas lembra que muitos problemas podem ser evitados se a legislação existente for cumprida à risca, além de sempre haver oportunidades de aprimoramento das normas e legislações vigentes.

Sem legislação e
tratamento de esgoto
O município de Mariana, com mais de três séculos e desde seu início amplamente explorado pela mineração, não tem sequer uma legislação ambiental própria que contemple a atividade. O prefeito Duarte Eustáquio Gonçalves Júnior (PPS) afirma: “A mineração na cidade é regida pela lei federal”.

Questionado sobre a necessidade de a cidade apresentar sua própria legislação, afirma que seria uma garantia maior, mas lembra: “Hoje nós teríamos que fazer um concurso para buscar mão de obra técnica para fiscalizar. Em nosso quadro, não temos alguém que pudesse fiscalizar isso. ”

A cidade também não possui tratamento de água, recurso muito utilizado pela mineradora Samarco para extração do minério de ferro na cidade. O prefeito reconhece que a tragédia colocou em evidência outros problemas já existentes. “Se não tivesse havido mortes, essa tragédia seria extremamente importante para a reconstrução da história de todas as cidades afetadas e todas as histórias das mineradoras. Porque, a partir de agora, vamos pensar a mineração de uma forma diferente. Acredito que só vai poder minerar a seco, sem uso de água”, analisa.

Sobre os impactos ambientais, há controvérsias, por exemplo, sobre a toxicidade da lama e o fato de haver altas concentrações de metais pesados em organismos aquáticos depois da tragédia. De acordo com a Samarco, o rejeito é composto basicamente de água, partículas de óxidos de ferro e sílica (ou quartzo), proveniente do processo de beneficiamento do minério de ferro, reiterando que o rejeito não é tóxico, nem traz riscos à saúde, sendo classificado como inerte e não perigoso pela norma brasileira NBR 10.004.

O professor André Cordeiro Alves dos Santos integra o Grupo Independente de Avaliação do Impacto Ambiental (GIAIA), coletivo científico-cidadão que executa uma análise colaborativa dos impactos ambientais resultantes do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão. Ele e outros componentes do grupo realizaram expedições em diversos pontos percorridos pela lama, desde Mariana até o Oceano Atlântico. Dentre os estudos realizados, as análises da água mostraram altas concentrações de metais como o arsênio e o manganês.

O laudo técnico preliminar do Ibama, publicado em novembro do ano passado, já mostrava que mesmo que os estudos e laudos indiquem que a presença de metais não esteja vinculada diretamente à lama de rejeito da barragem de Fundão - pois além dos garimpos de ouro na região, há atividades de pecuária e agricultura de subsistência, além da presença de atividades de dragagem no rio -, “há de se considerar que a força do volume de rejeito lançado quando do rompimento da barragem provavelmente revolveu e colocou em suspensão os sedimentos de fundo dos cursos d’água afetados, que pelo histórico de uso e relatos na literatura já continham metais pesados”. O relatório diz ainda que possivelmente este revolvimento tornou tais substâncias biodisponíveis na coluna d’água ou na lama ao longo do trajeto alcançado, “sendo a empresa Samarco responsável pelo ocorrido e pela consequente recuperação da área.”

Sobre os riscos de rompimento das outras barragens que restam no complexo, as barragens de Germano e Santarém, a Samarco afirma que suas estruturas se encontram estáveis, sendo monitoradas 24 horas por dia, em tempo real, por meio de radares, câmeras, scanners, drones, medidores de nível d’água, inspeções diárias realizadas pela equipe técnica da empresa, entre outros.

A Samarco
Controlada pela brasileira Vale S.A. e a anglo-australiana BHP Billiton Brasil Ltda., a Samarco atua na produção de pelotas de minério de ferro para a indústria siderúrgica, com unidades nos municípios de Mariana (MG) e Anchieta (ES). Responsável pelo maior desastre ambiental do país, que causou a morte de 19 pessoas (uma ainda não encontrada), a empresa divide opiniões na cidade de Mariana, que é quase totalmente dependente da atividade mineradora, responsável por mais de 80% da arrecadação municipal e por mais de 2 mil empregos diretos.

Um acordo estabelecido no dia 2 de março entre a Samarco, suas acionistas, Vale e BHP Billiton, e os governos Federal e dos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, homologado no dia 5 de maio pela Justiça, prevê uma série de ações concentradas em dois eixos: socioambiental e socioeconômico. Além das ações compensatórias, com disponibilização de recursos financeiros para obras emergenciais nos municípios afetados, pagamento de multas, ressarcimentos e indenizações aos desabrigados, a mineradora ficou responsável pela reconstrução dos distritos atingidos pela lama, com prazo para a entrega das obras até 2019.


 

Moradores escolhem o novo Bento Rodrigues
Em 7 de maio, os representantes das 226 famílias que viviam em Bento Rodrigues foram às urnas para escolher o local onde a comunidade seria reconstruída. Com 92% dos votos, Lavoura foi o local escolhido para receber o novo Bento Rodrigues. Localizada na rota da Estrada Real, a cerca de 8 quilômetros de Mariana, Lavoura parece atender às principais exigências dos atingidos, sobretudo no que diz respeito à proximidade do antigo subdistrito: 9 quilômetros. Com uma área de 350 hectares, boa oferta hídrica e solo de qualidade para o plantio e criação de animais, o terreno apresenta também facilidade de acesso ao transporte público.

Além de Bento Rodrigues, outras duas comunidades serão reconstruídas em locais a serem definidos pelas famílias desabrigadas – Paracatu de Baixo, subdistrito de Mariana, e Gesteira, subdistrito de Barra Longa. Segundo informações da página oficial da empresa, a votação para escolha do local de Paracatu acontecerá no início de julho. Para Gesteira, a votação aconteceu no dia 25 de junho e o terreno escolhido foi “Macacos”, com 95% dos votos.

A Samarco anunciou no dia 20 de junho que também atuará na recuperação de espaços rurais atingidos pelo rompimento da barragem. Segundo a empresa, 278 propriedades estão sendo assistidas pelo Programa de Retomada de Atividades Agropecuárias, previsto no acordo homologado em maio. O objetivo é oferecer condições para que as propriedades afetadas voltem a produzir como antes da tragédia.

(Continua na página 9)