Edição nº 655

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 09 de maio de 2016 a 15 de maio de 2016 – ANO 2016 – Nº 655

O itinerário da coleção de Maurício de Nassau


No notável livro De Olinda a Holanda: O gabinete de curiosidades de Nassau, Mariana Françozo traça com competência a formação da coleção organizada pelo conde João Maurício de Nassau-Siegen (1604-1679) durante período em que foi governador do Brasil holandês, entre 1637 e 1644.

A pesquisa se deu dos dois lados do Atlântico, o que faz dela um estudo inédito na abordagem do tema referente ao período nassoviano no Brasil e seu retorno aos Países Baixos. A obra trata da análise dessa coleção, do seu valor simbólico e significado como conjunto e de suas ligações com a cultura visual neerlandesa no período Moderno, tangenciando, ainda, a produção e a circulação de conhecimentos e de saberes que se fizeram sobre a América na Europa durante o século XVII.

Estudo primorosamente elaborado no doutorado em Ciências Sociais da Unicamp, sob a orientação de John Manuel Monteiro, sua autora conduz o leitor com propriedade e fluência narrativa a conhecer a formação, a circulação e a dispersão dessa coleção de objetos. Por que o conde alemão teria tido interesse em montar um conjunto composto quase que exclusivamente de objetos sul-americanos? Qual o sentido de levar esse conjunto de volta para os Países Baixos, para, em seguida, desfazer-se dele? São questões que norteiam o trabalho. No caminho para responder a essas problematizações, Françozo apresenta um cenário amplo a respeito do debate científico europeu no período Moderno; o impulso editorial nos Países Baixos, ao qual ela denomina de “revolução editorial”; as rotas marítimas comerciais no Atlântico; a importância das viagens para a prática colecionista, além de descrições preciosas do estabelecimento de Nassau e sua comitiva no Brasil e da construção do palácio e jardim de Vrijburg. Aspectos da História Natural e descrições da natureza tropical são também privilegiados na pesquisa.

Sílvia Lara, no prefácio do livro, enfoca como a autora mostra que o hábito de colecionar não era fruto de alguma característica particular de Nassau, mas sim um hábito comum a nobres e burgueses europeus. Colecionava-se para estudar ou para mostrar. Colecionava-se na busca de prestígio e de distinção social. O ineditismo e a singularidade da obra, contudo, se fazem pela abordagem primorosa da cultura material ao dar visibilidade à produção e à circulação de saberes, pessoas, objetos e artefatos culturais entre a América Portuguesa e os Países Baixos.

Destacamos, ainda, o ineditismo das fontes documentais com as quais a autora interagiu e trouxe à luz em países como a Holanda, a Alemanha e a Dinamarca. O resultado é uma amálgama de conceitos e de metodologias de abordagens dos campos de conhecimento da antropologia e da história, entre os quais a pesquisadora transita com facilidade.

Organizado em quatro capítulos e um epílogo, além da apresentação de Heloísa Pontes e o prefácio de Sílvia Lara, o livro tem na capa uma imagem emblemática. É o Retrato póstumo de Mary Stuart I, pintura do neerlandês Adriaen Hanneman feita em 1664. Na imagem, Mary Stuart veste um belo manto de penas vermelhas e amarelas. Na cabeça, usa um turbante feito de penas vermelhas de avestruz. A nobre europeia se fantasiou de indígena americana usando o manto e o turbante constantes da coleção de Nassau e aparece em dois quadros pintados por Hanneman usando idêntica indumentária, inusitada para aqueles círculos. O ornato plumário teria manufatura controversa, apesar da presunção de sua origem no Brasil durante ocupação holandesa. A doação de artefatos de penas faria parte de uma estratégia indígena de aliança com os holandeses no nordeste da colônia. Ao retornar à Europa, o manto percorreu grupos sociais demarcados, assim como aconteceu com outros itens da coleção. A circulação dos objetos colecionáveis introduzia o mundo não europeu na Europa, ressignificando os seus usos e interpretações. A exposição do trânsito e das permutas desses objetos tornou visíveis práticas sociais, laços comerciais, pessoais e de poder que foram se constituindo nesses itinerários.

Ao final, o livro oferece 44 ilustrações coloridas pouco veiculadas no Brasil, como aquarelas de Georg Markgraf, pinturas de Albert Eckhout, frontispício da Historia Naturalis Brasiliae, xilogravuras e aquarelas representando os índios brasileiros e fotografias de objetos e mobiliários que pertenceram à coleção de Nassau.

De Olinda a Holanda é estudo acurado, habilmente redigido, que merece leitura atenta e contempla públicos distintos dos campos das ciências humanas e os amantes das artes e das ciências como um todo.



Cristiane Maria Magalhães,
mestre em História pela UFMG, doutora em História pela Unicamp, pesquisadora independente e palestrante nas áreas de patrimônio cultural e de jardins históricos.

 



Serviço

Título: De Olinda a Holanda: O gabinete de curiosidades de Nassau
Autora: Mariana de Campos Françozo
Páginas: 288 páginas
Área de interesse: História e Antropologia
Preço: R$ 60,00
Editora da Unicamp
www.editoraunicamp.com.br