Edição nº 649

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 11 de março de 2016 a 20 de março de 2016 – ANO 2016 – Nº 649

Jogando luz na física para crianças


Quando uma criança de apenas quatro anos afirma categórica que “luz é energia” o que a professora faz? Em primeiro lugar ela escuta, depois questiona: energia de onde? Que tipo de energia? O educador ouve as crianças para então mediar o processo de aprendizagem. Essa atenção, muitas vezes rara nas escolas, foi fundamental para o desenvolvimento do projeto “Brincando com a Luz” com crianças de 3 a 5 anos do Centro de Educação Infantil Nair Valente da Cunha, no bairro Jardim Santa Lúcia, em Campinas. A professora Karina Calça Mandaji, que trabalha na rede municipal de ensino, tinha como objetivo apresentar conceitos de física para os pequenos. O projeto fez parte de sua dissertação de mestrado, apresentada na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp.

“O projeto nasceu de uma inquietação de como as professoras de educação infantil ensinam ciências, geralmente trabalhando apenas alguns conceitos de biologia e geometria.” Percebendo a lacuna, a professora decidiu que levaria para os alunos conceitos de ótica geométrica, mas de outra maneira.

O projeto “Brincando com a luz”, no qual a autora da pesquisa se baseou, foi originalmente proposto pelo professor Fernando Jorge da Paixão Filho, do Instituto de Física (IFGW) da Unicamp, seu coorientador, e é direcionado para professores. Neste projeto há um conjunto de atividades previamente formuladas. A pesquisa modificou parcialmente as atividades ou acrescentou outras, buscando atender melhor os interesses e envolvimento das crianças.

Foram elaboradas onze atividades, que envolveram os conceitos do que é luz; o movimento da luz; a sombra; a reflexão da luz; a visão; projeções espaciais e perspectiva. Karina elaborou um diário de campo, gravou áudios e vídeos das crianças realizando as atividades e discutindo coletivamente. Cada atividade foi também registrada pelas crianças com desenhos que compuseram um livro do projeto.

Trabalhar os fenômenos da luz já é parte do currículo da educação infantil, está no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), de acordo com Karina. O problema é que não há quase material pedagógico ou mesmo pesquisas voltadas para esse período escolar.

A turma de 25 crianças começou a refletir e debater. A primeira dificuldade que Karina observou foi que as crianças não conseguiam explicar o fenômeno da luz e estabelecer relações. Em uma das atividades ela teve a ideia de montar uma cabana escura na sala. “Eles sugeriram uma lanterna para iluminar dentro da cabana e assim traçamos um objetivo que era descobrir o tema de um desenho colocado dentro da cabana”.

Desse modo, com uma brincadeira muito simples, a professora conseguiu mostrar que a luz tinha que ser direcionada ao objeto, e que isso dependia de um ângulo. “As crianças foram entendendo que a luz se espalha, que há a absorção da luz, fontes de luz, mas com outras palavras”. Pratos foram usados para explicar conceitos de opacidade e transparência e um projetor serviu para as atividades de sombras.

Argumentação

Uma preocupação da pesquisa foi analisar se as crianças argumentavam de fato ou apenas lançavam informações.  Observando e mediando as conversas, Karina conseguiu que as crianças começassem a ouvir melhor para depois elaborarem suas respostas aos questionamentos. “O professor tem papel fundamental na argumentação em sala de aula e deve intervir dando oportunidades aos alunos para que argumentem sobre a problemática apresentada”.

Com o tempo as crianças avançaram. Suas hipóteses foram submetidas à prova, fazendo com que adquirissem novas práticas de linguagem através da argumentação. “Construir argumentos é um ato social de mediação de ideias e conhecimento, é uma habilidade aprendida. É importante que o professor pense em atividades e contextos que permitam a argumentação das crianças. Ele cria a polêmica através dos problemas propostos, conduzindo a resposta da turma a interesses específicos”.

As crianças ficaram mais atentas e questionadoras, acentuou a autora. “Elas terão mais facilidade para aprender ciência, uma vez que já têm os conceitos base”. Karina também percebeu uma mudança nos alunos, que agora já conseguem, segundo ela, estabelecer relações nas ciências e argumentar. “Esse incentivo contribui para que elas passem a identificar padrões, discriminar dados e construir hipóteses”, afirma a autora.

Nas considerações finais da dissertação Karina complementa que ela também mudou com o desenvolvimento do projeto. “Aprendi a atentar-me para as falas dos alunos, compreender que nem tudo que eu considero interessante desperta o interesse das crianças”.

Publicação 

Dissertação: “Projeto ‘Brincando com a luz’ na Educação Infantil”
Autora: Karina Calça Mandaji
Orientador: Jorge Megid Neto
Unidade: Faculdade de Educação (FE)