Edição nº 629

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 22 de junho de 2015 a 28 de junho de 2015 – ANO 2015 – Nº 629

Tese analisa reconfiguração
do mercado de trabalho no Brasil

Autor de estudo desenvolvido no IE vê avanços no período de 2004 a 2014

Justamente no momento em que são anunciadas medidas econômicas embutindo o risco de maior deterioração do mercado de trabalho brasileiro, Tiago Oliveira, economista do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), apresenta tese de doutorado discutindo os avanços observados neste mercado no período de 2004 a 2014, quais sejam: queda do desemprego, aumento do emprego formal, crescimento real dos salários e melhora da distribuição de renda. Orientado pelo professor Marcelo Proni, o autor defendeu a tese em 27 de fevereiro, no Instituto de Economia (IE) da Unicamp.

O economista Tiago de Oliveira, autor da pesquisa: relacionando avanços a um novo padrão de desenvolvimentoTiago Oliveira relaciona estes avanços a um novo padrão de desenvolvimento gestado na última década, que denomina “social-desenvolvimentismo”, evidenciando que a estratégia de crescimento neoliberal não é adequada para lidar com os problemas estruturais do mercado de trabalho em economias subdesenvolvidas. “Concluo a tese chamando atenção para as mudanças na política econômica iniciadas no final de 2014 e que prosseguem ao longo deste ano, vendo-as com preocupação porque indicam possíveis rupturas no padrão que diagnostiquei para o período estudado. Aquelas conquistas podem estar em xeque a partir de agora.”

O economista ressalta, contudo, que sua preocupação maior na tese foi refletir acerca do processo de reconfiguração do mercado de trabalho que se iniciou em 2004, visto que antes ele era marcado pelo desemprego estrutural, acentuada heterogeneidade produtiva, alta rotatividade e baixos salários. “Percebemos um início de reversão de algumas destas características, que vai se tornar bem mais visível a partir de 2006, tendo como mudanças principais uma redução significativa das taxas de desemprego; um avanço do assalariamento, em particular com carteira assinada; um aumento real do rendimento do trabalho e, ao mesmo tempo, uma diminuição da desigualdade na sua distribuição.”

O pesquisador recorda que o social-desenvolvimentismo emerge no contexto de fragilização do modelo de crescimento neoliberal, no início dos anos 2000. “Pelo modelo neoliberal, era preciso ampliar a abertura comercial e estabilizar os preços para que, a partir de fundamentos macroeconômicos mais sólidos, a economia voltasse a crescer como há tempos – e o avanço do mercado de trabalho seria decorrência deste processo. Ocorre que os resultados prometidos com as reformas liberais foram amplamente frustrados, registrando-se, ao contrário, taxas elevadas de desemprego e desigualdade de renda.”

Segundo Tiago Oliveira, esta frustração e uma mudança significativa no cenário internacional – que se tornou bastante favorável à economia brasileira por conta do aumento dos preços das commodities e da demanda por outros produtos exportados pelo país – ofereceram as bases econômicas e políticas para gestação do novo padrão de desenvolvimento. “O social-desenvolvimentismo procura, basicamente, acentuar três motores do desenvolvimento: o mercado interno de consumo, o aproveitamento dos recursos naturais e os investimentos em infraestrutura.”

O autor da tese explica que procurou estudar particularmente a questão do mercado interno de consumo, por dizer mais respeito ao mercado de trabalho. “Há um grande contraste com o modelo neoliberal, em que o mercado de trabalho é visto como passivo: não deve criar obstáculos para a competitividade da economia brasileira no mercado internacional, não deve gerar pressões inflacionárias e, para isso, o salário deve andar sempre abaixo do ganho de produtividade. No padrão social-desenvolvimentista, o mercado de trabalho tem papel muito mais fundamental, como pilar do mercado interno de consumo.”

Na visão do pesquisador, os problemas de um mercado de trabalho subdesenvolvido são o desemprego estrutural e uma informalidade persistente, os baixos salários e a elevada desigualdade de rendimentos, e a alta rotatividade no emprego. “São desafios dos quais o modelo de crescimento neoliberal não dá conta, pois sua preocupação central é a estabilidade da moeda, sinalizando aos agentes privados onde alocar os recursos produtivos de maneira eficiente – qualquer medida que desestabilize a moeda gera ineficiência. Para os neoliberais, o desenvolvimento econômico se confunde com a questão da estabilização.”

O economista do Dieese acrescenta que, ao Estado, o modelo neoliberal atribui uma gestão macroeconômica responsável para que os investimentos aconteçam e, assim, a economia cresça, com consequente avanço do mercado de trabalho. “Nesse sentido, os problemas do mercado de trabalho seriam fundamentalmente endógenos: se temos desemprego elevado, o problema está nas leis trabalhistas; e se a rotatividade é alta, idem. Já pelo padrão social-desenvolvimentista, é preciso um conjunto articulado de políticas públicas, como a industrial-tecnológica, tributária, salarial e social para que esses problemas sejam minimamente enfrentados e, com isso, o mercado de trabalho possa ser melhor estruturado.”

 

grafico representado a taxa de desocupacao e o crescimento do pibDADOS COMPARATIVOS

Tiago Oliveira recorreu aos dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) para demonstrar, primeiramente, a queda do desemprego na década de 2004 a 2014. “A taxa de desocupação da população economicamente ativa era de 9,7% em 2003, último ano antes do início deste período mais virtuoso que abordo em meu trabalho. Temos então um movimento de queda seguido de alta da taxa de desocupação, em sintonia com o comportamento do PIB. A queda se dará de forma mais consistente a partir de 2006, descendo a 7,2% em 2008.”

De acordo com o pesquisador, a crise internacional de 2009 provocou um aumento do desemprego para 8,3%, mas medidas anticíclicas que considera exitosas, tomadas no mesmo ano, fizeram com que o PIB brasileiro crescesse consideravelmente em 2010. “A taxa de desocupação voltou a cair e chegou ao ponto mais baixo em 2012, a 6.2%; em 2013, ano da última PNAD, houve uma elevação pouco significativa, a 6,5%. Tomando-se os dois extremos, temos uma queda expressiva de 9,7% em 2003 para 6,5% em 2013.”

grafico representado a criacao media anual de empregos no perido de 1995 a 2013Além das PNADs, válidas para todo o país, o autor recorreu à Pesquisa Mensal de Emprego (PME), também do IBGE e que se restringe às regiões metropolitanas, mas com dados até 2014. “Pela PME, mesmo depois da eclosão da crise internacional, saímos de algo em torno de 9% de desemprego em 2009 para 4,3% em 2014, ou seja, para menos da metade. Um ponto que explica a taxa mais baixa na década estudada como um todo é a recuperação do crescimento econômico, sobretudo entre 2004 e 2008, atingindo um patamar elevado para a economia brasileira, ainda mais em comparação com os anos 80 e 90.”

Tão expressivo quanto a queda da taxa de desemprego, na avaliação de Tiago Oliveira, é o aumento do emprego formal (com carteira assinada) no período de 1995 a 2013, que ele dividiu em quatro subperíodos. “De 1995 a 99, a média de ingresso no emprego formal foi de 275 mil pessoas ao ano; de 2000 a 2003, passou-se a 1,1 milhão; de 2004 a 2011, foram 2,1 milhões de postos gerados, numa aceleração considerável; e em 2012 e 2013, houve uma desaceleração para 1,3 milhão, mas mantendo um alto patamar. O ritmo era bem mais comedido na segunda metade dos anos 90.”

grafico representando a evolucao do rendimento medio mensal real dos ocupados de 2001 a 2013O pesquisador considera igualmente expressivo o crescimento real dos salários, atribuindo o devido peso à política de valorização do salário mínimo acordada entre o governo federal e as centrais sindicais em 2004. “Conforme a PNAD, o rendimento médio mensal dos ocupados estava em R$ 1.171 em 2003, aumentando continuamente a partir de 2005, até R$ 1.673 em 2013. Também houve diminuição importante na desigualdade de renda, segundo o Índice de Gini: considerando o índice mais próximo de 1 como de maior desigualdade, e o mais próximo de zero como de menor desigualdade, ele caiu de 0,553 em 2003 para 0,494 em 2013, mostrando que está melhorando a distribuição de renda na sociedade brasileira.”

 

RECONFIGURAÇÃO EM CURSO

A questão colocada pelo autor entre as conclusões da tese é em que medida as políticas adotadas no final do ano passado – e ora em curso – indicam uma ruptura no padrão de desenvolvimento por ele descrito. “A meu ver, tais medidas vão claramente de encontro à proposta de sustentar um mercado interno pujante, de consumo de massa. Temos uma contenção de gastos acentuada, que vai atuar pró-ciclicamente, ou seja, vai agravar a recessão da economia e, com isso, aumentar a taxa de desemprego.”

Analisando a taxa de desocupação no período pós-crise mundial, o pesquisador atenta que ela se manteve em patamar baixo, mas devido principalmente à diminuição da pressão da população jovem (e também idosa) sobre o mercado de trabalho. “Há uma desaceleração na geração de postos de trabalho, mas insuficiente para aumentar a taxa de desemprego, já que existem menos pessoas procurando trabalho.”

Tiago Oliveira acredita que o aumento da renda média da família permitiu a estes arranjos familiares adiarem a entrada dos jovens no mercado. “Mas a partir do momento em que se faz um reajuste fiscal – que por definição é recessivo, ao diminuir a atividade econômica –, ele impacta na renda real da família, fazendo com que esses jovens, mais cedo ou mais tarde, voltem a procurar trabalho e a taxa de desemprego se eleve. Além do fato, em si, de que a geração de postos diminuirá ainda mais.”

As medidas econômicas adotadas até agora, conclui o autor da tese, apontam para uma deterioração do mercado de trabalho em termos de renda, geração de postos de trabalho e taxa de desemprego, assim como da sua estruturação. “Os números já mostram uma desaceleração do emprego formal, que vinha sendo um dos grandes pilares da economia. Temos ainda o projeto de terceirização irrestrita, que contribuirá para a desestruturação ainda maior do mercado de trabalho. São medidas que apontam para uma ruptura deste período mais virtuoso que tivemos nos últimos dez anos.”

 

Publicação

Tese: “Trabalho e padrão de desenvolvimento: uma reflexão sobre a reconfiguração do mercado de trabalho brasileiro”

Autor: Tiago Oliveira

Orientador: Marcelo Proni

Unidade: Instituto de Economia (IE)