Edição nº 620

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 23 de março de 2015 a 29 de março de 2015 – ANO 2015 – Nº 620

Avanço relativo

Dissertação do IE defende que melhora do emprego
e dos salários não mudou qualitativamente a pobreza no Brasil

Operários encerrando o turno em fábrica de Campinas: qualidade do emprego s segue baixa no país, conforme a pesquisaAs melhorias recentes na situação do emprego e dos salários no Brasil devem ser relativizadas, dado que não foram suficientes para mudar qualitativamente a pobreza no país. A conclusão é da dissertação de mestrado do economista Jaime Ernesto Winter Hughes León, defendida no Instituto de Economia (IE) da Unicamp, sob a orientação do professor Plínio de Arruda Sampaio Jr. De acordo com o trabalho, por terem sido conjunturais e não estruturais, tais avanços não mexeram no quadro de segregação social da população trabalhadora e tampouco foram capazes de romper com a situação de dependência externa brasileira.

O objetivo de León, como revela o título da dissertação [Uma contribuição à crítica da discussão da pobreza no Brasil (2003-2013): qualidade do emprego e do salário], foi oferecer novos elementos à crítica sobre a discussão da pobreza no Brasil, tendo como base a análise da qualidade do emprego e dos salários no país no período considerado. De acordo com o autor do trabalho, a pobreza é um fenômeno multidimensional que tem sido debatido sob diversos pontos de vista. A partir de 2003, explica o economista, surgiu nos meios político e acadêmico a tese, sustentada pelo pensamento social-desenvolvimentista, de que teria ocorrido no país um crescimento econômico acompanhado da homogeneização social.

Segundo o argumento utilizado por essa corrente, teria sido promovida uma reconfiguração da sociedade brasileira a partir do consumo, amplificado pela redução das taxas de juros, pela valorização do salário mínimo e pela redução do desemprego. Os críticos dessa análise, por seu turno, afirmam que esse ponto de inflexão não foi tão significativo assim, pois as causas estruturais da pobreza não foram atacadas pelas medidas contidas na política econômica do governo federal.

León desenvolveu a sua dissertação a partir dessa dicotomia. “Na minha dissertação eu rejeito a caracterização da pobreza como pura insuficiência de renda. O trabalho trata a questão como um brutal desequilíbrio estrutural na relação de forças entre capital e trabalho - portanto uma questão de lutas de classes -, que acaba por determinar certa permanência no padrão de vida dos trabalhadores”, sustenta.

A hipótese que permeia a dissertação, conforme o seu autor, é de que as mudanças ocorridas no mercado de trabalho fazem parte de uma nova rodada conjuntural do ciclo de modernização do padrão de consumo, e não uma mudança estrutural e autossustentada. “A perspectiva teórica que utilizei na minha pesquisa é a da formação nacional. Dois autores foram fundamentais nesse sentido, o economista Celso Furtado e o historiador Caio Prado Júnior. Eles fazem, cada um a seu modo, uma mediação entre a dinâmica do capital e a especificidade da formação social e econômica brasileira, destacando aspectos como a interação entre a questão da terra, do capital internacional e do subdesenvolvimento latino-americano”, justifica.

Segundo Jaime Léon, autor da tese, enquanto problemas estruturais como a  dependência externa e a segregação social não forem atacados, o quadro de pobreza não será significamente alterado no BrasilDe acordo com essa perspectiva, a causa da pobreza do Brasil é estrutural e está diretamente relacionada com a formação do país. “A pobreza vem do período da Colônia, ou seja, é um problema secular. O fenômeno faz parte de uma dupla articulação - dependência externa e segregação social -, cristalizado posteriormente com o golpe militar de 1964. Enquanto essa dupla articulação não for solucionada, o problema da pobreza não será resolvido”, defende Léon. Além disso, continua ele, tanto no mundo desenvolvido como no subdesenvolvido, a geração de riqueza vem acompanhada da criação de pobreza expressa num exército de mão de obra marginalizado do mercado de trabalho.

Para sustentar a sua hipótese, o economista desenvolveu uma pesquisa empírica sobre a qualidade do emprego e dos salários no país entre os anos de 2003 e 2013. León promoveu a comparação entre o salário mínimo nominal ao longo do período tomado para análise e o salário mínimo necessário para proporcionar uma vida digna ao trabalhador, estimado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

O cálculo do Dieese leva em consideração o que está consignado na Constituição de 1988. Segundo a Carta, o salário mínimo necessário é o que assegura à família do trabalhador (mulher e mais dois filhos) condições dignas de vida, o que inclui gastos com transporte, alimentação, moradia, cultura e lazer, entre outros. “Quando fiz a comparação para o mês de janeiro de 2013, o salário necessário calculado pelo Dieese era de R$ 2.675,00, enquanto o salário mínimo nominal era de R$ 678,00. Em outras palavras, o trabalhador precisaria ganhar quatro vezes mais que um salário mínimo para ter garantido o direito constitucional de levar uma vida digna”, pontua o autor da dissertação.

Léon admite que o salário mínimo brasileiro obteve ganhos reais ao longo da década analisada, mas insiste que o rendimento ainda está longe de ser suficiente para assegurar bem-estar ao trabalhador e à sua família. “Vale insistir que a dissertação se propõe a discutir qualidade e não quantidade”. Se comparado à evolução do PIB per capita, acrescenta o economista, o salário mínimo também é “subjugado”. Entre 1940 e 2013, o PIB per capta saltou do patamar de 100 [valor de referência] para 700. Já o salário mínimo experimentou uma redução de 100 para 50,20. Dito de outro modo, piorou drasticamente.

Quanto ao emprego, a pesquisa empírica também demonstrou que o setor não registrou avanços tão significativos quanto a corrente social-desenvolvimentista quer fazer crer. “Embora algumas pesquisas pontuais digam que está tudo uma maravilha, a realidade do mercado de trabalho é bem diferente. O país ainda registra altos índices de subemprego e de informalidade. Além disso, a população economicamente ativa segue bem abaixo do patamar que poderia ser considerado razoável”, garante Léon. Ademais, prossegue o autor da dissertação, os dados oficiais indicam que os empregos gerados nos últimos anos também carecem de qualidade.

Conforme o economista, os números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Emprego revelam que, em 2010, 93,5% dos empregos criados no território nacional pagavam salários na faixa de 0 a 3 salários mínimos. Naquele ano, segundo o Dieese, o trabalhador precisaria ganhar 3,9 vezes mais que o salário mínimo em vigor para ter as suas necessidades mínimas atendidas. “Outro dado que comprova que a questão estrutural do emprego também não foi atacada é que, de 2002 a 2009, o índice de subemprego variou entre 36% e 34%. Ou seja, um grave problema que atinge um terço da população economicamente ativa do país”.

A análise dessas questões, considera Léon, não deixa dúvidas de que o rendimento recebido pela maioria dos trabalhadores brasileiros não corresponde “nem  à vontade política expressa pela burguesia na Constituição”. E reafirma: “As ‘melhorias’ recentes na situação do emprego e dos salários não foram igualmente suficientes para mudar qualitativamente a pobreza no Brasil, pois foram conjunturais e não mexeram na segregação social e na dependência externa. Enquanto esses pontos não forem efetivamente superados, a situação atual tende a seguir sem grandes alterações”.

 

Publicação

Dissertação: “Uma contribuição à crítica da discussão da pobreza no Brasil (2003-2013)”

Autor: Jaime Ernesto Winter Hughes León

Orientador: Plínio de Arruda Sampaio Jr

Unidade: Instituto de Economia (IE)