Edição nº 618

Nesta Edição

1
2
3
4
5
6
8
9
10
11
12

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 09 de março de 2015 a 15 de março de 2015 – ANO 2015 – Nº 618

Pesquisa aponta baixa
capacidade de inovação da indústria nacional

Tese do Instituto de Economia investiga as razões da falta de aptidão tecnológica

O pesquisador Tulio Chiarini

A forma como se iniciou a industrialização brasileira e, depois, como se deu a abertura econômica a partir da década de 90, não favoreceu o desenvolvimento da aptidão tecnológica e da capacidade de inovação nas empresas nacionais, e a transferência de tecnologia, que em vários casos foi uma saída para se incorporar técnicas desenvolvidas fora do país, no atual paradigma tecnológico não tem melhorado o poder inovador das empresas brasileiras, disse ao Jornal da Unicamp o pesquisador Tulio Chiarini, autor da tese de doutorado “Transferência internacional de tecnologia: interpretações e reflexões”, defendida no Instituto de Economia (IE) da Universidade.

Aptidão tecnológica, explicou ele, é o que permite às empresas identificar o valor de novas informações externas, assegurar seu poder de barganha nas negociações de transferência de tecnologia, assimilar o conhecimento transferido e detectar novas oportunidades tecnológicas. “Refere-se às competências, conhecimentos e instituições que compõem a capacidade de uma empresa para criar, gerir e absorver a mudança na tecnologia que utiliza, ou seja, inclui a qualificação do trabalho, os conhecimentos e experiências, estruturas institucionais e redes. Essa aptidão é específica de cada empresa”.

Desse modo, a "aptidão tecnológica nacional" é mais do que a soma dos conhecimentos e habilidades das empresas individuais envolvidas. “O aprendizado está sujeito a sinergias e transbordamentos, decorrentes das interações entre os agentes, assim como de todo o aparato institucional onde eles operam e aprendem”.

História

A tese de Chiarini lembra que países que chegam atrasados a revoluções tecnológicas de impacto comercial costumam adotar estratégias – que podem ir do roubo ao contrabando, passando pela imitação e pela compra de conhecimento e expertise – para ter acesso às novas técnicas, e que essas nações não estão condenadas, necessariamente, ao atraso, sendo os casos de Japão e Coreia do Sul citados como exemplos de sucesso na busca do avanço tecnológico.

“É reconhecido na historiografia que o crescimento acelerado japonês é explicado a partir dos fluxos de conhecimento por meio de uma estrutura econômica mais horizontal, articulando seu Ministério da Indústria e de Comércio Exterior, academia e pesquisa e desenvolvimento (P&D) privado”, explicou o pesquisador. “As políticas japonesas foram projetadas de modo a criar uma relação de complementaridade entre a importação de tecnologias e habilidades estrangeiras e o learning-by-doing (literalmente, ‘aprender fazendo’) local”.

Do mesmo modo a Coreia do Sul, lembra Chiarini, fez esforços “extraordinários” para erradicar o analfabetismo, ampliar a rede de ensino básico e médio e melhorar o ensino superior. “O país foi capaz de desenvolver rapidamente e de forma eficaz uma força de trabalho bem educada e treinada. Ademais, o governo sul-coreano empreendeu políticas ativas de comércio e industriais, responsáveis por estimular o dinamismo tecnológico das indústrias”.

Tanto no caso japonês quanto no sul-coreano, disse o pesquisador, “o processo de desenvolvimento não foi fomentado com políticas de atração de transnacionais, mas com política de fomento ao aprendizado dinâmico doméstico”. Ele acrescenta: “Tanto o Estado japonês quanto o sul-coreano assumiram um papel ativo na implementação da estratégia de industrialização nacional para o seu desenvolvimento”.

Brasil

O Brasil, no entanto, trilhou um caminho diferente. “A baixa aptidão tecnológica das empresas brasileiras é resultante de um processo historicamente construído, ou seja, é algo que faz parte da estrutura econômica brasileira e tem raízes no próprio processo de industrialização, que não foi capaz de criar as condições para a necessária internalização de capacidades inovadoras das empresas nacionais, por diversos motivos”, disse ele.

No período de industrialização por substituição de importações, lembrou Chiarini, as empresas utilizaram o potencial de crescimento do mercado interno, e deram pouca ênfase à capacidade de competir globalmente. “Tal ênfase ‘cristalizou-se’ na cultura industrial brasileira e, até hoje, a inserção internacional da indústria nacional é frágil”, explicou. “Na época, os esforços de tecnologia não estavam direcionados para a melhor fronteira prática, mas para a obtenção de tecnologias a fim de ajustá-las às condições locais”.

“A via de desenvolvimento foi baseada na política de ‘boas vindas’ às transnacionais”, complementou, o que gerou a possibilidade de que as empresas, tanto estrangeiras quanto brasileiras, abrissem mão de se vincular a instituições locais de ciência e tecnologia, já que se apostava nas tecnologias e conhecimentos produzidos fora do Brasil.

“A política de atração de empresas estrangeiras foi possível a partir, entre outras coisas, da proteção do mercado doméstico. Dada a reduzida escala de produção e a instabilidade da demanda do mercado brasileiro no período, era mais oportuno ao produtor nacional acrescentar aos seus custos uma parcela variável adicional – correspondente à importação de tecnologia do estrangeiro – do que realizar gastos de investimento em P&D tecnológico, de elevados custos. Além disso, o tempo gasto na realização de P&D para o atendimento de demandas domésticas poderia implicar perda de mercado interno para empresas que, prontamente, recorressem ao mercado externo, importando tecnologia”.

A falta de concorrência externa livrou a empresa nacional da pressão de inovar constantemente, “o que reflete a relativa baixa tradição inovadora das empresas”, disse Chiarini. “Portanto, determinou-se uma situação caracterizada por produtividade, qualidade e competitividade dos produtos e processos locais inferiores à média mundial”.

De acordo com ele, a industrialização, feita com elevada proteção da economia, não propiciou processos de aprendizado. Na melhor das hipóteses, trouxe um aprendizado apenas parcial. Já a abertura econômica a partir dos anos 90, segundo o pesquisador, foi predatória. “Ela danificou a produção nacional e a ocupação da capacidade já instalada, graças à valorização cambial. Essa abertura ainda trouxe consigo a ideia de que ‘a melhor política industrial é não ter política industrial’, já que foram praticadas ações que levaram a um processo de substituição da produção nacional por importações, mesmo em setores nos quais o país tinha certa competitividade, prejudicando a indústria nacional”.

Preços-chave

A situação brasileira se agrava ainda mais por conta do novo paradigma tecnológico liderado pelas tecnologias de informação e comunicação, e cada vez mais dependente de informação e conhecimento científico. “Com o novo paradigma, o cenário econômico passou a mover-se de modo ainda mais dinâmico e o padrão de industrialização, que fora liderado pelos complexos metalmecânico e químico, passou a ser condicionado pelas novas tecnologias (microeletrônica, informática, telecomunicações, automação), pela busca de novos materiais e energias e pela biotecnologia”, disse Chiarini. “O novo paradigma tecnológico acelerou radicalmente o processo de transformação das formas de organização, concorrência e gestão das empresas transnacionais, e a obsolescência do padrão tecnológico implementado pelos países de industrialização tardia foi uma consequência imediata.”

Nesse paradigma, a produção industrial se dá dentro de uma rede internacional, integrada por diferentes países e empresas, que realizam diferentes etapas da cadeia de produção sob a coordenação de grandes corporações mundiais. “Para as empresas em países em desenvolvimento, a participação em cadeias globais é um meio crucial para obter informação sobre o tipo e qualidade de produtos e tecnologias requeridas por mercados internacionais, e também para ingressar nesses mercados”, explicou o pesquisador. Mas as empresas que aceitam entrar passivamente nesse jogo correm o risco de ficarem aprisionadas nesse papel.

A alternativa seria “entrar nesses mercados com substancial investimento de produtores locais, com apoio de instituições locais, criando vantagens comparativas dinâmicas, construindo e aprofundando as aptidões tecnológicas específicas requeridas para explorar novas oportunidades, a partir do estágio em que se encontra na cadeia de valor”.

Chiarini afirma, baseado em exemplos históricos, que a ampliação do papel do setor público é fundamental para assegurar níveis elevados de investimento, tanto público quanto privado, na infraestrutura econômica. “Em sentido amplo, compreendendo infraestrutura de ciência e tecnologia”, acrescentou. “A reordenação dos preços-chave da economia, como taxas de juros e taxa de câmbio, é fundamental para criar incentivos para investimentos produtivos, inovação e diversificação da produção. O desalinho dos preços-chave gera desincentivos macroeconômicos, constrangimentos estruturais e fraqueza institucional”.

“Não é a transferência de tecnologia que gera a dependência tecnológica, mas uma baixa capacidade local para selecionar, assimilar, adaptar e aperfeiçoar tecnologias importadas, ou seja, baixa aptidão tecnológica”, disse o pesquisador. “Este é o problema brasileiro: importa tecnologias, propicia a entrada de capitais estrangeiros, não consegue se apropriar dos novos conhecimentos e segue procurando no exterior novas tecnologias”.

 

Publicação

Tese: “Transferência internacional de tecnologia: interpretações e reflexões”

Autor: Tulio Chiarini

Orientadora: Ana Lúcia Gonçalves da Silva

Unidade: Instituto de Economia (IE)