Edição nº 613

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 10 de novembro de 2014 a 16 de novembro de 2014 – ANO 2014 – Nº 613

Tese associa condição social à incidência de cáries em jovens

Cirurgiã-dentista examinou 1.179 adolescentes piracicabanos com idade entre 15 e 19 anos

Estudo de doutorado da cirurgiã-dentista Fabiana de Lima Vazquez concluiu que, entre adolescentes moradores da periferia de Piracicaba, prevalece uma grande necessidade de tratamento da cárie e da doença periodontal (infecção bacteriana crônica que afeta as gengivas e o osso que dá suporte aos dentes). A pesquisa apontou um importante impacto na saúde bucal dessas pessoas para as atividades diárias e para sua qualidade de vida. Foram examinados 1.179 adolescentes com idade entre 15 e 19 anos.

A pesquisadora, que realizou a sua tese na Faculdade de Odontologia (FOP) de 2011 a 2014, investigou as doenças bucais (cárie, doença periodontal e má oclusão) que mais acometem os adolescentes e sua associação com variáveis individuais e contextuais.

Além de avaliar a saúde bucal, esses adolescentes receberam orientações e, os que necessitaram de tratamento odontológico, foram encaminhados para as Unidades de Saúde da Família (USF). Eles responderam a questionários socioeconômico, de coesão familiar, de qualidade de vida e de impacto da saúde bucal nas atividades diárias.

A doutoranda verificou nesse trabalho que variáveis socioeconômicas tiveram associação com as doenças bucais. Esta foi inclusive uma das primeiras investigações associando a variável ter “prisioneiro na família” à cárie, assim como aglomerado familiar. Ambos mostraram ser fatores de vulnerabilidade social.

A doença periodontal esteve associada com impacto nas atividades diárias e com áreas que não tinham esgoto doméstico. “Apesar de Piracicaba ter 100% de esgoto e de abastecimento de água, pequenas variações em alguns subúrbios da cidade significam estado de vulnerabilidade, formando áreas de risco social.”

Outro achado da pesquisa, orientada por Antonio Carlos Pereira, docente da FOP, foi que o sexo feminino mostrou maior impacto sociodental em comparação ao sexo masculino. Vários estudos têm feito essa associação, em que as mulheres relatam uma pior qualidade de vida que os homens.

Segundo A.J. Barsky e colaboradores (1994), as mulheres mencionam sintomas corporais mais intensos, mais numerosos e mais frequentes que os homens. Um dos fatores para isso parece ser que eles diferem em seus limiares para julgar uma determinada sensação de nocivo, desagradável e incômodo.

 

Prioridades

O trabalho de campo abrangeu 34 USF e 21 escolas estaduais. A amostra foi calculada com base na experiência de cárie da região Sudeste, usando dados da Pesquisa Nacional de Saúde Bucal – Projeto SB Brasil.

Um ano após a primeira abordagem de Fabiana, os adolescentes que haviam sido encaminhados para tratamento foram reavaliados e verificou-se que muitos não compareceram à consulta. As principais justificativas para a não adesão tiveram relação com as diferentes prioridades estipuladas pelos adolescentes.

Conforme apurou em entrevistas, a necessidade de dedicar atenção à saúde bucal depende do que os adolescentes consideram urgente, importante e interessante. A procura pelo tratamento e pelo dentista somente foi priorizada quando a dor ou o interesse de usar aparelho ortodôntico os motivou a ir. “O aparelho estimulou o interesse e o estabelecimento das prioridades na atenção à saúde bucal dos avaliados”, percebeu.

A adolescência foi escolhida para ser estudada, pois, além de ser uma faixa etária pouco avaliada hoje em dia, ela é por si só uma fase de risco. “Os adolescentes passam por transições entre a infância e a fase adulta, sentindo-se imortais, fortes, capazes de tudo e, portanto, mais vulneráveis”, ponderou.

A contribuição de tais achados, acredita, é inovadora para programar ações futuras. Por isso, na opinião de Fabiana, é imprescindível que as intervenções em saúde pública impliquem o cuidado com a saúde para esses sujeitos dos grupos mais vulneráveis aos riscos sociais.

 

Saúde bucal

Dados da World Dental Federation (FDI) sugerem que mais de 90% da população mundial terá alguma doença bucal em sua vida; apenas 60% dessa população têm acesso a cuidados bucais; e a dor de dente é o maior motivo de faltas nas escolas, principalmente das crianças com baixo poder aquisitivo, até mesmo em países desenvolvidos como os Estados Unidos, onde a prevalência de cárie é muito baixa.

Na adolescência, a cárie e a doença periodontal são as patologias mais comuns mundialmente, sendo que, no Brasil, em particular a cárie é o principal problema de saúde bucal. A média dos dentes cariados, perdidos e obturados (CPOD), como indica levantamento nacional SB Brasil 2010, é de 5,16 em adolescentes de 19 anos.

Em Piracicaba, a média do CPOD na amostra estudada foi de 2,10, mas no grupo polarizado – de adolescentes mais vulneráveis – a média do CPOD foi de 5,24, corroborando os dados nacionais, informa Fabiana.

A cárie continua sendo a doença bucal mais comum entre os brasileiros. Aos 12 anos, o seu índice é de 56%. O número médio de dentes cariados é de 2,1, com variações por regiões.

A necessidade de próteses dentais em adolescentes é de 52%, ao passo que, nos adultos, diminuiu em 70%. A conclusão é que as extrações de dentes vêm cedendo espaço ao tratamento restaurador, frisou.

Para a pesquisadora, a desigualdade na distribuição das riquezas tem reflexos diretos no setor da saúde. Assim, locais ou comunidades com grande desigualdade social apresentam mais problemas de saúde bucal. “A simples melhoria do nível de pobreza não supera a desigualdade do indivíduo ou da família. E a falta de interlocução das comunidades continua gerando vulnerabilidade.”

 

Prevenção

A saúde bucal no país obteve um grande avanço após a conclusão do levantamento epidemiológico do Ministério da Saúde em 2003. Em 2004, foram formuladas as Diretrizes da Política Nacional de Saúde – o Brasil Sorridente –, que projetou a saúde bucal a um novo patamar no contexto das políticas públicas de saúde.

Atualmente, o esforço ocorre em torno da integração da saúde bucal aos serviços de saúde em geral e com diretrizes para a promoção da saúde e prevenção de riscos das doenças bucais, além de orientações específicas nos ciclos de vida que abrangem os lactantes (0 a 24 meses), as crianças (2 a 9 anos), os adolescentes (10 a 19 anos), os adultos (20 a 59 anos), os idosos com 60 anos ou mais e as gestantes.

A presente tese indicou que, junto dos fatores de risco individuais, é necessário considerar as variáveis do contexto em que esses jovens vivem, com vistas a haver formulação de políticas de saúde bucal para a adolescência.

Por outro lado, enfatiza, é necessário refletir conjuntamente sobre outros fatores que podem influenciar comportamentos de risco, como o nível de capital social no espaço em estudo. “Se esse fator for usado como ferramenta de estudos científicos, pode gerar soluções edificantes. Deveria ser prioridade para ações dos governantes e dos gestores do país”, opinou.

Para a pesquisadora, a expansão da Estratégia de Saúde da Família foi um salto em direção ao acesso aos cuidados básicos de saúde para grande parte da população, antes excluída das ações.

Fabiana conta que os responsáveis, as USF e as escolas foram informados sobre os resultados dessa pesquisa através de relatórios com as condições bucais gerais dos adolescentes de Piracicabaa

Os adolescentes que foram diagnosticados com necessidade de tratamento e suas famílias ainda continuam em acompanhamento. Também as famílias dos adolescentes que não aderiram ao tratamento odontológico recebem visitas domiciliares de profissionais que atuam na USF, grupo que procura utilizar estratégias educativas para sensibilizar os participantes no cuidado com sua saúde bucal.

 

Publicação

Tese: “Risco e vulnerabilidade às doenças bucais em adolescentes brasileiros”
Autora: Fabiana de Lima Vazquez
Orientador: Antonio Carlos Pereira
Unidade: Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP)
 

Comentários

Comentário: 

Pesquisa rica em parâmetros e análise de campo, mostra e da subsídios para erradicar de uma vez a cárie nos jovens e adolescentes de nosso País, tanto carente no tratamento e prevenção da saúde bucal. Parabéns a Dra. Fabiana de Lima Vazquez pela brilhante iniciativa.

lmvdavila@gmail.com.com

Comentário: 

Parabéns pela matéria, muito bem redigida.

apereira@fop.unicamp.br