Edição nº 612

Nesta Edição

1
2
3
4
5
6
8
9
10
11
12

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 31 de outubro de 2014 a 09 de novembro de 2014 – ANO 2014 – Nº 612

Estudo mostra obstáculos à inovação

Problemas estruturais são maiores gargalos nas áreas de software e serviços de TI

As “condições de mercado” foram consideradas um obstáculo de média a alta importância à inovação para cerca de 60% das empresas da Indústria Brasileira de Software e Serviços de TI (IBSS) que não conseguiram inovar entre 2006 e 2008. Foi o que concluiu estudo de mestrado realizado por Rebeca Bulhões Bertoni no Instituto de Economia (IE). “Essas condições foram definidas pela Pesquisa de Inovação (Pintec) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como uma deficiência de demanda ou um problema na estrutura de oferta do mercado, devido às condições de concorrência ou de capacidade instalada”, informa.

Segundo Rebeca, ao contrário do que muitos defendem, o principal problema dessa indústria não é a baixa qualificação dos egressos – a oferta de profissionais no mercado de trabalho, mas o perfil da estrutura de oferta das empresas (demandantes desses profissionais). Esse gargalo, analisa ela, fica mais claro ao questionar que profissional uma empresa que não inova contrataria.

O problema da “escassez de mão de obra” e da “queda de produtividade” representariam, a seu ver, apenas a ponta do iceberg, “sinalizando problemas mais profundos e de maior dimensão, como os obstáculos estruturais à inovação”, garante a autora.

A sua pesquisa mostrou, a partir de análise empírica, o que impede o desenvolvimento da Indústria Brasileira de Software e Serviços de TI. A ideia foi fornecer evidências para a incapacidade das empresas nacionais internalizarem o processo de inovação. “Procuramos trazer uma análise alternativa e crítica ao senso comum sobre temas muito debatidos no setor, como por exemplo a escassez de mão de obra, a queda de produtividade e as transformações ocorridas no mercado de trabalho de TI”, salienta.

Para a autora do trabalho, apesar de existirem obstáculos estruturais à inovação na indústria de informática no Brasil, pouco se investiga sobre esse tema. “O ambiente eleitoral e a lógica de governo – de curto prazo – nos direcionam, frequentemente, à discussão de questões conjunturais da economia e da indústria, confinando a análise econômica à esfera da microeconomia e, eventualmente, ampliando um pouco a análise à esfera macroeconômica.”

Esses obstáculos, verifica, parecem explicar o problema da queda de produtividade e de outros indicadores de desempenho, bem como o direcionamento desta indústria para produtos e serviços de menor valor agregado, além da precarização do mercado de trabalho de TI com a incorporação de uma mão de obra cada vez mais jovem e menos qualificada.

O estudo analisou empiricamente, desde 2003, os principais aspectos estruturais e dinâmicos da IBSS empregando dados do IBGE, Relação Anual de Informações Sociais (Rais), Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e Rais Migra, além da Série Estudos Tecnologia e Observatório Softex.

A autora procurou incluir nessa abordagem também questões de fundo histórico, para identificar os obstáculos estruturais à inovação na indústria de software e serviços de TI. Em sua opinião, sob a perspectiva dos teóricos Celso Furtado e Caio Prado Jr., o subdesenvolvimento seria a melhor hipótese interpretativa para compreender as raízes mais profundas dos problemas enfrentados por esta indústria no Brasil.

O trabalho estatístico e interpretativo dos dados, feito por pesquisadores, consultores e empresários do setor, chamou a atenção de Rebeca sobretudo pelo fato de ser esta uma indústria de caráter inovador, “com elevado potencial criativo e transformador da economia e da sociedade brasileira – que, paradoxalmente, vinha sofrendo quedas sistemáticas em sua produtividade e inovando menos a cada ano”, aponta.

De acordo com a estudiosa, que atua como consultora e pesquisadora na área de inovação, indústria e mercado de trabalho, o que houve é que, na verdade, essa indústria teve sua origem em um mercado já monopolizado por plataformas tecnológicas sólidas, como por exemplo a Windows – o sistema computacional mais popular do planeta. 

Rebeca atribui isso à falta de espaço para as empresas nacionais competirem, em função principalmente dos efeitos de lock-in (“aprisionamento”). Assim, em geral, as oportunidades de negócios ficam restritas a atividades complementares, na brecha dos investimentos de grandes multinacionais como a Microsoft, a IBM e a Oracle.

O que acontece com as pequenas empresas nacionais de software? Ao assumirem a posição de parceiras, acabam declarando uma convivência pacífica no mercado, eliminando a concorrência e inclusive a necessidade de inovar.

Dessa forma, a Indústria Brasileira de Software e Serviços de TI fica com as atividades menos nobres do setor, e a inserção das empresas nacionais no mercado global é apenas complementar e periférica. “O único espaço em que podemos competir é no mercado de aplicativos”, conta Rebeca.

Em relação às políticas públicas para o setor, ela considera que há falta de compreensão acerca das especificidades da IBSS. Não é somente isso. A permanência de valores neoliberais – cujo propósito é privatizar e commoditizar tudo – incentiva a busca de soluções rápidas e a cópia de modelos estrangeiros, crendo na possibilidade de catching-up (“dar o salto”).

A hipótese da convergência vai de encontro às ideias apresentadas por Furtado acerca das especificidades do fenômeno do subdesenvolvimento. Conforme esse autor, o processo de acumulação capitalista tenderia, antagonicamente, a ampliar ainda mais o fosso entre centro e periferia.

Os atores interessados em perseguir modelos externos, sem o conhecimento e a preocupação com as necessidades da indústria nacional, são responsáveis pela manutenção do ideal neoliberal nas políticas públicas brasileiras, avalia.

Essas políticas não têm redirecionado a indústria para um caminho contrário ao da commoditização. O eixo dinâmico da economia permanece fora do mercado interno e as empresas nacionais continuam sendo incapazes de assumir a liderança no processo inovativo, sustenta a mestranda, que neste estudo foi orientada pelo professor Plínio de Arruda Sampaio Júnior.

Do lado da oferta, esse problema pode ser entendido pela escassez de capitais no mercado e pela relação de concorrência desequilibrada entre as empresas nacionais e os oligopólios internacionais. Está relacionado à dependência externa e à forma de inserção subordinada e dependente da indústria brasileira nas cadeias globais de desenvolvimento de software.

Do lado da demanda, Rebeca explica que a pequenez do mercado interno e a insuficiência da demanda emanam da profunda desigualdade social ainda hoje reinante no país.

O dado mais recente da Pesquisa Anual de Serviços do IBGE aponta que a receita líquida gerada no país pelo conjunto das empresas de informática em 2009 foi de R$ 56,5 bilhões. A projeção para 2014 foi de R$ 83,8 bilhões.

Em relação ao conjunto do segmento brasileiro da economia da informação, que também inclui os serviços de telecomunicações, a receita das atividades de software e serviços de TI representou apenas 17,7% da receita bruta gerada pelo segmento em 2013. Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), a participação da receita do setor continua reduzida, não atingindo 2%.

 

Publicação

Dissertação: “Obstáculos à inovação na indústria brasileira de software e serviços de TI”
Autora: Rebeca Bulhões Bertoni
Orientador: Plínio Soares de Arruda Sampaio Júnior
Unidade: Instituto de Economia (IE)