Edição nº 610

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 10 de outubro de 2014 a 19 de outubro de 2014 – ANO 2014 – Nº 610

Pesquisa avalia a qualidade das águas termais de Poços

Estudo feito na estância turística conclui que parâmetros atendem à legislação

Vem constituindo preocupação do Departamento de Meio Ambiente (DMA) e do Departamento Municipal de Águas e Esgoto (DMAE) de Poços de Caldas, de parte da população da cidade e de turistas usuários dos seus fontanários de águas termais sulfurosas a definição de parâmetros sobre seus usos corretos e sua qualidade, diante da inexistência de informações que atendam a essas necessidades. Estas foram as motivações da bióloga Adriana Moreira de Carvalho, mestra em saneamento e meio ambiente pela Unicamp e funcionaria do DMAE, ao desenvolver  a pesquisa em que avaliou a qualidade das águas termais sulfurosas do Fontanário Pedro Botelho, localizado nas Thermas Antônio Carlos, e do Fontanário dos Macacos, situado no Balneário Mario Mourão no município de Poços de Caldas, que se encontra no sul-sudeste de MG, na divisa com o Estado de São Paulo. O trabalho deu origem à dissertação de mestrado desenvolvida na Área de Saneamento Básico e Meio Ambiente da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp, e foi orientado pelo professor Alexandre Nunes Ponezi.

A história da cidade mineira de Poços de Caldas está atrelada à descoberta das primeiras fontes e nascentes no século 18. Suas águas raras e com poder de cura foram responsáveis pela prosperidade da cidade que a partir de 1886 passou a ter uma casa de banho, destinada ao tratamento de doenças cutâneas, que utilizava a água sulfurosa e termal da Fonte dos Macacos. A cidade teve seu auge no início da década de 40, na época dos cassinos. A proibição do jogo em 1946 e a descoberta dos antibióticos tiveram grande impacto sobre o turismo da cidade, pois o termalismo deixou de ser a maneira mais eficaz de tratar as doenças para os quais era indicado. A recuperação do município ocorreu com a mudança de foco do turismo, que além dos benefícios terapêuticos das águas passou a utilizar as fontes como locais de relaxamento e encontrou na cidade outros pontos de atração.

As águas termais são subterrâneas e estão enriquecidas com minerais resultantes da lixiviação das rochas e do solo, que lhe conferem peculiaridades distintas das águas comuns, e emergem à superfície na forma de fontes em temperaturas superiores às daquelas. Possuem composições distintas que dependem do local onde surgem, do tipo de rocha, clima, relevo e de outros fatores. São consideradas termais sulfurosas devido à temperatura maior do que a das águas naturais e ao teor elevado de substâncias como o enxofre.

As águas termais sulfurosas de Poços de Caldas são referência desde o século 19 na prática de banhos de imersão, nebulização, hidropinia (ingestão) e fisioterapia, empregos que se estendem até hoje em seus balneários. A população da cidade as utiliza inclusive para ingestão sem nenhuma cautela, ignorando a ausência de um controle sistemático sobre suas qualidades bacteriológicas, microbiológicas e químicas. Por essa razão, o trabalho preocupou-se principalmente quanto à ingestão dessas águas, consideradas medicinais e medicamentosas e que, portanto, deve necessariamente ser orientada por especialistas quanto ao seu uso oral.

Nesse contexto, Adriana realizou uma avaliação microbiológica, bacteriológica, físico-química, da composição química e de radionuclídeos dessas águas que poderá vir a ser utilizada como instrumento de gestão pelos órgãos competentes, auxiliando inclusive programas que venham a ser aplicados em relação à proteção quanto à suas contaminações antrópicas, garantindo-lhes qualidades e quantidades para as demais gerações.

Sua dificuldade maior, enfrentada ainda durante a fase de definição dos parâmetros a serem analisados, resultou da constatação de que não existia legislação específica para as águas sulfurosas, que obedeciam às normas vigentes para as águas minerais, apesar de suas especificidades. Este fato a levou a se orientar no que dispõe o Laboratório de Águas Minerais (Lamin), órgão do Governo Federal, com sede em Belo Horizonte, credenciado para análises das águas minerais e que também se atém às águas sulfurosas, embora não tivesse deixado de se basear em pesquisas existentes no Brasil e até no exterior.

A partir destes estudos prévios, a pesquisadora decidiu realizar avaliações: bacteriológica – em que analisou basicamente os coliformes termotolerantes, os estreptococos fecais e salmonelas; microbiológica - em que se deteve fundamentalmente nas algas; físico-química – em que considerou cor, acidez, dureza, pH, turbidez, condutividade, concentração de íons, dentre outros; e de radionuclídeos, particularmente os de interesses radiológicos.

 

Resultados

Os resultados das análises quantitativas mostraram, com base nas recomendações previstas para as águas potáveis consideradas próprias para ingestão, que as concentrações de íons fluoreto e íons sódio estão muito acima do indicado e superam em cerca de 30% o tolerável e permitido. As alterações das concentrações de fluoreto são resultados da sua incorporação natural nas águas e decorrem da lixiviação das rochas fluoritas, abundantes na região. Sabe-se que fluoreto em excesso leva à fluorose, que pode provocar o escurecimento e enfraquecimento dos dentes e também afetar o esqueleto ósseo humano. O excesso de íons de sódio agrava a hipertensão ou pode levar a ela, causa maior das doenças circulatórias e do coração nas sociedades contemporâneas.

As consequências maléficas desses íons podem ocorrer em função da ingestão das águas mas não comprometem suas utilizações tópicas. O mesmo se pode dizer em relação aos íons derivados do enxofre como os sulfetos e sulfatos, também predominantes nelas. A propósito, a pesquisadora explica que o efeito tópico, ou seja, os benefícios terapêuticos, decorrem da presença nessas águas de íons como fluoreto e sulfeto e de outros presentes em menores quantidades: “Assim é que a concentração excessiva de fluoreto, embora as torne impróprias para ingestão, não caracteriza uma contaminação anômala e garante o seu efeito bactericida e encontra-se dentro dos padrões exigidos para que elas sejam consideradas terapêuticas. Por sua vez, é a  concentração do gás sulfeto que determina suas classificações como sulfurosas e lhes conferem as propriedades daí decorrentes”.

Corroborando alguns desses efeitos maléficos Adriana conta que uma profissional da área odontológica diagnosticou a presença de casos de fluorose dentária em alguns pacientes, o que a levou a incluir o tema em sua pesquisa de mestrado com vistas a determinar se o problema pode ser creditado ao uso indevido e constante das águas termais sulfurosas, pois não existem controles a respeito ou pesquisas realizadas junto à população da cidade.

As pesquisas levaram a autora a concluir que as águas de Poços de Caldas atendem às legislações vigentes do ponto de vista dos parâmetros pesquisados para fins terapêuticos, embora não possam ser ingeridas sem orientação médica, pois são consideradas águas medicinais e não alimentares.

Em vista disso, ela considera fundamental a realização de um amplo trabalho de conscientização da população da cidade e dos que a frequentam e a manutenção de um controle constante dessas águas ao longo do tempo com a criação de um banco de dados. E justifica: “São águas importantes, diferenciadas entre si, pois cada uma possui sua peculiaridade”.

Ela defende o resgate dos benefícios dessas águas que deixaram de ser pesquisadas e foram esquecidas e relegadas com o desenvolvimento de medicamentos que possibilitaram efeitos de cura mais rápidos. Mesmo assim, segundo ela, as Thermas são ainda muito procuradas, principalmente por pessoas mais velhas, pelo efeito relaxante dos banhos e principalmente para tratamento de problemas dermatológicos, respiratórios e de estresse físico.

 

Origens

Há mais de 50 milhões de anos ocorreu na região de Poços de Caldas um evento denominado vulcanismo, do que resultou a abertura de imensas fraturas no solo, de profundidade variável, mas que chegam a três mil metros. Nessas fraturas mais profundas, face ao alto índice pluviométrico, as águas vêm se acumulando há cerca de 30 mil anos. Encontrando temperaturas altas nas fraturas as águas provocam a lixiviação das rochas e se carregam de íons. Impulsionadas por pressão, atingem a superfície em temperaturas em torno de 45 graus Celsius, carregando todas as substâncias que as diferenciam das águas comuns e responsáveis pelas suas propriedades medicinais.

Em decorrência desse mecanismo e em vista do crescimento da cidade sobre as fontes, essas águas correm o risco de contaminação nos pontos de surgência e de recarga em decorrência de interferências antrópicas tais como esgotos, acumulação de lixo, presença de postos de gasolina, pavimentação do solo. Essas contaminações inviabilizariam seu uso termal. Cabe ao poder publico, através de políticas adequadas, evitar a ocorrência desse dano ao meio ambiente. Esse é outro alerta suscitado pelo trabalho.

 

Publicação

Dissertação: “Avaliação da qualidade das águas termais sulfurosas distribuídas nas fontes da cidade de Poços de Caldas – MG”
Autora: Adriana Moreira de Carvalho
Orientador: Alexandre Nunes Ponezi
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)