Edição nº 610

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 10 de outubro de 2014 a 19 de outubro de 2014 – ANO 2014 – Nº 610

Modelos podem subsidiar certificação de ovinos

Três raças são identificadas com base em técnicas de mineração de dados

Um conjunto de modelos para identificação de três raças de ovinos, baseados em técnicas de mineração de dados que selecionam marcadores moleculares, é o resultado da dissertação de mestrado de Fábio Danilo Vieira, analista da Embrapa Informática Agropecuária. Os modelos poderão ser utilizados para certificação de raças já depositadas nos bancos de germoplasma e de novos animais a serem inclusos, além de subsidiar as associações de criadores interessadas em certificar seus rebanhos e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) no controle de animais registrados. Sendo possível estender a metodologia para qualquer espécie de animal de produção (bovinos, suínos, aves), já se trabalha na geração de um produto, na forma de uma ferramenta de genotipagem de baixo custo.

A dissertação foi orientada pelo professor Stanley Robson de Medeiros Oliveira, coorientada pelo pesquisador Samuel Rezende Paiva e apresentada na Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri). Utilizando três técnicas diferentes de mineração de dados, Fábio Vieira selecionou os principais marcadores moleculares SNP (Single Nucleotide Polymorphism) nas raças Crioula, Morada Nova e Santa Inês. “A partir da intersecção desses três modelos, dentre 49 mil marcadores SNP, chegamos a um subconjunto de apenas 15, capazes de identificar as raças estudadas com acurácia acima de 80% nas predições”, afirma o autor da pesquisa.

O analista explica que em técnicas de mineração são utilizados algoritmos para buscar, num volume muito grande de dados, padrões que permitam chegar a um conhecimento específico. No caso, ele recorreu ao banco do Consórcio Internacional de Ovinos, que traz dados de 72 animais das três raças brasileiras do estudo, com um total de 49.034 marcadores SNP para cada ovino. “Para dar um exemplo, em doenças como o câncer, vamos coletar o sangue, sequenciar o DNA e identificar o gene modificado no grupo de doentes. Este marcador possui seus valores, os alelos, que são únicos. O valor específico ‘A’ é encontrado apenas na raça Santa Inês, enquanto a Morada Nova e a Crioula se diferenciam por causa do SNP ‘B’ ou ‘C’.”

Segundo Fábio Vieira, os ovinos destas três raças descendem de animais trazidos durante o período colonial e, em quase cinco séculos, foram submetidos a cruzamentos indiscriminados com raças exóticas – e sua importância está justamente nas características adaptativas às diversas condições ambientais brasileiras. “São raças locais, resistentes a parasitas e adaptados ao clima, relevo e vegetação. Para evitar a perda deste material genético, a Embrapa decidiu incluir as três raças no Programa de Pesquisa em Recursos Genéticos, armazenando amostras como de pele, sangue e sêmen em seus bancos de germoplasma.”

 

Melhoramento genético

O autor acrescenta que sua pesquisa também pode contribuir para apontar características interessantes para as raças mais produtivas em carne e leite, mas que não são tão resistentes a condições adversas. “As amostras guardadas servirão a futuros estudos de melhoramento genético, sendo que a carne ovina vem conquistando maior aceitação no mercado brasileiro. Em 2010, nosso rebanho totalizava cerca de 17 milhões de cabeças, ocupando o décimo sétimo lugar entre os países com os maiores rebanhos do mundo. Apesar do número bem menor de cabeças, o rebanho brasileiro cresceu 15,4% entre 2004 e 2010, frente à média mundial de 1,04%.”

De acordo com o analista, os estudos de melhoramento genético ainda ocorrem de maneira isolada e os especialistas reclamam da falta de investimentos quando há muito campo para explorar. “A tendência deste mercado, até 2020, é de crescer mais do que o de suínos e de aves em termos percentuais. Seria formidável se esses animais tivessem as mesmas qualidades de um Santa Inês, que é resistente ao estresse térmico e a várias doenças, vive com facilidade em terrenos acidentados e suporta dias sem se alimentar. Além disso, a metodologia poderia ajudar em pesquisas sobre outros fenótipos, por exemplo, visando aumentar a produção de leite e a qualidade e maciez da carne.”

Fábio Vieira observa ainda que as raças estudadas possuem sub-raças e um Crioula supostamente puro pode já ter cruzado com outros animais e perdido algumas de suas características, como de resistência ao ambiente. “Em um leilão, a raça pura não pode ser comprovada visualmente, mas este método com 15 SNPs permite analisar se os marcadores específicos estão ativados. Existe também um aspecto social na conservação desses animais, visto que são muito importantes para a subsistência dos pequenos agricultores que levam a vida no sertão.”

 

Microarranjo de marcadores

Ao buscar pesquisas correlatadas na literatura, o autor da dissertação observou que este é o primeiro trabalho utilizando as três técnicas (Lasso, Random Forest e Boosting) simultaneamente e fazendo a intersecção de resultados, em torno de dados de marcadores SNP de ovinos ou de outros organismos. “Os marcadores selecionados através desses modelos poderão gerar uma ferramenta de genotipagem de baixa densidade, como um microarranjo de SNP, para auxiliar na identificação racial dos ovinos. O importante é que, quanto menor o número de marcadores montados no arranjo, menor o custo da construção e do produto final.”

Este microarranjo, conforme detalha o analista, consiste em um arranjo de estruturas microscópicas denominadas sondas, que são ligadas quimicamente a uma lâmina de vidro por robôs altamente precisos. Nas sondas são preparadas as regiões dos marcadores que se busca nas amostras, com seus respectivos alelos: na amostra da raça X, um corante vai indicar se o animal analisado possui o SNP com o alelo respectivo. “Supondo que o custo para o robô desenhar a área do SNP com 15 marcadores seja de um real cada, o preço da ferramenta seria de 15 reais. Seria inviável fazer o mesmo com 49 mil marcadores moleculares.”

Fábio Vieira adianta que seu coorientador já deve estar desenvolvendo esta ferramenta, que seria de grande utilidade para zootecnistas, Ministério da Agricultura, pequenos produtores rurais e associações de criadores. “Considero a dissertação importante não só por comprovar que a combinação dessas técnicas é adequada e produz os melhores resultados com poucos marcadores, mas também por sugerir uma ferramenta para a sua aplicação, não se limitando à publicação. Esperamos que a pesquisa produza um impacto positivo no estado da arte para modelos com ovinos, abrindo caminho para a modelagem de outros fenótipos de interesse econômico da ovinocultura.”

 

Rebanhos no Brasil e no mundo

Na dissertação de mestrado intitulada “Modelos baseados em técnicas de mineração de dados para suporte à certificação racial de ovinos”, o autor Fábio Danilo Vieira inclui dados gerais sobre rebanhos de ovinos no Brasil e no mundo, informando que os maiores estão distribuídos pelos países da Ásia, África e Oceania. A China se destaca por possuir o maior número de animais (perto de 140 milhões de 2008 a 2011, segundo a FAO), vindo em seguida Austrália (80 milhões), Índia (70 milhões), Irã (50 milhões), Sudão (50 milhões) e Nova Zelândia (30 milhões). Estima-se que a população de ovinos no mundo seja em torno de um bilhão de cabeças.

A ovinocultura é explorada de modos diversos nas regiões geográficas do Brasil. No Sul, a criação é composta de animais lanados, devido às temperaturas baixas na região, e da qual se obtém lã e carne. No Nordeste estão as raças deslanadas e grande parte da produção é destinada à subsistência, produzindo carne, leite e derivados. Já no Sudeste, os rebanhos são destinados a cortes especiais, com maior valor agregado. Em geral, as raças naturalizadas no país são compostas de animais de pequeno porte e, até os dias atuais, passaram por raros processos de seleção artificial e melhoramento genético, sendo pouco especializadas na produção intensiva de leite e carne. Abaixo, as raças estudadas na dissertação:

 

Santa Inês 

Originária do cruzamento da raça Bergamácia (lanada) com a Morada Nova (deslanada) e outros animais crioulos do Nordeste. Deu-se preferência pela sua criação nesta região devido à ausência de lã, maior porte e também por se adaptar à vegetação arbustiva. A raça Santa Inês é destinada principalmente à produção de carne, sendo que seus animais são de maior porte e pelagem nas cores branca, vermelha, preta e chitada. Além disso, as ovelhas possuem uma excelente capacidade leiteira para criar os cordeiros e, em determinadas condições, podem ser férteis durante todo o ano.


Morada Nova 

Resultado do cruzamento de ovinos Bordaleiros trazidos de Portugal com ovinos deslanados vindos da África na época do tráfico de escravos. Os animais constituem uma das principais raças nativas de ovinos deslanados do Nordeste brasileiro. Contudo, os rebanhos vêm sofrendo uma redução de tamanho nos últimos anos, pois grande parte dos criadores está preferindo a criação de outras raças, como a Dorper e, principalmente, a Santa Inês. Há, também, muitos cruzamentos indiscriminados com outras raças exóticas, comprometendo ainda mais a preservação dessa importante raça e seu genótipo. A criação de Morada Nova está voltada essencialmente para produção de carne e pele (muito valorizada no mercado internacional). Além disso, estão presentes em muitas das pequenas propriedades, constituindo uma importante fonte de alimentação da população rural.

 

Crioula 

Lanada, talvez seja a raça naturalizada brasileira que mais se assemelhe com as raças dos países ibéricos. Os ovinos foram trazidos da Espanha e de Portugal pelos colonizadores, podendo ser encontrados no Sul do Brasil e também em quase todos os países sul-americanos. É provável que os ovinos dessa raça sejam originários da Churra espanhola. Fornece uma lã que, apesar de possuir uma qualidade inferior à de raças especializadas, é bastante utilizada em artesanato.

 

Publicação

Dissertação: “Modelos baseados em técnicas de mineração de dados para suporte à certificação racial de ovinos”
Autor: Fábio Danilo Vieira
Orientador: Stanley Robson de Medeiros Oliveira
Coorientador: Samuel Rezende Paiva
Unidade: Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri)