Edição nº 609

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 03 de outubro de 2014 a 12 de outubro de 2014 – ANO 2014 – Nº 609

Automatização racionaliza o uso da energia elétrica

Engenheiro concebe método de gerenciamento do consumo e da geração local

Mesmo sendo de vital importância para o desenvolvimento social e econômico, o Setor de Energia Elétrica (SEE) teve nos últimos 60 anos um tímido avanço tecnológico em relação às áreas de telecomunicações, transportes ou saúde. Além disso, crescentes conflitos decorrentes das necessidades de demanda da energia elétrica e das restrições ambientais ou regulatórias sinalizam para a necessidade de mudanças nesses serviços em vista das possibilidades de interligações e interações entre tecnologias que permitirão chegar à aplicação de Rede Inteligente (RI) no SEE.

Nesse contexto, a conservação da energia elétrica (CE), a busca da eficiência energética (EE) e a eliminação do desperdício constituem objetivos de máxima importância. No entanto, as realizações nesse domínio são modestas em um país com o potencial do Brasil, apesar das diversas iniciativas tanto das empresas de energia elétrica, do governo e da academia, permanecendo ainda uma lacuna quanto ao entendimento da melhor forma de integrar o consumidor nesse contesto. 

Estas constatações motivaram o trabalho que deu origem à tese desenvolvida pelo mestre em engenharia elétrica Márcio Venício Pilar Alcântara, apresentado à Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp e orientada pelo professor Luiz Carlos Pereira da Silva. A ideia do estudo foi a de racionalizar de forma automatizada, a partir do gerenciamento do consumo e da geração local, o uso da energia elétrica em vista da possibilidade de atender parte da demanda através da CE.

Para o autor, a tese apresenta um estudo da arte acerca de RI no Brasil e no mundo e sua aplicação na CE, elencando elementos sobre as novas tecnologias e suas aplicações e propondo uma plataforma unificada de CE com avaliação integrada. Dessa forma, diz ele, “do ponto de vista de gerenciamento do consumo/geração de energia seria possível racionalizar de forma automatizada o uso da energia elétrica e atender parte da demanda através da CE, medida que deveria ser adotada já hoje pelo SEE”. Ele defende a necessidade de que as iniciativas existentes no Brasil em termos de leis, regulações e planejamentos no âmbito da EE no SEE passem a levar em conta a aplicação de novas tecnologias de controle de carga e de microgeração e minigeração e que seja considerada em especial a possibilidade de inserção ampla de tecnologias de geração distribuída.

No desenvolvimento do estudo, o pesquisador considerou que antes de digitalizar a rede com o objetivo de conservar energia é preciso: redefinir o conceito de CE associado às tecnologia de RI; avaliar o potencial da CE no uso final de energia elétrica como forma de postergar investimentos de geração centralizada através do emprego de tecnologias de RI; prospectar a existência de ferramentas de simulação de sistemas de energia elétrica adequadas para análise dos impactos de uma RI; determinar qual seria o modelo regulatório adequado para envolver empresas de distribuição de energia e consumidores com vistas a implicações positivas nas equações de remuneração.

 

Conceitos e parâmetros

O pesquisador esclarece que conservar energia significa tornar o SEE o mais sustentável possível, da geração ao consumo, através da implementação de soluções renováveis em larga escala, principalmente com a utilização de sistemas de geração descentralizados, bem como do emprego de medidas de EE. Em outras palavras, enfatiza, “significa estimular cada vez mais, em conexão com o SEE, a produção local de energia restringindo os sistemas de geração centralizados, reduzindo perdas com distribuição e transmissão, e ainda promovendo massivamente melhorias nos envoltórios das edificações residenciais, comerciais, industriais, etc., com o objetivo de aproveitar ao máximo suas propriedades térmicas, e também incentivar e facilitar um programa sustentado de substituição de equipamentos por outros mais eficientes. A unificação do conceito de CE é obtida agrupando as várias possibilidades existentes, cada uma com seu potencial de redução de demanda e de geração de energia elétrica”. 

Como todas as medidas aplicadas têm consequências no conjunto da rede, esta é integrada. Uma Rede Inteligente (RI) é caracterizada por sua vez por um fluxo bidirecional de energia e informação, sendo possível o controle desde as usinas geradoras aos equipamentos dos consumidores.

Na tese “Conservação de energia em rede inteligente” o pesquisador propõe uma plataforma unificada do conceito de conservação de energia com avaliação integrada de algumas medidas de conservação de energia como EE, recursos energéticos distribuídos, integração pelo lado da demanda, gerenciamento dinâmico de energia, microrredes e planta virtual de geração.

A determinação da EE mostra quão eficiente é um processo, ou seja, que porcentagem de energia demandada é efetivamente consumida para realizar um serviço especifico. É o caso das lâmpadas incandescentes que consomem apenas cerca de 8% da energia recebida na geração de energia luminosa e dissipam 92% na forma de calor. A melhoria da eficiência energética leva ao aumento da produtividade na realização de serviços. Neste caso, o autor simulou os principais equipamentos, dispositivos e fatores envolvidos com a EE em edificações industriais e não industriais.

Ao considerar os recursos energéticos distribuídos, ele os dividiu em três grupos: geração distribuída – que envolve geração local através de fontes alternativas ou renováveis como gás natural, biogás, eólica, células solares fotovoltaicas entre outras; armazenamento distribuído de energia – que utiliza, por exemplo, ar comprimido, reservatório de água, baterias químicas tradicionais, células combustíveis; e veículos elétricos e híbridos plugáveis – que eventualmente podem também fornecer energia para a rede.

A integração pelo lado da demanda visa à promoção do uso eficiente e eficaz de energia elétrica. Ela pode ser aplicada através de preços alternativos, a exemplo das tarifas diferenciadas da telefonia por horário de uso; por incentivos diretos como pagar ao consumidor pelo desligamento de suas cargas em determinados horários; através da cooperação, como o apelo público à economia; ou ainda, pelo estabelecimento de códigos e padrões, como os de etiquetagem da EE de equipamentos.

Por sua vez, o gerenciamento dinâmico de energia envolve a aplicação das três medidas de conservação de energia anteriores nas instalações de um consumidor individual. Configuram-se as microrredes quando as unidades consumidoras coexistem em um mesmo condomínio geograficamente contínuo em que podem ter coordenados seus recursos de gerenciamento dinâmico de energia. Já na planta virtual de geração, ao contrário, as unidades consumidoras existem de forma esparsa geograficamente, dentro da área de concessão da mesma empresa de energia elétrica, e são gerenciadas virtualmente pela distribuidora, visando a conservação de energia de todo o sistema.

O pesquisador considera que “a plataforma apresentada, que deve operar sobre uma RI, serve como um guia para classificação e hierarquização dessas possibilidades, tanto por parte das empresas de energia elétrica quanto governos e consumidores. Dessa forma, do ponto de vista de gerenciamento do consumo/geração de energia, seria possível racionalizar de forma automatizada o uso da energia elétrica e, nesse contexto, atender parte da demanda através da CE”. Do ponto de vista regulatório, alguns mecanismos de incentivo à implantação de RI e de programas de conservação de energia são também apresentados por ele, que mostra estruturas que permitem a devida apropriação de benefícios por todas as partes envolvidas.

 

Importância e resultados

Márcio Venício apresentou dissertação de mestrado na Unicamp em 2005 e depois de experiências profissionais retornou para o doutorado após ter sido aprovado na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), onde ocupa o cargo de Especialista em Regulação de Serviços de Energia e atua na área de Pesquisa e Desenvolvimento e Eficiência Energética. O foco do seu trabalho está na regulação da Lei 9.991/2000, que obriga as empresas de energia a investirem 1% de sua receita operacional liquida em P&D e em EE, bem como acompanhar todos os projetos desenvolvidos dentro desse programa, procurando promover pesquisas e inovações na área de energia elétrica no Brasil, além da contribuição para a ampliação de ações que visem o aumento da EE por parte dos consumidores.

Ao se propor ao trabalho, o autor procurou demonstrar que a CE pode fazer uso das tecnologias de RI, buscou novas formas de gerenciamento de energia, novos meios e metodologias para realizar medições e verificações, a melhora em modelagem de sistemas, desenvolvendo novas ferramentas para análise do desempenho de sistemas e processos de CE e também a microgeração e a virtualização da geração como redutoras do consumo de geração centralizada. Ele também se propôs a uma análise inicial do impacto com a migração do modelo regulatório atual de distribuição de energia elétrica, baseado em remuneração pelo aumento do consumo, para um modelo que considere o aumento da CE do consumidor.

Para ele, as principais contribuições da tese são: a apresentação de extensa pesquisa bibliográfica relativa a CE, RI e seus aspectos relacionados, o que torna o trabalho pioneiro para futuras pesquisas no tema; a proposta de uma plataforma unificada do conceito de CE com avaliação de diversos parâmetros que servem como guia para classificação e hierarquização de suas possibilidades tanto para empresas de energia elétrica quanto para governo e consumidores; a apresentação de ferramenta de simulação de RI e de CE, oferecendo para o SEE a possibilidade de simulação anterior à implantação de projetos pilotos; o delineamento de alguns mecanismos de incentivo à implantação de RI e de programas de CE, mostrando estruturas que permitem a devida apropriação de benefícios.

Na ilustração, um diagrama multidirecional do que seria no futuro uma RI, com energia e informação fluindo pela rede em todas as direções, das grandes usinas para os consumidores, das fontes renováveis para os consumidores, da geração residual para a rede, entre outras possibilidades.

 

Publicação

Tese: “Conservação de energia em rede inteligente”
Autor: Márcio Venício Pilar Alcântara 
Orientador: Luiz Carlos Pereira da Silva
Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC)