Edição nº 608

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 26 de setembro de 2014 a 05 de outubro de 2014 – ANO 2014 – Nº 608

Arquiteta desenvolve metodologia para implantação de loteamentos

Estudo propõe abordagem multidisciplinar na elaboração de diretrizes, normas e projetos

Na conversa com a arquiteta e urbanista Fernanda Nascimento Corghi, emerge sobremaneira o entusiástico interesse pelos problemas decorrentes da implantação de loteamentos urbanos. Nesse envolvimento ela foi muito mais além dos estudos acadêmicos e frequentou durante dez anos áreas urbanas e periurbanas de Bauru, onde se graduou pela Unesp, e realizou estágios voluntários nos mais diferentes órgãos da prefeitura da cidade com vistas a conciliar o conhecimento teórico com a realidade prática para tentar entender porque, apesar das legislações, inclusive, e dos planos diretores existentes perpetuam-se problemas provocados pelas implantações de loteamentos urbanos e demais empreendimentos urbanísticos aprovados pelo poder público.

Desde a iniciação científica na graduação e durante o mestrado e o doutorado, realizados na Unicamp, ela se vinha dando conta de que não faltavam leis e estudos científicos para coibir problemas decorrentes de adensamentos urbanos. O que se fazia necessário era unir áreas científicas diversas e a prática da produção de loteamentos para implementá-las na administração pública. Para tanto, havia necessidade de projetos acadêmicos que se destinassem de fato a contribuir para a alteração da realidade e deixassem de constituir produções pouco vinculadas ao cotidiano das secretarias públicas e órgãos responsáveis pelos licenciamentos de loteamentos e planejamento das cidades, o que as tornavam facilmente esquecidas nas prateleiras das bibliotecas.  Mas, mais que isso, ela foi levada a descobrir que as práticas acadêmicas e profissionais não consolidam diretrizes e respostas que saíam da sua exclusiva área de contribuição.

A partir da constatação de que as questões envolvendo loteamentos abrangem repertórios de várias áreas do saber e que estas careciam de integração, ela passou a defender uma participação multidisciplinar na elaboração de diretrizes, normas e projetos urbanos que visem a uma ocupação do solo mais adequada tanto para o meio ambiente quanto para a comunidade residente. Consolidou essa concepção através de uma proposta de metodologia para implantação de loteamentos urbanos e da inclusão de diretrizes urbanísticas populares para processos de licenciamentos de pequenos e médios loteamentos.

Isso significa incluir a participação pública na definição de diretrizes urbanísticas e dotá-la de respaldo técnico e científico para garantir a proteção de áreas de reconhecida fragilidade ambiental, como Áreas de Preservação Permanente (APP), e a efetivação de áreas institucionais em locais que de fato sejam de interesse público, visando à prevenção de ônus sociais e impactos ambientais futuros derivados destes empreendimentos.

O loteamento urbano se desenvolve numa gleba em que, ao longo da abertura de novas vias, o solo é subdividido em lotes a serem ocupados por edificações; em que devem ser previstas também áreas destinadas a receber equipamentos urbanos e comunitários, que atendem as atividades relacionadas à educação, cultura, saúde, lazer e similares; além de áreas livres de uso público, de acordo com taxas estabelecidas pelo poder municipal e estadual, na ausência daquele.

Segundo Fernanda, as prefeituras normalmente não lidam de maneira preventiva com as implicações de suas ações. Impactos sociais e ambientais poderiam ser prevenidos por meio da aprovação de loteamentos que de fato tivessem por diretrizes a incorporação das necessidades do local, pois se sabe que o posicionamento de ruas causa erosão, dificulta a subida de ônibus e inclusive o trânsito de moradores. Ignora-se que os projetos em si indicam que tipo de sociedade está se formando. E talvez resida aí o maior alerta dirigido aos poderes públicos, às comunidades e aos profissionais do urbanismo.

 

Projetos adequados

Como qualquer loteamento gera impactos ambientais e sociais, o seu projeto deve levar em conta aspectos físicos decorrentes da modelagem terrestre e do substrato físico de origem – campo vastamente percorrido pelos estudos geocientíficos; aspectos sociais referentes ao uso das áreas do loteamento e de seu entorno; e a adequação das áreas institucionais aos fins a que se destinam. Para tanto há necessidade de se conhecer a lógica hidrológica e geomorfológica da bacia hidrográfica onde ele se localiza e a especificidade dos elementos urbanos, visando sua melhor inserção na gleba.

Estas questões podem ser consideradas no processo de expedição de diretrizes urbanísticas e ambientais do loteamento ou ignoradas, tanto com vistas a maximizar os lucros de investidores ou por desconhecimento do próprio poder público, que direciona esta ocupação e fornece as diretrizes para que ela se estabeleça. Assim é que, muitas vezes, as áreas destinadas obrigatoriamente à preservação do verde e à instalação de equipamentos comunitários como escolas, creches, postos de saúde são fracionadas ou direcionadas para os piores locais, inviabilizando seus usos.

Para a pesquisadora, o conhecimento específico da hidrologia e da geomorfologia da bacia hidrográfica, se compatibilizado a uma dimensão territorial de fato mais utilizada pelos planejadores e executores de empreendimentos urbanos, como uma abordagem que adotasse a escala das encostas das bacias, possibilitaria que conhecimentos específicos fossem incorporados com maior precisão aos projetos urbanos, ampliando a chance de melhor adequá-los à superfície topográfica e prevenindo impactos decorrentes de rupturas no sistema natural.

São recorrentes os problemas oriundos de ocupação de áreas de risco, os efeitos de terraplanagens associados à concentração de fluxo de água pelas ruas e galerias de drenagem que aceleram processos de erosão. O solo carreado assoreia sistemas de drenagem e as enchentes se configuram como um dos efeitos cumulativos decorrentes desse padrão de ocupação. Os impactos sociais são sentidos pela destruição de obras civis e riscos de vida humana.

Com o objetivo de subsidiar e garantir que as diretrizes exigidas pelo poder público se efetivem, Fernanda Nascimento Corghi apresenta tese em que propõe critérios físicos e sociais condizentes com o substrato físico envolvido e com os avanços sociais da política urbana como requisitos urbanísticos para projetos de loteamentos. O trabalho “Diretrizes para implantação de loteamentos urbanos: aspectos físicos, legais e sociais”, apresentado à Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp, foi orientado pelo professor Diógenes Cortijo Costa.

Nele são correlacionados arranjos da forma urbana física, como ruas, quadras, lotes, etc. com os apontamentos da cartografia geocientífica preventiva de impactos ambientais. Utilizando como estudo de caso uma bacia hidrográfica do município de Bauru, a pesquisadora analisou a possibilidade de inclusão da cartografia geotécnica de prevenção à erosão como instrumento norteador da implantação de loteamentos menos impactantes.   

 

Proposta

Diante da constatação de que a confecção da cartografia geocientífica é realizada em pequenas e médias escalas e que a utilizada nos Planos Diretores e empreendimentos urbanísticos é necessariamente a grande escala, a autora concebe uma proposta metodológica a partir da adoção de uma unidade física condizente com os planejamentos urbanos e geocientíficos. No estudo a pesquisadora correlaciona elementos do sistema natural – físico, e antrópico – urbano, chamando essa correlação de unidade geo-urbanística.  Ela acredita que a utilização dessa unidade como suporte à criação de cenários de impacto permita definir requisitos urbanísticos para loteamentos, evitando também a destinação de áreas públicas em locais com maior fragilidade a impactos na bacia hidrográfica.

Partindo do pressuposto de que o aparelho burocrático institucional tende a negligenciar questões sociais e físicas, o objetivo específico do trabalho foi o de propor novas maneiras de inseri-las no arcabouço legal já nas etapas preliminares do processo de abertura de um loteamento. Fernanda consolidou os avanços decorrentes de seus estudos propondo alterações na legislação de parcelamento do solo (Lei Federal 6.766/79), com o propósito de torná-la mais explícita em relação aos maiores avanços da política urbana, incorporando-lhe uma nova conceituação para gleba e maior participação pública direta tendo em vista o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo.

 

O trabalho

Ao longo de três extensos capítulos da tese, a autora aborda particularmente os impactos ambientais, sobretudo quanto à erosão – suas causas, tipificações, medidas preventivas e corretivas, e quanto às enchentes no meio urbano; analisa as soluções advindas das geociências através das cartas temáticas e das leis que regem o solo urbano municipal; discute os loteamentos em relação aos aspectos sociais, físicos e legais; defende a necessidade de visão integrada entre aspectos ambientais e sociais, de modo a facilitar o trânsito de moradores por vias traçadas com inclinações adequadas e a aproximação entre moradia, trabalho, lazer e centros de suporte da vida cotidiana, evitando o uso do carro.

Os conhecimentos advindos dessas várias áreas de estudo foram empregados pela pesquisadora no desenvolvimento de uma metodologia destinada a implantação de loteamentos urbanos, que foi aplicada no estudo de caso da Bacia hidrográfica do Córrego da Água Comprida, com 4,5 km de extensão, uma das dez bacias hidrográficas localizadas na área urbana do município de Bauru.

Para a pesquisadora, a metodologia desenvolvida permite que os loteamentos urbanos possam atender critérios físicos e ambientais através do estabelecimento de uma parceria entre várias áreas do saber. Isso quanto ao meio físico. Ela incorpora um maior envolvimento social e político nas modificações propostas para a legislação. E enfatiza: “Procuro mostrar o que deve ser feito para que as diferentes áreas envolvidas trabalhem junto”.

Para a arquiteta, ficou claro a necessidade de um trabalho multidisciplinar com a participação concomitante de profissionais de várias áreas de maneira a integrar os diferentes conhecimentos específicos numa mesma escala, que deve ser a da encosta, aos conhecimentos populares no estabelecimento de diretrizes urbanísticas para loteamentos urbanos.

 

Publicação

Tese: “Diretrizes para implantação de loteamentos urbanos: aspectos físicos, legais e sociais”
Autora: Fernanda Nascimento Corghi
Orientador: Diógenes Cortijo Costa
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)