Edição nº 587

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 16 de dezembro de 2013 a 31 de dezembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 587

O ensino de Cálculo Diferencial e Integral na Unicamp


Em matéria publicada no Jornal da Unicamp, relatando tese de doutorado defendida na Faculdade de Educação, foi abordada a questão do ensino de Cálculo Diferencial e Integral (em particular de Cálculo I) e, embora não dito explicitamente, muitos leitores entenderam tratar-se da nossa Universidade.

Em seu retrato desta tese, a matéria oferece uma visão parcial e distorcida do que representa este conjunto de disciplinas e do modo como a comunidade do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc) enfrenta esta tarefa, que acreditamos por bem esclarecer.

 

O desafio de 15 mil matrículas anuais

Começamos destacando que Cálculo Diferencial e Integral, como disciplina matemática preocupada com o estudo de mudanças de situação e estado, é não apenas considerado um marco na fundação da ciência moderna, mas uma disciplina (alguns dizem linguagem) essencial para o desenvolvimento de inúmeras áreas do conhecimento. Por este motivo, na Unicamp, como em qualquer universidade do mundo, todos os estudantes de cursos de ciências exatas, tecnológicas, economia e outras mais começam seus cursos universitários estudando uma série de disciplinas sobre Cálculo Diferencial e Integral.

Na Unicamp, a responsabilidade por este conjunto de três disciplinas, para as quais são abertas 90 turmas por ano (recebendo um total de 4.853 matrículas), fica ao encargo do Imecc. Considerando, além destas, outras disciplinas que oferecemos para outros cursos da universidade e as disciplinas de graduação oferecidas aos nossos alunos, chegamos a aproximadamente 15 mil matrículas de graduação por ano.

É uma enorme (e bem-vinda) tarefa assumir esta responsabilidade formativa dos alunos de graduação de nossa Universidade e ao mesmo tempo manter a excelência na pós-graduação e na pesquisa (o Imecc forma aproximadamente 25% dos doutores do Brasil na grande área de Matemática – Matemática Aplicada – Estatística, por meio de três programas de pós-graduação, considerados entre os melhores do país). Mais ainda precisamos e devemos assumir esta missão tendo em vista a necessidade de mantermos um padrão de qualidade que permita o desenvolvimento futuro destes estudantes.

Para garantirmos aos alunos o direito de uma formação compatível com as exigências futuras que terão na Universidade e em sua vida profissional, desde o ano 2000, as disciplinas com grande número de turmas são trabalhadas de forma coordenada – todos os alunos passam por avaliações iguais ou similares, negociadas entre os docentes responsáveis.

Como bem observado – acreditamos que de forma elogiosa pela autora da tese – “quem não for capaz de cumprir etapas estabelecidas pela coordenação da disciplina, provavelmente será reprovado”.

O tamanho deste universo de alunos demanda uma organização complexa, capaz de garantir um padrão de qualidade ao mesmo tempo em que atenta para a existência de necessidades individuais e peculiaridades de um público diverso. Procuramos lidar com um público de dimensão industrial, devotando uma atenção próxima do artesanal.

 

Formação prévia dos alunos de cálculo I

Como todos podem imaginar, trabalhando com alunos ingressantes de diversos cursos, temos um universo diversificado no que se refere aos interesses futuros e, mais do que tudo, à formação prévia dos alunos. Assim, dentre as diversas turmas de Cálculo I, por vezes com o mesmo professor e fazendo a mesma prova, encontramos turmas com 100% de aprovação ao lado de turmas com reprovação de 77,5%, este último sendo o único número indicado na matéria e que induziu os leitores a concluírem equivocadamente que trabalhamos neste patamar de insucesso: na realidade, o índice de reprovação médio dos últimos cinco anos foi de 28,5%, um número alto, mas compatível com padrões das melhores universidades do mundo.

A disparidade entre o sucesso de duas turmas distintas que têm aulas com o mesmo professor, que recebem a mesma atenção e fazem a mesma prova é explicada por um único fator: a diferença da formação prévia dos alunos em matemática. A correlação entre as notas de Cálculo I e as notas obtidas pelos alunos na prova de matemática do vestibular é altíssima e nisto reside a principal dificuldade da disciplina.

Vale ressaltar que esta dificuldade é sobremaneira agravada pelo calendário de matrícula de ingressantes nas universidades paulistas, que adentra o ano letivo, dificultando ainda mais a tarefa daqueles que de antemão teriam mais dificuldades.

Independentemente de outras questões relativas ao modo como selecionamos nossos estudantes e como os introduzimos ao ensino de fato superior, e mesmo sendo “rígidos e inflexíveis” nas exigências (conforme argumenta a autora da tese), os professores do Imecc são atentos a estas dificuldades e adotam uma série de instrumentos e estratégias para lidar com estas peculiaridades.

Um dos instrumentos adotados é oferecer amplo horário de atendimento e atenção aos alunos: além dos horários oferecidos por cada um dos docentes, durante todos os dias da semana, nos horários em que não há atividades letivas (das 12h às 14h e das 18h às 19h), todos os alunos de Cálculo I podem contar com apoio oferecido por alunos de doutorado do Programa de Estágio Docente. 

Também são adotadas, já faz tempo, estratégias que incluem listas de exercícios semanais e testes frequentes, estes últimos servindo aos alunos como sinalização das expectativas em relação a sua aprendizagem e um retorno sobre o andamento destas.

Não satisfeitos com estas iniciativas, docentes do Imecc realizaram recentemente experiência muito bem-sucedida com duas turmas, oferecendo horário extraclasse de exercícios, às sextas-feiras, das 12h às 14h. No momento, estão em estudo as necessidades (em termos de recursos humanos) para expandir esta experiência para todas as mais de 30 turmas de Cálculo I.

No Imecc, temos plena consciência de que, para um grupo de alunos e para alguns cursos, estes esforços são insuficientes para dar conta do tamanho do hiato entre a formação em matemática com que estes alunos adentram à Universidade e a formação necessária para aprender o conteúdo de Cálculo Diferencial e Integral.

É por este motivo que, no curso de Licenciatura em Matemática (noturno), já faz mais de uma década, esta disciplina foi postergada para o segundo semestre letivo, sendo introduzida disciplina de matemática básica no primeiro semestre, para ensinar (ou rever) conteúdos típicos de ensino médio. Esta estratégia, ao mesmo tempo em que se mostrou correta (o número de formandos cresceu de maneira inequívoca), ainda mostra-se insuficiente e, por este motivo, na reformulação em andamento, está sendo proposta a duplicação das horas dadas nesta nova disciplina de matemática básica.

Temos a convicção plena de que selecionamos bem os nossos alunos, contamos com uma grande quantidade de estudantes talentosos e dedicados. No entanto, as deformidades do ensino fundamental e médio em nosso país são tamanhas que, mesmo em uma universidade com a qualidade da Unicamp, precisamos lidar com este tipo de dificuldade.

O Imecc como instituição é atento a estas carências e é engajado também na formação continuada de professores (por meio do Laboratório de Ensino de Matemática e do Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional). O Imecc, como sempre, está disposto a conversar com as coordenações de cursos que porventura desejem (ou acreditem ser necessário) enveredar por este tipo de opção feita no curso de Licenciatura em Matemática.

Mais ainda: talvez seja o momento de a Universidade Estadual de Campinas começar a discussão sobre a criação de cursos pré-acadêmicos, nos moldes de disciplinas isoladas adotadas pelo Imecc ou do Profis, instituído pela Pró-Reitoria de Graduação.

Manifestamos ainda a convicção que o orientador da referida tese, professor Sérgio Antônio da Silva Leite, também coordenador do Espaço de Apoio ao Ensino e Aprendizagem (EA2), no exercício desta sua função, não se absterá de apoiar as necessidades da comunidade do Imecc na busca contínua por melhorar este importante “serviço” que prestamos à Universidade.

Concluímos afirmando que a reprodução do adjetivo “pesadelo”, para caracterizar uma disciplina que estrutura a formação de metade de nossos estudantes, é uma atitude indigna de qualquer cientista e inaceitável em instância universitária.

 

*Subscrito por mais 40 docentes e endossado pela Congregação do Imecc.