Edição nº 580

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 21 de outubro de 2013 a 27 de outubro de 2013 – ANO 2013 – Nº 580

Serra do Espinhaço, em Minas,
era deserto há 1,8 bilhão de anos

Geólogo fez análise sedimentológica de rochas na região de Diamantina

Há cerca de 1,8 bilhão de anos, a região da cidade de Diamantina, Estado de Minas Gerais, na Serra do Espinhaço, foi um grande deserto. A constatação está na dissertação de mestrado do geólogo Fábio Simplício, que conseguiu reconstruir esse meio ambiente a partir da análise sedimentológica de rochas, as quais mostraram várias características preservadas.

No estudo, ele elaborou um modelo que considerou variações climáticas numa Terra muito diferente da atual, onde não havia vegetação terrestre, cuja existência é extremamente importante no controle dos sistemas deposicionais atuais, ou seja, dos ambientes naturais. Com isso, é possível entender os fatores que causam processos como a desertificação – um problema que afeta de maneira desastrosa países como Brasil, Estados Unidos e Austrália, e Deserto do Saara, diretamente influenciados pela remoção de vegetação.

A intenção do pesquisador do Instituto de Geociências (IG) era interpretar as formas deixadas pelos processos físicos e químicos que geraram as rochas sedimentares. Por isso Fábio e seu orientador, o docente do IG Giorgio Basilici, foram a campo para investigar como antigos ventos transportaram e depositaram as partículas que constituem essas rochas.

Munidos de um aparato de instrumentos, pesquisaram e analisaram as rochas do terreno escolhido para o estudo. Observaram todas as estruturas sedimentares, como aquelas chamadas de laminações plano-paralelas, que são formadas pela alternância de lâminas paralelas e quase horizontais, distintas entre si por variações de tamanho, cor, forma e arranjo dos grãos de areia. Essas linhas são o produto da deposição e sobreposição de marcas de vento.

Um dos primeiros achados, notaram, foi que essas marcas sugeriram que esse ambiente era um antigo lençol de areia eólico. Tratava-se de um deserto de areia, plano, sem grandes dunas e, portanto, sem vegetação. Neste período, no Paleoproterozoico, o clima era extremamente árido e chovia raramente. As rochas formadas pela ação do vento correspondiam a 83% dos depósitos preservados.

Como é sabido, explana Fábio, num ambiente desértico acontecem poucas chuvas mas, quando acontecem, elas são concentradas e ocorrem sob a forma de tempestades. Por essa razão, trazem grandes inundações, carregando materiais remobilizados da superfície, que, não encontrando vegetação, ficam muito expostos à erosão.

Nesses períodos de grandes inundações, quando o clima era mais úmido, formaram-se outras rochas (denominadas conglomerados), que são constituídas de uma grande quantidade de cascalhos. De acordo com Fábio, esses cascalhos foram removidos do solo e transportados pela água que vinha de rios nascidos em áreas externas e mais distantes desses lençóis de areia.

Quando o clima era árido, explica ele, os rios permaneciam secos, ao passo que, no período em que chovia, os rios se tornavam ativos. Porém, na maior parte do tempo, não havia chuva e por isso não havia formação de rios. “Isso nos fez pensar que se tratava de sistemas deposicionais que se transformavam em função das variações climáticas.”

O pesquisador trabalhou tendo como hipótese um sistema desértico e apurou que a sedimentação eólica se desenvolvia nos períodos de clima mais seco, onde os materiais ficavam soltos e disponíveis para transporte pelo vento [o vento não é capaz de transportar grãos de areia quando ela é úmida ou coberta por vegetação].

Esse ambiente desértico era ocupado por marcas onduladas cognominadas wind ripples, criadas pelo processo de transporte desses grãos pelo vento. Os wind ripples predominavam, gerando pequenas dunas, chamadas zibar, em árabe. Elas, no caso, têm características diferentes das grandes dunas de areia tradicionais, com dezenas de metros de altura. Os zibar possuem um baixo relevo, até 10 metros de altura, e são mais longos do que largos, podendo chegar a 400 metros de comprimento.

A região estudada é rural, com áreas de pasto e fragmentos de floresta remanescente, e fica à margem de Diamantina, a cerca de 12 km da área urbana. Fábio estudou com detalhe uma extensão areal de 5 km , mas também visitou afloramentos em toda uma área de cerca de 50 km .

O pesquisador relata que escolheu esse lugar pelo fato de ter exposições de rochas belíssimas. Em sua opinião, seria muito difícil imaginar na Geologia rochas tão antigas que preservaram tão bem as primeiras estruturas, pois em geral se transformam com o tempo sob os efeitos de pressão, temperatura e fluídos no interior da crosta terrestre.  

 

Contribuições

A investigação de Fábio foi realizada entre 2011 e 2013, dentro da linha de pesquisa de Análise de Bacias Sedimentares do IG. Ao falar sobre as rochas deste estudo, o professor Giorgio empregou o termo inglês proxies (jargão acadêmico), que significa que as rochas e aquilo que contêm são meios ou ferramentas para entender o passado da Terra.

As rochas então, diz o docente, são uma ferramenta para elucidar o passado, como o médico usa as análises de sangue para entender como o paciente está clinicamente. Nesse caso, sabendo ler as rochas, é possível descortinar o passado.

Giorgio visitou o lugar estudado com um cientista norueguês, Wojtek Nemec, da Universidade de Bergen, um dos ‘pais da sedimentologia moderna’. Ao observar com atenção as rochas que estavam sendo alvos de pesquisa da Unicamp, o professor Wojtek começou a expressar o que ele lia nas rochas. Disse que naquele local existiu um rio, que num dado momento ficou seco, mas que voltou a correr várias vezes, com um fluxo de água muito veloz e turbulento.

“Logo, se conseguimos ler nas rochas rios e desertos, é possível ler o passado, o que ajuda a interpretar o presente e prever o futuro. No Paleoproterozoico, em Diamantina havia um grande deserto, por uma simples razão: não havia vegetação”, ensina Giorgio.

A superfície terrestre era completamente descoberta. Uma simples brisa de 12 km por hora teria sido capaz de mover areia e construir dunas. “Assim, aqui no campus da Unicamp, se não tivéssemos vegetação, durante o inverno teríamos dunas em formação”, informa o professor.

Para que isso serve? Embora esse trabalho seja puramente teórico, o docente esclarece que esta pesquisa permite gerar modelos com as formas, dimensões e distribuição espacial das rochas no subsolo. Dessa forma, os geólogos e os engenheiros do petróleo podem usar estes modelos teóricos para procurar hidrocarbonetos e para computar a quantidade destes recursos naturais contidos nas rochas.

Em segundo lugar, a leitura das rochas permite ler o tempo e, lendo as rochas de ambiente desértico, é possível entender a evolução das áreas desérticas. “Quando vemos as rochas verticalmente, lemos as mudanças no tempo desse sistema desértico. Em dado momento, pode ser constituído por dunas, em outro por uma superfície aplanada, em outro ainda por lençol de areia e em um novo momento pode ter um rio ou um lago efêmero. Se sabemos ler as rochas, podemos conhecer os fatores que causaram essas mudanças”, detalha Giorgio. 

Esses modelos de variação temporal dos sistemas desérticos antigos podem ser aplicados ao atual, tornando possível entender os fatores que causam a desertificação. “Então nosso trabalho tem ainda uma aplicação na Geologia Ambiental, posto que colabora para desvendar mudanças envolvendo o ambiente e o clima”, afirma o professor do IG.

Em terceiro lugar, comenta ele, este estudo pode despertar a fantasia das pessoas, uma vez que querem compreender como era a Terra do passado. Lendo essas rochas, por exemplo, dá para saber que neste momento da história da Terra aumentou a concentração de oxigênio livre na atmosfera, porque realmente notaram-se minerais formados pelo contato com esse elemento.  

Antes de 1,8 bilhão de anos atrás, a Terra era, em grande parte, coberta por oceanos. As rochas de então apontaram que a maioria dos oceanos era de baixa profundidade, e eles eram muito extensos. As terras emersas eram poucas.

Falta um claro registro de depósitos continentais. Contudo, já por volta de 1,8 bilhão de anos atrás surgiram os continentes, e as primeiras coisas que se formaram neles foram os desertos, já que não havia vegetação e nada poderia deter o vento. 

Giorgio expõe que é possível dizer, vislumbrando a Terra atual, que ela está tão distante da Terra antiga de 1,8 bilhão de anos atrás quanto a Terra atual de Marte. “Quer dizer que temos que pensar a Terra antiga como outra Terra, um outro planeta”, compara.

Ele acrescenta que também havia pouco oxigênio e que a força gravitacional da lua era muito superior. “Sabendo disso, fica mais fácil entender como pode mudar o mundo, como podem ser outros planetas e como pode funcionar o universo no futuro”, contextualiza Fábio, que já cursa o doutorado. Sua ideia é obter titulação na Unicamp e na Universidade de Leeds, Reino Unido, onde passará dois anos.

 

 

Publicação

Dissertação: “Formação Bandeirinha, região de Diamantina (MG): um exemplo, no Proterozoico, de lençol de areia eólica”
Autor: Fábio Simplício
Orientador: Giorgio Basilici
Unidade: Instituto de Geociências (IG)