Edição nº 579

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 14 de outubro de 2013 a 20 de outubro de 2013 – ANO 2013 – Nº 579

Tese avalia ação de micose no organismo de pacientes

Causada por fungo, paracoccidioidomicose é comum no país e tem potencial incapacitante

Paracoccidioidomicose. O nome ainda é pouco conhecido, bem como o que ele representa. Trata-se de uma micose sistêmica muito importante nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso e Paraná. Ela tem alto potencial incapacitante, quando não diagnosticada precocemente. Consta como a oitava causa de morte por doenças infecciosas em indivíduos imunocompetentes (sãos). Mas, apesar de sua magnitude, ela ainda é negligenciada, constituindo um relevante problema de saúde pública. Fala-se até que é uma “doença brasileira”, já que o país responde hoje por cerca de 80% de suas ocorrências. O restante está distribuído em outros países da América Latina.

A bióloga Maria Carolina Ferreira interessou-se pelo assunto para investigar no seu estudo de doutorado. A sua missão foi avaliar a resposta imunológica da paracoccidioidomicose. Embora exista uma estimativa de que entre oito e dez milhões de pessoas estarão infectadas pelo fungo neste ano, nem todas acabarão desenvolvendo a enfermidade, graças à paracoccidioidomicose infecção. 

Já, para os indivíduos que de fato contraíram a micose, ela pode se manifestar a partir de duas formas clínicas. Em uma delas, a pessoa manifesta os sintomas muito rapidamente. Essa é a forma aguda ou juvenil e afeta indivíduos jovens de ambos os sexos. Ela é responsável por 3% a 5% dos casos da doença. Há ainda uma forma crônica e adulta, em que o indivíduo às vezes demora anos para vivenciar os primeiros sintomas. Habitualmente, aparece em homens com idade em torno de 30 anos. É mais branda, porém, crônica e deletéria.

O trabalho da bióloga desvendou como o indivíduo responde após o contato com o fungo, as diferenças nas formas de resistência e de suscetibilidade à infecção, e o que leva os indivíduos a terem respostas diferentes. Na tese, defendida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM), a doutoranda descobriu que os pacientes com a forma adulta da doença têm um predomínio da resposta T-helper 17 e que os pacientes com a forma juvenil têm predomínio da resposta T-helper 2. 

Muitos trabalhos em Imunologia têm mostrado que a principal explicação para essas duas manifestações tão distintas da mesma doença, causada pelo mesmo fungo, está no tipo de resposta imunológica que os indivíduos desenvolvem. Foi o que a pesquisadora apurou, mas fez ainda mais. Procurou compreender por que algumas pessoas manifestavam a doença rapidamente e outras demoravam mais. 

A autora da tese percebeu que são as células dendríticas que reconhecem o fungo e que vão direcionar se a resposta será T-helper 2 (associada à suscetibilidade) ou será T-helper 17 (que confere certa resistência à infecção), que são subtipos de linfócitos T (células responsáveis pelo controle de todo o sistema imunológico). Também são elas que ajudam a identificar agentes agressores como vírus e bactérias, sendo portanto valiosas no combate às doenças.

A bióloga também verificou como as células dendríticas faziam o reconhecimento desse fungo, pois essas são as principais células, as que fazem a apresentação dos antígenos e que portanto são responsáveis por iniciar a resposta imunológica contra qualquer agente patogênico.

Conforme Maria Carolina, como na forma juvenil o que se vê é uma resposta de T-helper 2 que leva a uma suscetibilidade da doença, talvez por esse motivo o quadro seja mais grave e ocorra mais rapidamente. Também os indivíduos, nesse caso, necessitam de uma intervenção muito pontual para chegarem à cura.

Os indivíduos com a forma adulta, que tendem a ter uma resposta T-helper 17, a qual leva a uma certa resistência, possivelmente demoram alguns anos para desenvolver os sintomas clínicos da doença, por conta de uma “semirresistência”. “Mas ao mesmo tempo que essa resposta traz resistência, pode desencadear a fibrose de pulmão, uma das sequelas mais significativas”, comenta o professor Ronei Luciano Mamoni, orientador da tese. 

Nesse caso, os pacientes atingem a cura, mas podem contrair insuficiência respiratória porque o tecido pulmonar foi substituído por um tecido fibroso, mais ou menos como acontece com a tuberculose. Esses pacientes poderão encontrar então algumas limitações no seu dia a dia, como trabalhar por exemplo.

A investigação foi realizada a partir da avaliação de exames de pacientes do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp no período de 2009 a 2013. O trabalho integra a linha de pesquisa “Resposta imunológica aos fungos” do Departamento de Patologia Clínica.

 

Alcance

Em sua forma mais grave, as leveduras do fungo afetam particularmente o sistema fagocítico mononuclear humano, chegando aos linfonodos, medula óssea, fígado e baço. Os indivíduos atingidos desenvolvem rapidamente a doença, tendo seu estado clínico agravado e submetendo-se ao tratamento hospitalizados. 

Felizmente vários tratamentos medicamentosos despontam hoje como uma esperança para os portadores da enfermidade. Porém a fase inicial da terapêutica para os casos mais graves é a mais agressiva. Por isso em geral utiliza-se a anfotericina B, por exemplo, um antifúngico que demonstra um certo grau de toxicidade e que deve ter acompanhamento adequado. 

Por essa razão, o medicamento deve ser mudado logo após haver uma boa resposta, sendo prescrito, em seu lugar, um novo antifúngico. A escolha mormente recai sobre um derivado azólico, como o itraconazol, o mais utilizado nos dias atuais. Mas há que se considerar ainda o seu uso com bactrim – uma combinação de sulfa com trimetropina, administrada por via oral. Normalmente, funciona bem para os dois tipos da micose. 

A forma juvenil se constitui a mais complexa. Por outro lado, a forma crônica pode afetar os pulmões e mucosas. O mais comum é se observar lesão de pulmão causando fibrose e insuficiência respiratória, que às vezes pode ser grave, e lesões de mucosa oral, nasais e de pele. 

“As lesões causadas pelo fungo podem ser muito extensas, e algumas vezes, devido às suas características, podem ser confundidas com câncer (ou tumores)”, alerta Ronei. Alguns pacientes chegam ao consultório com essa suspeita e, quando fazem a biópsia, descobrem que na verdade estão infectados pelo fungo. Essas lesões são capazes de alcançar quaisquer tecidos do organismo. 

A doença também comumente se manifesta por meio de tosses que não cessam, dificuldade de respirar, além de secreção no pulmão, que mais adiante pode até conduzir à morte, se não for tratada. O problema é que o tratamento normalmente se prolonga por no mínimo dois anos para alcançar o status de cura. 

Na forma mais juvenil, explica Ronei, as lesões podem ser confundidas com linfoma (câncer no sistema linfático), acometendo os linfonodos e, em alguns casos, a pele. Entretanto, os principais sintomas são certamente os inchaços, que acabam acometendo os linfonodos. 

A paracoccidioidomicose geralmente tem entrada quando os indivíduos inalam os conídeos, uma forma reprodutiva dos fungos. Os trabalhadores que lidam em seu cotidiano com a terra ou crianças que vivem na zona rural são os alvos principais dessa doença. A forma de contrair o fungo é mediante a aspiração desses conídeos, que se instalam nos pulmões. 

O diagnóstico, além de ser clínico, também é efetuado laboratorialmente. O padrão ouro para esse diagnóstico está na identificação do fungo pelo exame micológico, sendo o exame histopatológico também de grande valia, não apenas para a visualização das formas fúngicas como também para situações em que a amostra não permitiu visualizar o fungo. Além disso, as provas sorológicas são igualmente auxiliares e permitem uma avaliação da resposta do hospedeiro ao tratamento específico.

De acordo com a pesquisadora, o seu estudo colabora para compreender a resposta imunológica nas duas formas clínicas da doença. “Verificamos que essa resposta pode ser diferente sim devido a essa forma de reconhecimento inicial que as dendríticas fazem do fungo”, expõe. Isso no futuro deve propiciar que os médicos avaliem melhor o estado dos pacientes e façam um tratamento mais direcionado à resposta imune que foi identificada. Mas ela avisa: ainda há muito a ser estudado, pois esta se trata de uma pesquisa básica.

 

Publicação

Tese: “Avaliação da capacidade de indução de diferenciação de células TH17 por células dendríticas estimuladas com células leveduriformes de Paracoccidioides brasiliensis e mecanismos de sinalização intracelular envolvidos”
Autora: Maria Carolina Ferreira
Orientador: Ronei Luciano Mamoni
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
Financiamento: Fapesp