Edição nº 578

Nesta Edição

1
2
3
4
5
6
8
9
10
11
12

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 07 de outubro de 2013 a 13 de outubro de 2013 – ANO 2013 – Nº 578

Fibra de papel melhora condições do solo


Com vistas à redução do descarte, o reúso dos sacos de cimento, a partir de fibras de papel Kraft como estabilizantes, melhorou as características e as propriedades do solo em uma pesquisa de mestrado da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC), de autoria da engenheira civil Daphne Rossana León Mogrovejo. Os ensaios ocorreram em Campinas e Paulínia. “A transformação do papel Kraft em polpa de celulose consome pouca energia, sendo necessária apenas água para a reciclagem. Mas a adição de fibras deve ser feita em pequena quantidade para melhorar o processo”, salienta a engenheira. A resistência do solo de Campinas melhorou muito quando misturado a 5% dessas fibras.

A pesquisadora conseguiu diminuir o impacto dos sacos, muito em voga na construção civil, que são lançados no meio sem um destino economicamente viável. Só em 2011 o Brasil produziu o equivalente a 65 milhões de sacos de cimento, sendo que 68% deles foram realmente ensacados e o restante distribuído a granel. Todo esse contingente pode ter sido desprezado na natureza, observa ela.

Além das análises de resistência, foram feitas análises da água percolada, pois a mistura do solo com fibras poderia levar à sua contaminação ou à contaminação do lençol freático. Isso porque essas fibras se originam da celulose, matéria orgânica que se decompõe com o tempo. Com as chuvas, a mistura se infiltra pelo solo, afetando inclusive as águas subterrâneas. 

Daphne usou três porcentagens de fibras (5%, 10% e 15%) e averiguou que, nos ensaios das águas percoladas, quando aumentava a quantidade de fibra, os parâmetros também aumentavam, mas sem ultrapassar os limites. No caso da potabilidade da água – parâmetro que consiste em analisá-la para saber se o seu consumo é seguro, para evitar riscos à saúde –, o pH deveria estar entre 6 e 9. E assim se manteve, informa ela.

Segundo Daphne, o que faz com que o papel Kraft seja muito usado para ensaque é que o cimento adquire temperaturas tão altas que, mesmo após resfriamento e estocagem, acaba sendo expedido com temperaturas de até 60º C. 

Essa importante característica, de não alterar suas propriedades, colabora para que esse papel não seja apenas escolhido para ensacar o cimento. Também o arroz e o açúcar, entre outros produtos. 

Esses sacos, diz a mestranda, demonstram resistência ao rasgo e ao estouro, servindo para embalar produtos de grande porte, que acomodam cerca de 50 kg. Além de resultar de uma fibra longa de celulose, também podem ser confeccionados a partir de bambu e de madeiras como eucalipto e pinus.

 

Processo

Durante a reciclagem, Daphne tentou retroceder à etapa de quando os sacos eram fibras. Baseou-se num trabalho de 2009, do arquiteto Márcio Albuquerque Buson. Um problema identificado em trabalhos ainda anteriores, de acordo com ela, tem a ver com a permanência do cimento no saco. Se ele tiver contato com a água, fica hidratado e empedra, mantendo-se grudado na embalagem. Ao sair, leva consigo fragmentos do saco, impedindo reaproveitamento.

Como a proposta da engenheira foi o reúso dos sacos, ela experimentou a estabilização e a melhoria na resistência do solo, empregando areia e argila. A estabilização de um solo consiste em dotá-lo de condições que resistam às ações climáticas e aos esforços e desgastes induzidos pelo tráfego, sob as condições mais adversas. 

“A argila do solo de Campinas surtiu bons resultados: em torno de 50%, ao passo que a areia permaneceu como estava. Isso demonstrou que a fibra melhora as propriedades geotécnicas”, relata. 

Buson tinha sugerido um roteiro para reciclagem produzindo uma mistura para tijolos e paredes. Daphne fez modificações no processo para aplicar em estabilização, seguindo sugestão do orientador da sua dissertação, o professor Paulo José Rocha de Albuquerque, docente da FEC. Montou corpos de prova para fazer ensaios de resistência.

A engenheira utilizou fibra, solo (argila ou areia) e água, que foram aplicados diretamente para a obtenção dos corpos de prova. Conforme Buson, os solos apropriados deveriam ter por volta de 30% de argila. O solo de Campinas possuía 37% de argila e o de Paulínia 33%, mas este último tinha 50% de areia. O elevado teor de areia impediu que a argila agisse.

A mestranda percebeu que o grande desafio era lidar com a sobra de resíduos nos sacos, visto que as empresas de reciclagem não os aproveitam por causa do cimento que fica nas dobras. Elas preferem não interferir no processo por conta da contaminação, já que fica difícil limpar esses resíduos, expõe.

A contaminação ocorreria mais pelo cimento, por ele ser composto por produtos químicos que infiltram nos solos. Logo, acaba ocasionando impactos à saúde humana, desde a extração de matéria-prima, que gera degradação e contaminação da água e do solo, passando pela emissão de material particulado, causador de problemas respiratórios. 

Daphne constata que ainda hoje há muita sobra de cimento na construção civil e que muitos trabalhadores conscientes tentam usar a grande maioria do material, sem deixar o excedente de resíduos. Entretanto, há trabalhadores que jogam o cimento e nem se importam com a sobra nos sacos. 

 

 

Publicação

Dissertação: “Avaliação das propriedades geotécnicas de um solo argiloso e outro arenoso com adição de fibras de papel Kraft”
Autora: Daphne Rossana León Mogrovejo
Orientador: Paulo José Rocha de Albuquerque
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)
Financiamento: CNPq