Edição nº 576

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 23 de setembro de 2013 a 29 de setembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 576

Estudo sobre doença genética põe em xeque restrição calórica

Tese mostra que dieta pode fazer com que portador de hipercolesterolemia familiar desenvolva aterosclerose

A restrição calórica foi colocada sob suspeita em tese de doutorado defendida no Instituto de Biologia (IB). Pelo menos em portadores da hipercolesterolemia familiar, uma deficiência genética na qual as pessoas apresentam elevados níveis de colesterol. Experimentos desenvolvidos em animais, submetidos a uma dieta restritiva, apontaram que a saúde deles piorou. Eles engordaram e ficaram com os níveis de colesterol elevados, correndo o risco de desenvolver a aterosclerose, uma doença cardiovascular caracterizada pela formação de ateromas dentro dos vasos sanguíneos.

“Até hoje, essa restrição não tinha contra-indicações, pois como era possível comer 20% a menos e ainda engordar?”, questiona Gabriel de Gabriel Taffarello Dorighello, biólogo e autor da tese. O estudo, orientado pela docente do instituto Helena Coutinho Franco de Oliveira, foi realizado entre 2009 e 2011.

Conforme o pesquisador, é preciso muita cautela na hora de prescrever uma dieta baseada em um protocolo alimentar radical, como a da restrição calórica. Ela até pode fazer bem a maioria das pessoas, mas não necessariamente aos hipercolesterolêmicos. A hipercolesterolemia familiar é uma doença grave, cuja frequência é muito alta na população mundial: de 1 em 500.

A maioria dos portadores de hipercolesterolemia familiar apresenta mutação no gene do receptor de LDL. Essa deficiência tem repercussões em todo corpo, uma vez que todas as células do organismo necessitam de colesterol. Logo, a falta do receptor de LDL, ou a diminuição da sua função, acaba ocasionando um aumento do colesterol plasmático (sanguíneo).

Dessa maneira, o modelo animal utilizado no estudo era deficiente do receptor de LDL. Assim, o tecido não conseguia absorver o LDL tão bem e o colesterol se acumulava no sangue.

Os camundongos deficientes do receptor de LDL, além de apresentarem dislipidemia (aumento de colesterol e de triglicérides), exibiam também estresse oxidativo tecidual (formação excessiva de radicais livres) e intolerância à glicose. O biólogo pretendia corrigir tais distúrbios nos animais com a restrição calórica, um método muito praticado no âmbito científico, em que a quantidade de calorias na dieta é reduzida.

Na restrição calórica para humanos, a pessoa deve comer uma quantidade menor do que normalmente a saciaria. Essa restrição vem sendo estudada atualmente com o intuito de prevenir ou tratar distúrbios metabólicos. Pesquisas já demonstraram que a restrição calórica promove o emagrecimento, a redução do colesterol LDL e o aumento da tolerância à glicose.

 

Modelos

Gabriel analisou vários protocolos e usou um em que a ração era disponibilizada para os animais dia sim, dia não. No dia com ração livre, eles podiam comer à vontade e, na restrição, ficar em jejum o dia todo.

Apesar deste jejum prolongado ser criticado, em outros protocolos de restrição calórica os roedores também permaneciam longos períodos em jejum, ressalta o biólogo. Exemplo disso é o protocolo de restrição calórica diária, no qual é disponibilizada uma quantidade menor de ração do que habitualmente o camundongo comeria. Nesse quadro, eles se acostumam com a restrição e ingerem todo alimento rapidamente, ficando em jejum até o dia seguinte.

“É difícil conseguir fazer uma restrição calórica sem que o camundongo fique em jejum. Isso acontece mesmo com humanos, que, ao fazerem uma alimentação intermitente, um protocolo alternativo de restrição calórica, comem apenas uma vez ao dia”, compara o autor.

Gabriel procurou medir o consumo alimentar e notou que os animais não fizeram compensação no dia em que a dieta era livre. Não comeram o dobro, mas comeram mais, isso por conta da restrição, revela. Alguns animais fazem esse tipo de compensação, comenta ele, mesmo ficando o dia inteiro em jejum: no dia com ração livre, os animais comem um volume alimentar correspondente a dois dias.

Para surpresa do pesquisador, que esperava emagrecimento, a restrição calórica deixou os animais obesos, com depósitos adiposos viscerais e subcutâneos elevados. Eles também ficaram mais intolerantes à glicose e resistentes à insulina, o que caracterizou um quadro de diabetes, pois a glicemia estava de fato elevada.

Não foi somente isso. O colesterol plasmático aumentou quase 40%. No entanto, o estresse oxidativo estava reduzindo, de modo que os animais produziram menos radicais livres. Em consequência destes distúrbios metabólicos, a aterosclerose estava quase três vezes aumentada.

Ao analisar essa situação, o pesquisador concluiu que o jejum prolongado poderia de alguma forma estar afetando o metabolismo dos camundongos, uma vez que eles comem uma grande quantidade de ração em um curto período de tempo. Assim, após a alimentação são sintetizados muitos lipídios, entre eles colesterol, ácidos graxos, triglicérides. A gordura acaba ficando armazenada no tecido adiposo, no fígado e no músculo.

“Os camundongos sem o receptor de LDL, em restrição calórica, no dia com ração livre, comeram uma maior quantidade de ração e, assim, produziram mais colesterol. Isso explicaria o aumento de colesterol plasmático, que não é captado em função da falta de receptores. Além disso, a restrição calórica promoveu aumento na síntese e na secreção de triglicérides nos dias com ração livre, que a posteriori foi absorvida pelos tecidos adiposos, o que então explicaria a obesidade”, resume o biólogo.

Até o momento, menciona o pesquisador, não existiam estudos de restrição calórica em animais com deficiência do receptor de LDL (com colesterol alto). “É importante ressaltar que essa deficiência é assintomática, e, às vezes, alguns indivíduos somente descobrem a doença após serem surpreendidos pelo primeiro infarto.”

Devido à falta de estudos, não havia contra-indicações ao uso da restrição calórica, podendo então incorrer-se no erro de indicá-la a alguém com hipercolesterolemia familiar, agravando o quadro fisiológico desta pessoa. “Isso ocorreu num modelo animal e também pode ocorrer em humanos”, afirma. 

O biólogo acredita que, se o hipercolesterolêmico fizer restrição calórica, após longos períodos em jejum, irá ingerir quantidades maiores de alimentos, causando um aumento da síntese de lipídios e, provavelmente, gerando os mesmos distúrbios metabólicos observados nos camundongos.

A tese de Gabriel abre um leque para estudar os efeitos da restrição calórica em indivíduos não saudáveis. A expectativa do pesquisador é que novas investigações avaliem se os distúrbios causados pela restrição calórica aconteceriam em humanos hipercolesterolêmicos.

 

Curiosidade

Gabriel descobriu que tinha hipercolesterolemia familiar aos 17 anos, ao saber que alguns primos eram portadores dessa doença. Utiliza o medicamento estatina até os dias atuais, a fim de manter seu colesterol em níveis adequados.

Ele conta que começou a pesquisar doenças cardiovasculares na iniciação científica, no curso de Biologia da Unicamp. Desde 2002, atua no Laboratório de Metabolismo de Lípides, na área de Fisiologia.

 

A aterosclerose

É uma doença crônico-degenerativa caracterizada pela obstrução de vasos sanguíneos que forma ateromas, placas compostas especialmente por lipídeos que se acumulam na parede dos vasos, diminuindo o seu diâmetro. Esses lipídeos podem ser desenvolvidos pelo organismo ou obtidos da alimentação. Em casos extremos, pode ocorrer a obstrução de vasos vitais como os do coração e do cérebro.

Os sintomas dessa doença apenas aparecem quando os vasos sanguíneos estão prestes a ficar completamente obstruídos. Essa obstrução pode impedir a circulação de sangue para diferentes órgãos. São consequências da obstrução: artérias que irrigam o cérebro (acidente vascular cerebral); artérias coronárias que irrigam o coração (dor no peito ou infarto) e artérias que irrigam as pernas (dor ao caminhar, gangrena).

As pessoas com risco aumentado para a doença são as que apresentam pressão alta, obesidade, diabetes, estresse, tabagismo, alteração no colesterol e triglicérides, e vida sedentária. A obstrução dos vasos sanguíneos e artérias inicia na infância e se manifesta em grande medida na fase adulta.

 

 

Publicação

Tese: “Efeitos da restrição calórica e do 2,4 dinitrofenol sobre o metabolismo e desenvolvimento da aterosclerose em camundongos hipercolesterolêmicos”
Autor: Gabriel de Gabriel Taffarello Dorighello
Orientadora: Helena Coutinho Franco de Oliveira
Unidade: Instituto de Biologia (IB)

Comentários

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Muito bem Gabriel!!! Parabéns pela tese e pela dedicação de sempre!!!

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Parabéns, Gabriel!! Mto sucesso pra vc!!