Edição nº 573

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 02 de setembro de 2013 a 08 de setembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 573

Como crescer (e financiar) sem destruir?

Tese demonstra que apenas a autorregulação não é capaz de mover o capital do setor financeiro na direção da sustentabilidade ambiental

O dilema enfrentado pela economia capitalista de continuar crescendo infinitamente, quando os recursos naturais são finitos, é a questão abordada por Maria de Fátima Cavalcante Tosini, analista do Banco Central do Brasil (BCB), em tese de doutorado defendida na Unicamp. O estudo intitulado “A sustentabilidade ambiental no setor financeiro: da autorregulação à regulação” teve a orientação do professor Bastiaan Philip Reydon, do Instituto de Economia (IE).

“O uso mais eficiente dos recursos naturais e de processos produtivos menos danosos ao meio ambiente exige mudanças profundas na economia, o que requer grande volume de recursos financeiros. Contudo, o sistema financeiro, que deveria ser o fornecedor desses recursos, está em profunda crise. E os Estados, alguns falidos, não possuem condições de financiar a transição para uma economia ambientalmente sustentável”, observa Fátima Tosini na tese.

Segundo a pesquisadora, a problemática ambiental foi incorporada às teorias econômicas de forma ampla nos últimos 40 anos. Os pontos de partida foram o relatório do Clube de Roma (“Limites do Crescimento”) publicado em 1972 e a realização, no mesmo ano, da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente em Estocolmo. “A reflexão sobre como conciliar o crescimento econômico com a preservação de recursos naturais levou à construção do conceito de ‘desenvolvimento sustentável’ nos anos 1970”.

Citando Ademar Romeiro, a autora da tese explica que para ser sustentável o desenvolvimento deve ser economicamente sustentado (ou eficiente), socialmente desejado (ou includente) e ecologicamente prudente (ou equilibrado). “Segundo o relatório do Unep [United Nations Environment Programme] de 2011, a escala de financiamento necessária para a transição até uma economia verde é de U$ 1,3 trilhão por ano, o equivalente a 2% do PIB mundial. Estima-se que 80% deste capital viriam das instituições financeiras privadas – mas como levá-las a financiar a transição?” A analista comenta que nessas quatro décadas em que os mecanismos de mercado foram hegemônicos, os problemas ambientais cresceram continuamente e as crises financeiras são cada vez mais frequentes. “Na primeira parte da tese, faço uma abordagem teórica para mostrar que o uso exclusivo de mecanismos de mercado não é capaz de direcionar o capital financeiro para investimentos seguros, incluindo atividades e projetos ambientalmente sustentáveis. O sistema financeiro não consegue se autorregular.”

A pergunta que Fátima Tosini colocou para si mesma é se cabe ao Estado regular os aspectos ambientais no sistema financeiro para que este se torne, efetivamente, o intermediador dos recursos. “Uma dificuldade para a abordagem teórica é que a literatura trata desses temas separadamente. O único autor que analisa questões ambientais, sociais e financeiras de forma conjunta é Karl Polanyi, mas em linguagem própria da época, a década de 1940, quando o problema ambiental não tinha essa dimensão de agora.”

A pesquisadora explica que Polanyi considerava o meio ambiente como natureza, os aspectos sociais como relativos ao mercado de trabalho e o setor financeiro com foco em seu produto, o dinheiro. “Mesmo assim, ele foi um visionário. Enxergou com muita antecedência que natureza, trabalho e dinheiro eram essenciais para o funcionamento da economia capitalista, e que esses três elementos não poderiam ser mercantilizados, ou seja, regidos pelos mecanismos de mercado, o que levaria ao caos. E que o Estado deveria regular.”

A “teoria do duplo movimento”, acrescenta a economista do BCB, ajudou-a a entender como os aspectos ambientais foram inseridos no setor financeiro, por meio da autorregulação. “De um lado, a sociedade se movimenta exercendo pressão para proteger seus valores, direitos e a natureza; e do outro, o mercado faz um contra-movimento, instituindo a autorregulação, na tentativa de manter os elementos essenciais da economia e reger natureza, trabalho e dinheiro sem a presença do Estado.”

Na opinião de Fátima Tosini, a teoria de Polanyi é confirmada pelos movimentos sociais em defesa do meio ambiente a partir da década de 70, que coincidem com o contra-movimento do mercado em busca da autorregulação. “O sistema financeiro passou a estabelecer critérios para a concessão de crédito, movimento que cresceu muito a partir de 2003, com a adoção dos ‘Princípios do Equador’ pelos maiores bancos do mundo. Esse acordo estabeleceu como padrão global que os projetos financiados sejam desenvolvidos de forma social e ambientalmente responsável.”

Este padrão foi adotado em vários países e a pesquisadora atenta que o Brasil, especificamente, vivia um momento de grande avanço dos bancos estrangeiros, que para cá trouxeram os mesmos princípios, induzindo os nacionais a seguir seus passos. “A adesão de grandes conglomerados financeiros como Banco do Brasil, Itaú e Caixa foi significativo para a introdução da autorregulação no nosso sistema. Vale ressaltar que não se trata de crédito comum e sim de ‘project finance’, inicialmente de 50 milhões de dólares e depois reduzido para 10 milhões”.

PESQUISA DE FÔLEGO

Para chegar à conclusão de que a autorregulação, por si só, não é capaz de mover o capital do setor financeiro na direção da sustentabilidade ambiental, a economista realizou pesquisa de fôlego tanto no âmbito nacional como internacional. No Brasil foram colhidas informações de 16 instituições financeiras, com pesquisa de campo em nove delas: Bradesco, Itaú Unibanco, Santander, Citibank, Rabobank, BNDES, Caixa, Banco do Brasil e a Agência de Fomento de Desenvolvimento Paulista (Desenvolve SP). A autora coordenou essa pesquisa nacional como funcionária do Departamento de Normas do BCB, no âmbito de um projeto corporativo denominado “Responsabilidade socioambiental do sistema financeiro”, que incluiu um workshop.

“Se por um lado, a pesquisa identificou falhas e ausência de padrão mínimo nas práticas socioambientais dos bancos, por outro, o workshop possibilitou que instituições financeiras de diversos segmentos e associações fossem ouvidas. Uma das questões discutidas foi se o Banco Central não deveria, em sua competência de regulador, criar normas estabelecendo um padrão mínimo de práticas socioambientais para as instituições do Sistema Financeiro Nacional”, informa Fátima Tosini.

No plano internacional a pesquisa consistiu de visitas, entrevistas e análises de informações sobre práticas ambientais disponibilizadas por dez bancos e uma cooperativa de crédito de seis países. A pesquisa de campo, entrevistando 15 organizações, se deu no mercado de Londres. Eram dois os objetivos da autora: avaliar se a autorregulação conseguiu induzir o sistema financeiro a se tornar intermediador de recursos; e fazer uma comparação com países que adotaram a regulação – como Coreia do Sul, China, Indonésia, Nigéria e Bangladesh, participantes de um fórum em Pequim. “As pesquisas indicam que os países mais bem-sucedidos são aqueles que têm os aspectos ambientais regulados pelo Estado, com a adoção de políticas de comando e controle – ‘isso pode, isso não pode’ – e de incentivos econômicos. Conclui-se que é preciso regular não apenas o sistema financeiro; é preciso uma regulação coerente com a do setor produtivo. Cria-se assim um ambiente institucional favorável, no qual a autorregulação, que teve um papel importante no processo de conscientização da problemática ambiental, torna-se um complemento importante”, diz a pesquisadora.

AS CONTRADIÇÕES

Outra observação da economista é que o setor financeiro possui uma lógica e uma dinâmica próprias, em busca de alta liquidez e no curto prazo, ao passo que as práticas ambientalmente sustentáveis são intensivas em capital financeiro, com resultados de longo prazo e com grande grau de incerteza. “Por isso, se o Estado não regular as práticas no setor e não criar incentivos econômicos para reduzir essa incerteza, não há como mover o capital rumo à sustentabilidade; ele só vai se for induzido.”

Fátima Tosini aponta ainda as contradições existentes dentro do próprio Estado, como a de estabelecer uma política de redução da emissão de gases de efeito estufa e, ao mesmo tempo, criar incentivos enormes para a exploração de petróleo e gás, vilões das mudanças climáticas. “É o caso do Brasil, onde há regulação do setor financeiro e do setor produtivo, mas uma regulação esquizofrênica. A usina de Belo Monte é mais um exemplo dessa esquizofrenia, com o governo atraindo investimentos de porte do setor financeiro na construção, apesar dos esperados impactos ambientais. Isso acontece também em países adiantados em relação a incentivos para uma matriz energética mais sustentável e que, no entanto, subsidiam o petróleo.”

Publicação
Tese: “A sustentabilidade ambiental no setor financeiro: da autorregulação à regulação”
Autora: Maria de Fátima Cavalcan-te Tosini
Orientador: Bastiaan Philip Reydon
Unidade: Instituto de Economia (IE)