Edição nº 567

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 01 de julho de 2013 a 28 de julho de 2013 – ANO 2013 – Nº 567

Quando o particular prevalece sobre o geral

Estudo constata que políticas sobre mudanças climáticas privilegiam interesses nacionais

Os acordos internacionais sobre mudanças climáticas não exercem grande influência na elaboração das políticas públicas nacionais voltadas ao tema. Com frequência, os países definem suas legislações e programas de modo a priorizar interesses próprios, o que cria uma falta de sintonia no plano global. A conclusão é do geógrafo Fabiano de Araújo Moreira, que analisou a questão em sua dissertação de mestrado, defendida recentemente no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. O trabalho, que teve orientação da professora Claudete de Castro Silva Vitte, comparou as políticas adotadas por Brasil e México como ponto de partida para uma reflexão mais geral sobre o assunto.

Moreira, que fez graduação na própria Unicamp, conta que escolheu o México para confrontar com o Brasil por dois motivos principalmente. Primeiro, porque ele integra um grupo de pesquisa do IG que estuda a América Latina. Segundo, porque aquele país tem se posicionado na vanguarda das ações relacionadas às mudanças climáticas, tomando como referência as nações em desenvolvimento. “O México foi o segundo país no mundo e o primeiro entre as nações em desenvolvimento a definir uma política vinculada à Convenção das Mudanças Climáticas, definida durante a ECO-92 [Conferência Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro]”, informa o pesquisador.

Esta iniciativa, conforme Moreira, é emblemática no que se refere à diferença de postura entre os dois países frente à temática das mudanças climáticas. O Brasil, por exemplo, optou por formular uma legislação que não mantivesse vínculo com os preceitos defendidos na Convenção das Mudanças Climáticas. “As autoridades brasileiras decidiram adotar essa estratégia para evitar que o país pudesse ser posteriormente cobrado pela comunidade internacional. Ou seja, estabelecendo metas próprias, desvinculadas do acordo internacional, o Brasil se liberou do compromisso de prestar contas sobre o cumprimento ou não dos objetivos estabelecidos”, explica.

A legislação brasileira foi promulgada em 2009 e definiu como principal meta a redução das emissões de gases de efeito estufa a taxas que variam de 36,1% a 38,9%, tendo como horizonte o ano de 2020. “As autoridades optaram por fixar uma diretriz geral, dando pouca ênfase a setores como transporte, agricultura e indústria. Um aspecto importante sobre essa decisão é que ela foi baseada principalmente na redução do desmatamento na Amazônia e no Cerrado – setor com maiores índices de emissões de gases estufa no país –, processo que já vinha acontecendo. Na prática, o país somente fez constar na lei as ações que estavam sendo praticadas, sem assumir nenhum outro grande compromisso”, pontua o autor da dissertação.

Moreira lembra que a lei brasileira nasceu num contexto específico. O país vivia o período anterior ao da campanha eleitoral para a Presidência da República. O tema do meio ambiente, que estava ausente dos discursos dos virtuais candidatos, somente foi colocado na agenda com o lançamento da candidatura de Marina Silva, então no Partido Verde (PV). “O assunto não integrava sequer a pauta do Ministério das Relações Exteriores. Com a entrada de Marina Silva na disputa eleitoral, porém, os demais candidatos se sentiram obrigados a também falar sobre a questão ambiental, bem como o governo federal se viu forçado a debater e a elaborar uma legislação específica para o setor”, relata.

Um dado importante sobre a lei promulgada pelo Brasil, prossegue o geógrafo, é que ela levou em consideração o cenário denominado business as usual, que projetou uma taxa de crescimento para o país e associou a redução das emissões de gases de efeito estufa a esse índice. “Isso abre a possibilidade de o país rever as suas metas para baixo, por exemplo, dado que o crescimento previsto pode não se aproximar do crescimento real”, adverte Moreira. Na avaliação do pesquisador, até aqui a legislação nacional trouxe poucos benefícios efetivos à preservação do ambiente.


México

No México, observa o autor da dissertação, os debates que levaram à formulação da lei sobre mudanças climáticas ocorreram num contexto diferente do verificado no Brasil. Ele destaca que aquele país tem sofrido nos últimos anos com a repetição de eventos extremos, como secas, inundações e furacões, fenômenos relacionados pelos cientistas às alterações no clima. “Por sentirem esses problemas na pele, os mexicanos vêm debatendo e desenvolvendo políticas relativas ao tema há mais tempo. Isso fez com que o país assumisse uma posição de vanguarda e formulasse uma lei bastante avançada”, considera o autor da dissertação.


Segundo ele, o México entendeu inicialmente que não deveria definir metas, pois precisaria avaliar a situação do país, colher dados científicos, debater a questão com a sociedade e amadurecer as ideias. Superada essa primeira etapa, aí sim o país elaborou a lei, que não focou suas diretrizes num único ponto, como fez o Brasil. “As emissões de gases de efeito estufa por parte do México têm características semelhantes às das emissões das nações desenvolvidas. Isto é, a participação dos setores, como transporte, indústria, agricultura e desmatamento, é equivalente. Justamente por causa desse quadro é que o país decidiu estabelecer objetivos igualmente equivalentes para eles”, esclarece.

De modo geral, o México decidiu que fará esforços para reduzir as emissões de gases de efeito estufa na ordem de 30% até 2030 e de 50% até 2050, tendo como referência o ano de 2000. “Vale destacar que as metas mexicanas foram vinculadas aos termos da Convenção das Mudanças Climáticas, o que significa que o país será acompanhado e poderá ser posteriormente cobrado pela comunidade internacional”, pontua Moreira. De acordo com ele, a lei mexicana é bem mais completa que a brasileira. O texto define, entre outros pontos, a criação de fundos para financiar os programas e a constituição de comitês para pesquisar, organizar e executar as ações.

Ao ser questionado sobre o possível maior engajamento dos mexicanos nas ações de preservação do ambiente, o geógrafo pondera que esse talvez não seja o termo mais adequado para definir a postura daquela sociedade. “Eu participei de um intercâmbio e tive a oportunidade de passar dois meses na Universidade Nacional Autônoma do México, onde realizei parte da minha pesquisa. O que pude verificar é que aquela sociedade tem uma percepção mais apurada sobre como o país é afetado pelos eventos extremos, que costumam ser associados às mudanças climáticas. Lá, ocorre uma forte migração interna por causa dos repetidos episódios de secas e inundações”, exemplifica.

Após confrontar os casos de Brasil e México e considerar as experiências de outros países, Moreira concluiu que os acordos internacionais não estão direcionando eficazmente as políticas dos países relativas às mudanças climáticas. “Os países defendem primeiramente os interesses nacionais. Alguns fazem mais e outros menos, mas todos querem fazer prevalecer a sua soberania. Evidentemente que isso traz consequências, pois as ações não são coordenadas e a soma das partes não resulta num todo coerente e eficaz”, analisa. Nas discussões que teve oportunidade de travar com pesquisadores do Brasil e do exterior, o autor da dissertação, que contou com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), diz ter identificado uma posição majoritária da comunidade científica de que seria necessário criar um órgão internacional que balizasse as políticas nacionais e estabelecesse sansões para aqueles que descumprissem os compromissos assumidos.

Apesar disso, completa Moreira, esses mesmos pesquisadores reconhecem que a ideia de constituição desse órgão navega no mar da utopia. “Isso certamente mexeria com os interesses e a soberania dos países. Como sabemos, dificilmente eles estariam dispostos a abrir mão de pontos que consideram fundamentais”. Em sua dissertação, o geólogo aproveita para fazer uma reflexão sobre o discurso do desenvolvimento sustentável, que ganhou força notadamente a partir dos anos 1990. “Esse discurso promoveu a estratégia de naturalizar e ecologizar a exploração da natureza. Dito de outro modo, foram criadas justificativas para a exploração dos recursos naturais, sob a promessa de crescimento e da definição de mecanismos de ‘compensação’. O que precisamos discutir é se queremos esse tipo de desenvolvimento, que tem na sua base a destruição da natureza. Precisamos decidir se queremos crescer preservando de fato ou explorando o ambiente. Temos que pensar no limite da exploração da natureza e no legado que pretendemos deixar às futuras gerações”, defende Moreira.


Publicação
Dissertação: “Brasil e México no regime ambiental internacional sobre mudanças climáticas: avanços e desafios em suas políticas nacionais e o discurso do desenvolvimento sustentável”
Autor: Fabiano de Araújo Moreira
Orientadora: Claudete de Castro Silva Vitte
Unidade: Instituto de Geociências (IG)
Financiamento: CNPq

Comentários

Comentário: 

Parabéns pelo trabalho.
Não sei se consta de sua bibliografia, mas vale a pena ler 'COLAPSO" - como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso - Jared Diamond.
Ver vídeo de 18 minutos em https://www.ted.com/talks/lang/pt-br/jared_diamond_on_why_societies_colla...
Atenciosamente,
Tomaz