Edição nº 555

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 25 de março de 2013 a 25 de março de 2013 – ANO 2013 – Nº 555

Game é utilizado em atividades de crianças
com paralisia cerebral

Fisioterapeuta investiga resultados decorrentes do
uso de jogos na função motora

O desenvolvimento tecnológico tem permitido a utilização cada vez maior de sistemas de jogos de realidade virtual especificamente concebidos para a instrumentação e complementação de processos empregados nas terapias destinadas ao desenvolvimento ou recuperação de habilidades motoras. Estudos têm comprovado que esses equipamentos auxiliam no desenvolvimento de novos programas motores no cérebro, que permitem que o indivíduo com algum comprometimento cerebral consiga aprender e desenvolver determinados movimentos funcionais. A constatação desses benefícios tem levado fisioterapeutas a adotar jogos virtuais de uso convencional para o desenvolvimento de programas motores cerebrais que, aplicados ao longo do tempo, possam permitir aprendizados motores nas pessoas com paralisias cerebrais.

Resultados promissores têm motivado pesquisadores a analisarem o uso do videogame Nintendo Wii em terapia sensório-motora em vista de seu pioneirismo na nova geração de games a utilizar sistema de realidade virtual para promover movimentos corporais. Apesar de amplamente utilizado no Brasil em clínicas e ambulatórios de fisioterapia de diversas áreas, particularmente a neurológica, verifica-se a escassez de estudos que comprovem os efeitos desse tipo de intervenção na população com paralisia cerebral (PC).

Estas constatações levaram a fisioterapeuta Poliana Chiemi Yamagute Costa a se propor a estudar os resultados decorrentes do uso do Nintendo Wii como atividade motora complementar nos portadores de Paralisia Cerebral Espástica Diparética. Para estes casos ela entende que esta abordagem, conhecida como Wiireabilitação, só pode ser considerada método terapêutico eficaz se baseado em evidências que revelem seus reais efeitos.

Em vista disso, o seu trabalho teve como objetivo analisar as mudanças que o uso do sistema de realidade virtual Nintendo Wii pode provocar, quando associado à fisioterapia convencional, na função motora grossa, mais especificamente, no alinhamento postural e nos equilíbrios estático e dinâmico de crianças e adolescentes com PC diparética com marcha independente, ou seja, capazes de caminhar sem suporte externo. Inserido dentro de uma linha de pesquisa desenvolvida no Laboratório de Atividade Motora Adaptada (LAMA), em conjunto com o antigo Laboratório de Avaliação Postural e Eletromiografia, da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp, o trabalho experimental foi realizado, durante três meses, junto a doze crianças de oito a quinze anos de ambos os sexos que vinham sendo submetidas à terapia convencional no Ambulatório de Fisioterapia em Neurologia Infantil do Hospital de Clínicas da Unicamp. Embora essa ferramenta seja bastante utilizada, o estudo orientado pelo professor Edison Duarte, segundo a pesquisadora, é o primeiro realizado sobre o tema no Brasil.

A Paralisia Cerebral (PC) acomete pessoas que sofreram algum tipo de lesão cerebral que desencadeia problemas motores que podem atingir diferentes e várias partes do corpo. Constitui a desordem de maior prevalência que acomete a função motora de crianças e interfere em suas atividades diárias, o que a torna foco de pesquisas na área de reabilitação neuromotora. No caso estudado, a PC espástica, as crianças apresentam aumento do tônus muscular, fraqueza muscular e comprometimento do controle motor seletivo, gerando alteração de movimento e deformidades articulares como, por exemplo, rigidez nos pés. A forma diparética atinge mais o tronco e os membros inferiores, mas seus portadores conseguem desempenhar movimentos mais complexos, embora não disponham de força muscular suficiente para um controle adequado, o que acarreta déficit de equilíbrio e controle postural.

EXPLICAÇÕES
As lesões cerebrais que afetam as crianças e geram PC são basicamente de três tipos: a pré-natal, que ocorre durante a gravidez e pode ser decorrente de problemas orgânicos da gestante ou de fatores externos como infecções; a perinatal, devido a intercorrências durante o parto; e a pós-natal, que pode se manifestar até dois anos após o parto, e devida a algum acidente com a criança que gere falta de oxigenação do cérebro.

A lesão do cérebro gera comprometimentos neuromusculares e musculoesqueléticos. O comprometimento neuromuscular ocorre pelo fato de o comando do cérebro não ativar adequadamente os músculos provocando em decorrência, com o tempo, modificações nas fibras musculares que desencadeiam comprometimentos musculoesqueléticos. Constituem exemplos as crianças que exibem deformidades, que se manifestam em geral primeiramente nos pés, o que as leva a andar na ponta deles ou em agachamento, ou seja, com os pés fletidos. Em vista desse mecanismo, o controle postural torna-se deficitário e altera o desempenho de habilidades motoras, como controle do equilíbrio, por exemplo, explica a autora. São essas duas necessidades que a terapia procura suprir.

A utilização de sistemas de realidade virtual especificamente desenvolvidos tem servido mais para uso em pesquisas de laboratório para trabalhar problemas específicos como, por exemplo, o controle motor seletivo. Eles são utilizados para treino de movimentos funcionais como pegar um determinado objeto. Para o desenvolvimento desses tipos de funções, os sistemas virtuais desenvolvidos são mais complexos e sofisticados que os utilizados em videogames. Os exercícios que eles propõem geram mudanças no cérebro que permitem o aprendizado de determinadas tarefas. A conjunção de movimentos propostos pelos jogos virtuais com a visualização simultânea destes movimentos ativa o sistema de neurônios-espelho no cérebro, facilitando a construção de programas motores, ou seja, o aprendizado de novos movimentos. Em vista disso, a fisioterapia busca utilizar os métodos mais adequados para o enfrentamento dos déficits apresentados pelos pacientes.

A PESQUISA
Para efeito comparativo, Poliana distribuiu as doze crianças em grupos de seis, submetendo um deles a apenas a terapia convencional e o outro a fisioterapia e à Wiireabilitação. Ela comparou então o desenvolvimento da função motora grossa nesses dois grupos, que é muito trabalhada na fisioterapia convencional. A função motora grossa envolve o dia a dia funcional de uma criança: descer e subir escadas, levantar e sentar, equilibrar-se em pé e em um só pé, por exemplo. A pesquisadora explica seu foco: “Nos dois grupos procurei avaliar o alinhamento postural e o equilíbrio e se a melhora nesses dois aspectos influiria na mudança da função motora grossa, porque melhoras na postura e no equilíbrio não necessariamente determinam mudanças nas diversas habilidades da função motora grossa. O desalinhamento postural se manifesta pelo andar mais agachado ou em ponta de pé e pela inclinação maior do corpo para um dos lados, o que gera desequilíbrio”.

CONCLUSÕES
No período máximo de três meses, em 20 sessões, em que as crianças foram submetidas à Wiiterapia notou-se melhora na função motora grossa envolvendo movimentos realizados no dia a dia, porém estes resultados não foram estatisticamente significantes.

No teste em que se pretendeu verificar quanto a criança oscila para os lados e para frente e para trás na postura em pé, constatou-se que no grupo de fisioterapia ocorreu um aumento dessa oscilação enquanto o grupo do Wii conseguiu apresentar melhora, ou seja, redução da oscilação corporal. Constatou-se ainda que nesse período nenhum dos grupos apresentou melhora no alinhamento postural e nem alteração na distribuição da carga corporal nos pés, pois em geral essas crianças apresentam uma carga maior na parte anterior dos pés, além de maior concentração de peso em um deles.

A ideia inicial da pesquisa de Poliana era o de obter resultados que corroborassem a eficácia do emprego do Wiireabilitação como ferramenta de apoio na fisioterapia de crianças com PC Espástica Diparética. Surpreendeu-a o fato de que, embora o método seja muito utilizado no Brasil e no mundo, não existam evidências que justifiquem o seu emprego para os objetivos a que se propõe. Pelo menos quanto à sua utilização pelo período de dois a três meses, com o emprego de duas sessões semanais. Talvez, ressalva ela, o método possa proporcionar mais benefícios se aplicado durante mais vezes por semana ou por período maior. E enfatiza: “Isso precisaria ser avaliado por outras pesquisas. Os meus resultados me permitem afirmar que as mudanças observadas foram a melhora significativa do equilíbrio estático e a melhora da função motora grossa. Se o objetivo da terapia é o de melhorar esse equilíbrio e a função motora grossa, a ferramenta é indicada, mas para modificar o alinhamento postural e o equilíbrio dinâmico recomenda-se a utilização de outros métodos. É sabido, entretanto, que o processo traz benefícios para diversos tipos de disfunções motoras”.

A hipótese inicial do estudo era a de que trabalhando simultaneamente com a terapia convencional e a Wiireabilitação ocorresse melhora maior tanto de equilíbrio estático e dinâmico, quanto de alinhamento postural, quanto de função motora grossa em relação ao grupo que só fizesse terapia convencional. Na verdade verificou-se a melhora do equilíbrio estático e da função motora grossa. Entretanto, ela sugere que “esta intervenção seja utilizada como adjunto terapêutico, notando-se a necessidade de associá-la com treinamento de alinhamento postural e fortalecimento muscular isolados, fatores fundamentais para otimizar o controle postural e permitir estratégias de movimento adequadas”.

Publicações
Dissertação: “Avaliação e intervenção: análise dos efeitos da Wiireabilitação em crianças e adolescentes com Paralisia Cerebral Espástica Diparética”
Autora: Poliana Chiemi Yamagute Costa
Orientador: Edison Duarte
Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)