Edição nº 548

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 03 de dezembro de 2012 a 09 de dezembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 548

Perfil


 

O técnico, os rótulos da RDA,

a recuperação de tubos de

laser e os vídeos com experimentos

 

Funcionário do IFGW, João Pereira  de Góes Filho

 mantém site e produz filmes para estudantes

 

 

Quando João Pereira de Góes Filho esteve na Alemanha, em 1988, nem se cogitava a queda do Muro de Berlim. Mas, perspicaz, Góes registrou aquela fase que precedeu a divisão e publicou, muitos anos depois, as fotos em seu site, Praia do Góes. Entre os registros, destaca-se uma coleção de rótulos de produtos da então Alemanha Oriental (RDA), comunista. O colorido da página interna não pretende ser mais uma expressão artística-visual, mas revela uma faceta do governo da época ao mostrar a impressão de preços nos rótulos dos produtos. Em alguns utensílios como garfos, facas, canetas os preços eram fundidos. “De quase tudo o que comprava, eu tirava o rótulo das embalagens e levava comigo. Para mim, era novidade, pois no Brasil não havia esse controle”, explica.

A paisagem homogênea destacada pelo tom cinza das fachadas tornava ainda maior a distância entre ele e sua esposa, Jemima, em seu primeiro ano de casamento. As imagens também revelam a ausência de veículos nas ruas. Em 1996, quando voltou à Alemanha para um breve estágio no Laboratório de Óptica da Universidade de Osnabrück, foi até o antigo lado oriental e encontrou as ruas coloridas. As imagens registradas por ele representam uma paisagem urbana propiciada por um muro que durante muito tempo acirrou as diferenças entre alemães ocidentais e orientais, que com a abertura passaram a escolher suas próprias cores.

“VEB – Empresa de Propriedade do Povo”. Essas inscrições em alemão, também impressas nos rótulos, chamaram a atenção do técnico. A publicação dos rótulos em sua página eletrônica chamou a atenção de amigos e até mesmo de desconhecidos da Alemanha. “Uma senhora mandou um e-mail dizendo que apreciar as fotos é como me ver contando a história. Isso me deixou muito contente.”

Técnico no Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp, Góes foi encaminhado à Alemanha para realizar um estágio dentro do Acordo do Café, um programa de cooperação entre os governos brasileiro e alemão oriental. O convite foi feito pelo professor Geraldo Mendes, na época um dos pesquisadores do Grupo de Óptica do IFGW, já que o funcionário se dedicava ao aprendizado da língua alemã. Foram sete meses de saudades por não aproveitar o primeiro ano de casado, mas, por outro lado, foi uma experiência importante e rara para um funcionário que já havia iniciado os estudos da língua alemã. Na volta, seu sacrifício foi reconhecido pelo IFGW, com direito a nova classificação na carreira de funcionários.

Quando estava na Alemanha, em 1988, recebeu uma carta do professor Artêmio Scalabrin para fazer um estágio na área de limpeza e manutenção de bomba de vácuo turbomolecular na empresa Balzers, no Principado de Lichtenstein, já que se encontrava na Europa. Na época, Góes trabalhava no Laboratório de Recuperação de Lasers do IFGW com mais dois técnicos. O laboratório tinha sido fundado pelo professor Carlos Argüello no final da década de 1970 e o trabalho era de manutenção e recuperação dos tubos de laser utilizados por pesquisadores do IFGW. “Jamais se saberá a quantia economizada nos cofres públicos por meio de nosso serviço de recuperação de tubos de laser ao longo de toda a existência do LRL, afinal, estou falando de aparelhos que custavam milhares de dólares”, enfatiza Góes.

Durante 20 anos de existência do LRL/IFGW, os técnicos se ocuparam com a manutenção da parte elétrica da fonte de alimentação e alinhamento do sistema óptico dos lasers, além da recuperação dos tubos de gás. Somente a limpeza e o alinhamento óptico custariam US$ 100 por hora caso entregues a um representante no Brasil das empresas norte-americanas fabricantes.  “A recuperação dos tubos de gás dos lasers foi, sem dúvida, um dos serviços mais interessantes que esta Universidade já teve e um grande privilégio do IFGW. Imagine você pegar um tubo de laser velho considerado já totalmente inútil – morto, como era o termo que usávamos – e colocá-lo para funcionar novamente em um trabalho de pesquisa científica no IFGW”.

Outro grande benefício mais difícil ainda de se avaliar, resultado da eficiência no suporte à pesquisa, foi a continuidade do trabalho do pesquisador, já que não precisavam esperar a visita de técnicos das empresas e tinham os aparelhos imediatamente substituídos por outros recuperados pelos profissionais do LRL. Até hoje Góes lembra um episódio em que a professora Vólia Lemos precisava substituir um laser que teria parado de funcionar em seu laboratório. Góes respondeu que acabava de recuperar um, mas estava em observação. Diante da resposta, Vólia pediu: “Pois eu sou uma ótima observadora. Por favor, instale-o em meu laboratório no lugar daquele que não está funcionando.” E assim era o dia a dia, além dos fins de semana dedicados ao acompanhamento dos tubos que ficavam no sistema de vácuo, os quais não raramente acabavam com uma boa prosa e um ótimo café feito pelo professor Helion Vargas que também aparecia em seu laboratório em fins de semana.

Quando Góes foi transferido do Instituto de Química para o Grupo de Lasers do IFGW, a grande maioria dos lasers era de argônio, havia diversos pequenos de hélio-neônio e apenas um de criptônio. Ele explica que uma espera por liberação na alfândega naquela época seria o suficiente para alterar a pressão, já que os tubos de gás variavam a pressão interna por diversos motivos e, por causa dessa variação de pressão, eles alteravam a potência de saída da luz laser ou simplesmente não emitiam luz. Havia, portanto, sentido em manter toda uma infraestrutura para otimizar a pressão do gás dos lasers.  Já para a recuperação tinham de desmontar totalmente o tubo para poder limpar e descontaminar. “Usávamos emissor de radiofrequência e alta corrente nos catodos para liberar os contaminantes, enquanto as bombas de vácuo puxavam o gás contaminado.

Depois de limpar, inclusive as janelas em ângulo de Brewster que tirávamos e colávamos novamente, colocávamos o gás novo e fazíamos a otimização da pressão”.

O trabalho era empírico e culminava na ampliação do tempo de vida útil, pois lasers que durariam cinco anos chegavam a durar dez. Um deles, de argônio, da empresa Spectra-Physics, chegou a durar 15 anos. A potência deles não ficava como a original de fábrica, mas eram muito úteis para pesquisadores que precisavam exatamente da potência do laser recuperado.

Quase dez anos depois da experiência na Alemanha, o laboratório foi extinto, pois o IFGW já contava com equipamentos modernos e a velha geração de tubos já não tinha mais condições de recuperação. Assim, os préstimos do Góes, pelo menos naquele lugar, não tinham mais razão de ser.

Com uma dose de nostalgia, teve de se transferir para outra área, o Laboratório de Ensino de Física, na qual também busca motivos que tornem os dias de trabalho mais prazerosos. Um deles é a produção de vídeos com conteúdo de experimentos a ser abordados em aulas. “Tenho um filho jovem e percebo que para os estudantes de hoje, em determinadas situações, o vídeo é mais atrativo que um calhamaço de coisas para se ler”, explica.

A ideia surgiu quando precisou desenvolver um site de divulgação científica para seu trabalho de conclusão de curso para a especialização em jornalismo científico do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp. O que seria apenas um trabalho de conclusão acabou tendo continuidade, diante da aceitação de docentes dos cursos que passam pelo laboratório. “O tema ‘Ciência, Tecnologia e Sociedade’ me fascina. Pensei em fazer algo que despertasse nos estudantes o desejo de conhecer um pouco a história da ciência e que ao mesmo tempo pudesse servir de material de apoio nas disciplinas, o mais próximo possível da realidade do dia a dia deles”.

O endereço do Praia do Góes é  (https://sites.ifi.unicamp.br/goes).

Comentários

Comentário: 

Parabéns Góes. Vc é um exemplo que faz ainda acreditarmos no funcionalismo público. Abraço