Edição nº 545

Nesta Edição

1
2
3
4
5
6
8
9
10
11
12

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 05 de novembro de 2012 a 11 de novembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 545

Estudo aponta peso de variações
genéticas no melanoma cutâneo

Portadores de formas específicas de genes
têm até três vezes mais chances de desenvolver a doença

 

O corpo humano possui 350 bilhões de células que se dividem normalmente todos os dias. Os mecanismos de reparo do DNA e de morte celular são responsáveis pela manutenção saudável das células. Entretanto, basta uma escapada dos controles de crescimento e diferenciação para dar origem a uma célula anormal que pode levar ao câncer.

O câncer é a segunda principal causa de morte em todo o mundo, representando cerca de 17% dos óbitos de causa conhecida, segundo dados de 2011 do Ministério da Saúde.

O câncer de pele é o tipo mais comum. O melanoma cutâneo é um tumor de pele com baixa incidência – representa 5% dos tumores de pele –, mas de alta letalidade.

A bióloga e doutoranda Cristiane de Oliveira debruçou-se sobre este assunto desde o seu projeto de iniciação científica. Em julho de 2012, defendeu o mestrado no qual apresentou a influência dos polimorfismos P53 ARG72PRO, MDM2 T309G, BCL2 C(-938)A e BAX G(-248)A relacionados com a morte celular na susceptibilidade herdada ao melanoma cutâneo.

O estudo avaliou a influência dos polimorfismos P53 ARG72PRO, MDM2 T309G, BCL2 C(-948)A e BAX G(-248)A no risco do melanoma cutâneo. Polimorfismos gênicos são variações genéticas. Segundo dados da pesquisa, portadores das formas específicas dos genes têm até três vezes mais chances de desenvolver o melanoma cutâneo do que os demais.

A pesquisa, orientada pela médica Carmen Silvia Passos Lima, da Disciplina de Oncologia Clínica do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp foi realizada com pacientes do Hospital de Clínicas (HC) e doadores de sangue do Hemocentro da Unicamp e ganhou o prêmio de melhor trabalho apresentado na Jornada de Patologia do Hospital A. C. Camargo, de São Paulo, em agosto deste ano.
“Foram identificados, no estudo, indivíduos de nossa população com maior predisposição herdada para desenvolver melanoma cutâneo. Esses indivíduos receberam de seus ancestrais genes menos ativos no reparo de lesões cutâneas causadas por raios ultravioleta da luz solar ou na morte de células lesadas”, disse a médica Carmen Silvia Passos Lima.

Melanoma

O melanoma cutâneo acomete predominantemente indivíduos com pele, cabelos e olhos claros, com dificuldades de bronzeamento e propensão a queimaduras solares. A incidência do melanoma cutâneo aumenta com a idade, sendo que média de idade dos pacientes com diagnóstico é de cerca de 50 anos. Os homens são mais acometidos pelo tumor do que as mulheres.

Usualmente, o melanoma cutâneo se apresenta como uma lesão de pele com algumas das seguintes características: assimetria, bordas irregulares, variações de cor e aumento ou regressão em seu tamanho ao longo do tempo. Em homens de pela clara, os locais mais frequentes da doença são o dorso e os membros superiores; em mulheres também de pele clara, o dorso e os membros inferiores são os locais mais acometidos. Em negros e asiáticos, as regiões palmo plantar, o leito ungueal e as mucosas são mais afetadas.

Estima-se que até 65% dos casos de melanoma cutâneo estão relacionados à exposição solar. A exposição crônica à radiação solar ultravioleta (UV) A e B, particularmente na infância, causa danos ao DNA de células da epiderme.

Para a pesquisa, a bióloga avaliou 150 pacientes com melanoma cutâneo atendidos nos ambulatórios de Oncologia Clínica e de Dermatologia do Hospital de Clínicas da Unicamp, no período de abril de 2007 até julho de 2011. Os pacientes apresentaram idade entre 20 e 89 anos. A média de idade foi de 59 anos. Um grupo controle, constituído por 150 doadores de sangue do Hemocentro da Unicamp, também foi avaliado. Todas as análises moleculares foram realizadas em DNA de amostras de sangue periférico de pacientes e controles.

Dados relativos à identificação, à idade, ao sexo, ao histórico pessoal ou familial de melanoma cutâneo hereditário, queimaduras solares, incapacidade de bronzear, hábito de fumar, à cor de pele, olhos e cabelos e localização do tumor, foram considerados na pesquisa.

A exposição solar a que pacientes foram submetidos foi determinada por meio da observação de elastose solar no local da lesão cutânea. Elastose é um indicador histológico de comprometimento cutâneo pelo sol. O diagnóstico de melanoma cutâneo foi realizado por exame histopatológico realizado em cortes de fragmentos do tumor.

De acordo com a pesquisa, os resultados da combinação dos polimorfismos dos genes P53, MDM2, BCL2 e BAX sugerem que eles possam atuar de forma sinérgica no mecanismo de apoptose (morte celular) no melanoma cutâneo.

O BAX é um gene associado à morte celular. Ele é responsável pela “limpeza” do organismo. Se uma célula é anormal, ele é encarregado de eliminá-la. O gene BCL2 tem a função contrária: evitar a morte da célula. Já o gene P53 interrompe o ciclo celular para que a lesão seja reparada mas, se isso não for possível, também induz a morte da célula. O seu opositor é o gene MDM2, que inibe a função do P53.

“Se temos uma célula danificada pelo sol, o P53 reconhece esse dano e vai tentar fazer com que proteínas do DNA reparem esse dano. Se não por possível, ele vai ativar outros genes envolvidos com a morte celular – BCL2 ou BAX – para que a célula seja removida. Ele tenta consertar a lesão, se não for possível, outros genes são recrutados para induzir a morte celular, chamada de apoptose” explicou Cristiane.

Segundo a pesquisadora, há evidências de que a proteína p53 reduz a expressão de genes antiapoptóticos como o BCL2 e aumenta a expressão de genes pró-apoptóticos como BAX. Além disso, alteração no balanço existente entre as proteínas antiapoptóticas e pró-apoptóticas pode resultar na resistência à morte celular, com consequente formação de um tumor.

“Os resultados do nosso estudo sugerem que os polimorfismos P53 Arg72Pro, BCL2 C(-948)A e BAX G(-248)A, particularmente associados, alteram o risco de ocorrência do melanoma cutâneo. Estes resultados necessitam confirmação em indivíduos de outras regiões do país, para que possamos, de fato, definir os papéis desses polimorfismos gênicos na ocorrência do melanoma cutâneo em nossa população”, disse Cristiane.

Prevenção

A melhor maneira de evitar o melanoma cutâneo é a prevenção. O teste, chamado genotipagem, pode identificar indivíduos com maior predisposição herdada para a ocorrência do tumor, que mereçam receber recomendações adicionais para evitar a exposição da pele aos efeitos nocivos do sol. É realizado em células da mucosa bucal ou do sangue periférico. No Brasil, o exame não é oferecido na rede pública de saúde, apenas por falta de recursos financeiros. Segundo Cristiane, o custo o exame custa cerca de dez reais, valor considerado irrisório perto do necessário para o tratamento de paciente portador do câncer de pele.

Assim, como não é possível identificar do ponto de vista genético grupos de alto risco para a ocorrência do melanoma cutâneo, a pesquisadora sugere que se adotem medidas bastante conhecidas para a prevenção do tumor na população em geral: evitar a exposição ao sol nos horários de pico – entre 10 e 16 horas –, e usar óculos de sol, chapéu ou boné, protetor solar ou blusas de manga comprida, quando a exposição ao sol é inevitável. E, ao perceber lesões cutâneas assimétricas, de várias cores, ou com aumento ou regressão em seu tamanho ao longo do tempo, em qualquer região do corpo, um dermatologista deve ser consultado.
“O nosso futuro pode ser determinado no berço. Cabe a nós saber o que fazer para prevenir tumores para os quais nascemos predispostos, como nos proteger dos efeitos insalubres da luz solar para evitar o melanoma cutâneo”, disse a especialista.

 

Publicação

Dissertação: “Influência dos polimorfismos P53 ARG72PRO, MDM2 T309G, BCL2 C(-938)A e BAX G(-248)A, relacionados com apoptose celular, na susceptibilidade ao melanoma cutâneo”
Autora: Cristiane de Oliveira
Orientadora: Carmen Silvia Passos Lima
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)