Edição nº 540

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 01 de outubro de 2012 a 07 de outubro de 2012 – ANO 2012 – Nº 540

Funciona,
mas por pouco tempo

Pesquisa conclui que é temporário
efeito de cirurgia para pacientes com diabetes tipo 2

Pacientes com diabetes do tipo 2 não obesos  que passaram pela cirurgia Duodeno-jejuno Bypass (DJB) tiveram melhora significativa na redução dos níveis de glicemia e, na grande maioria dos casos, eliminaram a necessidade de insulina. O efeito é, no entanto, temporário, e não justifica a padronização da cirurgia. Os resultados, alcançados pela pesquisa realizada pelo Gastrocentro da Unicamp, abrem perspectivas para novos estudos que podem levar à descoberta de medicamentos que resultem o mesmo efeito para o tratamento do diabetes, porém sem a necessidade da intervenção cirúrgica. O diabetes do tipo 2 corresponde a mais de 90% dos casos da doença, que, no Brasil, atinge 12 milhões de pessoas.

O diferencial do trabalho realizado na Unicamp em relação a outros estudos semelhantes divulgados na imprensa é que todos os 18 pacientes operados, com Índice de Massa Corporal (IMC) inferior a 30, tomavam insulina. Além ainda da comparação entre o grupo cirúrgico e o grupo controle, este submetido a um tratamento apenas clínico. Dessa forma é possível saber se os avanços são devido à cirurgia, ou resultante apenas de maior atenção e cuidado com o tratamento. Os dois grupos receberam as mesmas recomendações de medicação, exercícios e dieta, e ambos melhoraram, mas o grupo cirúrgico de maneira bem mais efetiva.

Os dados publicados são de um ano após a intervenção. Entre os pacientes do grupo cirúrgico, as unidades de insulina tomadas baixaram de 49 para 4, em média, ou 93% menos. No grupo controle, as unidades diminuíram de 39 para 33, ou 40%. O grau de resistência à insulina, que é outro fator analisado, caiu naqueles que se submeteram a DJB, enquanto permaneceu estável no grupo controle. As cirurgias foram realizadas entre 2006 e 2007, ou seja, os pacientes vêm sendo acompanhados há pelo menos 5 anos. Hoje, entre os 18 pacientes que fizeram a cirurgia, apenas um continua sem a necessidade de insulina.

A expectativa inicial da equipe coordenada pelo endocrinologista Bruno Geloneze Neto e pelo cirurgião José Carlos Pareja, ambos do Laboratório de Investigação em Diabetes e Metabolismo (Limed), era de que a DJB pudesse até mesmo reverter a doença, com base em estudos realizados pelo cirurgião italiano Francesco Rubino, que obteve sucesso com modelos animais. Após a cirurgia, os ratos tiveram a remissão do diabetes.  O estudo da Unicamp teve ainda a participação dos docentes Marcos Antonio Tambascia, chefe da disciplina de Endocrinologia, e Elinton Adami Chaim, do departamento de Cirurgia, ambos da Faculdade de Ciências Médicas (FCM).

Técnica

Bypass em inglês significa atalho. A técnica é utilizada tradicionalmente na cirurgia bariátrica e consiste na realização de um desvio da primeira porção do intestino, conhecida como duodeno e parte do jejuno. O primeiro metro do intestino é “desconectado” do estômago, órgão que se liga à porção intestinal restante. A parte “excluída” do intestino tem a base costurada e não recebe alimento ou suco gástrico. Com isso, modifica seu funcionamento.

Ao fazer o bypass há um acréscimo nas substâncias chamadas incretinas, em especial o hormônio GLP1, que estimula a produção de insulina.“Percebemos a melhora de sensibilidade à ação da insulina e também melhorou um pouco a produção, ou seja, essa primeira porção do intestino tem uma função reguladora do metabolismo em geral e reguladora da produção, não apenas de hormônios gastrointestinais, como também da produção de insulina que ocorre no pâncreas”, diz Geloneze. Esse dado abre tanto a possibilidade do desenvolvimento de novas técnicas cirúrgicas como de novos medicamentos.

Os resultados não foram duradouros porque há uma contra-regulação do organismo. “Provavelmente, com a DJB, também houve o aumento da enzima que degrada o GLP1, o que não ocorre em pacientes obesos”, relata.  O cirurgião José Carlos Pareja complementa que como não há redução do estômago, permanece a produção da Grelina, que é o hormônio da fome. “O paciente produz pouco GLP1 e não perde a gordura visceral que tem a substância que piora a função do pâncreas”, enfatiza.

Cirurgia metabólica

O estudo também permite afirmar, segundo Geloneze, que existe um tipo de cirurgia puramente metabólica. Ele acrescenta que embora a cirurgia bariátrica tenha também este sobrenome, não havia ainda evidências que garantissem a possibilidade do procedimento ser exclusivamente de efeito metabólico, melhorando alterações da triglicéride e glicose dos pacientes não obesos, de forma independente da perda de peso ocorrida nas cirurgias bariátricas.

Geloneze faz referências ao final da década de 1950, quando os médicos começaram a perceber que o obeso, depois da cirurgia bariátrica, melhorava ou revertia o diabetes, constatação sistematizada décadas depois, porque até então acreditava-se que a mudança seria em função apenas do emagrecimento do paciente. No início dos anos 2000, notou-se que a melhora no diabetes ocorre antes da perda de peso, às vezes até na alta do hospital, uma semana ou um mês após a intervenção.

“Havia um debate se existia de fato um efeito metabólico ou se a melhora nas alterações metabólicas dependia da cirurgia bariátrica”, complementa o endocrinologista. A cirurgia bariátrica metabólica provoca o emagrecimento, pois além da técnica do bypass inclui a gastroplastia, ou redução do estômago. A alternativa seria realizar uma cirurgia com técnica semelhante à bariátrica mantendo o estômago intacto. Mas ainda que na cirurgia DJB não ocorra a gastroplastia, havia o temor de desnutrição caso pacientes diabéticos não obesos fossem submetidos à intervenção, em razão da possibilidade de diminuição da absorção de alimentos com a exclusão do duodeno. A pesquisa indicou que não há alteração significativa no peso dos pacientes que fizeram a cirurgia.

De acordo com Geloneze, o primeiro passo da pesquisa foi selecionar diabéticos não obesos para quem a proposta de emagrecimento não era primordial. 186 pacientes se ofereceram para o procedimento, dos quais 103 foram excluídos por critérios médicos, tais como a presença de anticorpos contra o pâncreas (comum aos diabéticos tipo 1). Restaram 83 pacientes habilitados para a cirurgia que finalmente foi realizada em 18 diabéticos do tipo 2.

O efeito metabólico da cirurgia é, segundo Geloneze, “semelhante a uma combinação de medicações e envolvimento com a dieta e os exercícios que melhoram o diabetes”. Por não resultar na cura da doença, acrescenta ele, a indicação da cirurgia “puramente metabólica” para o controle da doença está descartada. “A cirurgia bariátrica metabólica sem perda de peso, puramente metabólica, existe e seu efeito é efetivo, porém não suficientemente impactante para justificar a introdução do método no tratamento dos diabéticos”, reforça.

Sobre o questionamento de que a cirurgia poderia curar quem estivesse tomando pouca medicação, a resposta de Geloneze é sim, porém ele adverte que não há razão para submeter um paciente com o diabetes controlado ao risco anestésico e de desnutrição no longo prazo.

Pareja afirma que, para um estudo dessa complexidade, o número de doentes submetidos ao procedimento cirúrgico na pesquisa foi suficiente. “É muito difícil fazer um estudo melhor do que o que foi feito pela Unicamp do ponto de vista metabólico”, diz. Ele complementa que o assunto era controverso na literatura. Por esta razão, inclusive, uma das principais revistas científicas do mundo, a Annals of Surgery, trouxe em julho a publicação do grupo.

Indicação

Os coordenadores da pesquisa relembram as indicações de cirurgia bariátrica metabólica que já existem, tendo sido padronizadas pelo International Diabetes Federation (IDF) em 2011. A intervenção é recomendada para as pessoas com IMC maior que 40, que são obesos mórbidos do grau III. Aqueles que têm IMC entre 35 e 40 são pacientes não prioritários, mas elegíveis. Com IMC entre 30 e 35, que abrange a maioria dos diabéticos, a indicação depende de um minucioso estudo de cada paciente em particular, sendo reservada para poucos casos. Na faixa de IMC abaixo de 30, que foi o caso do estudo realizado no Gastrocentro, o IDF propõe a realização de estudos que comprovem se é possível fazer a cirurgia em quem não é obeso. “Nós estamos propondo que não se faça, além das pesquisas científicas para o diabetes do tipo 2 não obeso”, salienta Geloneze.

O cirurgião José Carlos Pareja ressalta que há outros estudos em andamento na Unicamp para a remissão ou controle do diabetes do tipo 2 em pacientes com o IMC entre 30 e 34.9, a maioria tomando insulina (até 70% dos doentes). “Temos teses defendidas e trabalhos que ainda serão publicados com resultados bastante satisfatórios em relação a este último apresentado”. O cirurgião se refere a intervenções que utilizam técnicas da cirurgia bariátrica interferindo no peso do paciente. “Por causa da ação dos hormônios, o resultado da cirurgia não é independente da perda de peso. Nesse caso o paciente vai emagrecer proporcionalmente ao seu peso inicial, não é como a perda de peso do obeso de grau mais elevado, de modo que os resultados são melhores”.

 

Publicações

Surgery for nonobese type 2 diabetic patients: an interventional study with duodenal-jejunal exclusion. Geloneze B, Geloneze SR, Fiori C, Stabe C, Tambascia MA, Chaim EA, Astiarraga BD, Pareja JC. Obesity Surgery 2009 Aug;19(8):1077-83.
Metabolic surgery for non-obese type 2 diabetes: incretins, adipocytokines, and insulin secretion/resistance changes in a 1-year interventional clinical controlled study. Geloneze B, Geloneze SR, Chaim E, Hirsch FF, Felici AC, Lambert G, Tambascia MA, Pareja JC. Annals of Surgery 2012 Jul;256(1):72-8