Edição nº 536

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 20 de agosto de 2012 a 26 de agosto de 2012 – ANO 2012 – Nº 536

Escudo antibactérias

Pesquisas contribuem para a produção em escala industrial do sal do ácido clavulânico

Pesquisa temática financiada pela Fapesp, de que participam professores da Unicamp, UFSCar e Unesp de Araraquara, estuda a produção do ácido clavulânico, da cefamicina C e de outros metabólitos bioativos de  Streptomyces, um tipo de micro-organismo.  Como parte desse projeto temático, no Laboratório de Bioprocessos, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, sob a orientação do professor Francisco Maugeri Filho, são pesquisados processos para purificação e concentração do ácido clavulânico, com a utilização tanto de peneira molecular como de nanofiltração.   Especificamente a “Purificação e concentração do ácido clavulânico por nanofiltração” foi tema de pesquisa da engenheira de alimentos Andrea Limoeiro Carvalho.  O trabalho é inovador no Brasil por utilizar a modelagem matemática do transporte através de membranas de nanofiltração e a caracterização dessas membranas utilizando técnicas microscópicas – que permitem visualizar a superfície da membrana – e eletrocinéticas – que possibilitam a determinação de sua carga superficial. O estudo contribui também para o desenvolvimento de técnicas de obtenção desse antibiótico atualmente produzido apenas em dois países: Portugal e Japão.  

O ácido clavulânico tem particular importância na ação protetora que exerce sobre outro antibiótico mais potente, a amoxilina, protegendo-a do ataque de bactérias.  O mecanismo que permite “enganar” bactérias leva à potencialização da eficiência de um antibiótico como a amoxilina e tem sido utilizado para enfrentar o aumento crescente da resistência desses micro-organismos. Embora o trabalho desenvolvido na Unicamp atenha-se à purificação e principalmente à concentração do ácido clavulânico, o projeto temático mais amplo parte da escolha de cepas (micro-organismos) mais adequadas; da definição do melhor meio de produção dessa substância; além de tratar de sua purificação, concentração e liofilização, um processo de secagem a vácuo, a baixas temperaturas, usado para obtenção do produto na forma sólida. 

Andrea chegou ao laboratório para trabalhar com modelagem de bioprocessos, em que a simulação em computador antecede à experimentação.  Esse estudo exige entendimento prévio do processo, o que a levou então a realizar a modelagem para caracterização da membrana em parceria com a Universidade de Valadolid, na Espanha, durante doutorado sanduíche. Para conhecer como se processa a atuação da membrana é necessário determinar o tamanho dos poros e sua permeabilidade, o que permite estabelecer a eficiência da membrana. Ela explica: “Na fase experimental, procuramos a membrana mais adequada para o processo. Por sua vez, a construção do modelo exigia o entendimento do funcionamento dessa membrana, daí a necessidade de informações sobre ela, que permitiriam sua caracterização”.

 

O experimental 

A membrana, que se parece a uma folha de papel, é enrolada como um rocambole e colocada em um vaso de pressão tubular que suporta elevadas pressões. A solução do caldo clarificado resultante da produção do ácido clavulânico é alimentada no sistema, o qual é submetido à pressão de trabalho adequada. Pelos poros da membrana passam a água e substâncias menores, como alguns sais inorgânicos, permanecendo no interior da mesma a solução concentrada do acido. A pesquisadora conseguiu através deste processo um aumento de cinco vezes na concentração do ácido, certo grau de purificação, além de avaliar a eficiência do processo, analisando tanto a composição do concentrado como do filtrado. 

O estudo envolveu várias etapas: 1) seleção e caracterização das membranas a serem utilizadas; 2) aplicação de modelo matemático que permitiu a simulação dos resultados experimentais; 3) a avaliação do desempenho de determinadas membranas; 4)ampliação de escala no processo envolvendo a membrana que apresentou melhores resultados nas etapas anteriores. Esses dados permitiram a geração de um modelo que explicasse o transporte através de membranas. Por fim, Andrea realizou experimentos que permitiram acompanhar o processo em escala piloto.

Na verdade, o antibiótico utilizado corresponde ao sal de potássio derivado do ácido clavulânico.  Então, esse ácido produzido por microorganismos é transformado no respectivo sal, o clavulanato de potássio, que tem estrutura mais estável e é comercializado, em mistura com a amoxilina, na forma de comprimidos. O clavulanato protege a amoxilina da ação das bactérias que tenderiam a destruí-la para que ela possa atuar com mais eficiência, embora ele também apresente ação antibiótica. 

Na fase experimental, a pesquisadora não utilizou a solução fermentada do ácido, que se degrada rapidamente na forma em que é produzido, e que por isso, exige armazenamento em ultrafreezer, em temperaturas abaixo de 80 graus Celsius negativos. Essa dificuldade foi sanada preparando uma solução, com algumas características do fermentado, obtida pela dissolução em água de comprimidos do produto farmacêutico comercializado que contém a mistura de amoxilina e clavunalato de potássio. Nessa solução foi adicionada também peptona, que é uma mistura de peptídeos, cujas moléculas são menores que as das proteínas. Na nanofiltração, parte desses componentes menores passam junto com o caldo clarificado, ficando retido o clavunato e moléculas maiores, como alguns peptídeos. Então é necessário determinar o que fica retido no concentrado e o que acompanha o caldo.  

Previamente, uma mistura preparada sem peptona foi testada em quatro membranas comerciais e foram analisadas tanto a solução mais concentrada que não passa pela nanofiltromembrana, como a que a atravessa. A membrana mais eficiente permitiu a maior concentração da solução de ácido no menor tempo, em função de um fluxo maior do filtrado. Como durante o processo o sistema automaticamente se aquece, acelerando a degradação do ácido, a rapidez da filtração atenua a decomposição da substância e possibilita o seu emprego em um eventual processo industrial mais eficiente e barato.  Estabilizando a temperatura do sistema em 20 graus Celsius com a utilização de um banho, a pesquisadora conseguiu concentrar para dois litros os dez litros iniciais da solução em menos de quatro minutos, o que considera muito bom em relação aos dados mencionados na literatura.

Embora não adequada como forma de separação da peptona e do ácido clavulânico, a nanofiltração se mostrou eficiente na concentração da solução do ácido clavulânico, o que a torna interessante como etapa que antecede às de formação do sal de potássio. 

A pesquisadora explica que o desenvolvimento do modelo computacional e a realização dos testes experimentais permitem extrapolar os resultados para um projeto piloto e dele para uma escala industrial. Ela considera que o trabalho desenvolvido na Unicamp e as pesquisas envolvendo produção do ácido, obtenção do sal correspondente e sua cristalização, etapas estas estudadas na UFSCar e na Unesp, contribuirão para o desenvolvimento futuro de um processo que permitirá a fabricação do produto no Brasil. Andrea lembra que o projeto temático estendeu-se por dez anos, centrado na UFSCar, mas existem ainda algumas pesquisas sendo finalizadas com vistas ao desenvolvimento de uma tecnologia  brasileira.  

Ela esclarece também que no laboratório está sendo utilizado o mesmo processo de purificação e concentração para outros produtos e que dependendo de suas características se lança mão ou da ultrafiltração ou da nanofiltração, em que a diferença reside no tamanho dos poros. 

Em relação ao trabalho específico em que esteve envolvida, Andrea Limoeiro Carvalho destaca o processo temático que envolve diversas atividades de várias instituições; o desenvolvimento de um modelo teórico para simulações; a importância do produto estudado e a abertura da possibilidade de vir a ser fabricado no Brasil; o desenvolvimento de um processo que envolve um fluxo de filtração rápido, que permite a obtenção de um concentrado em tempo reduzido, importante na escala industrial; a utilização de uma tecnologia limpa, que não utiliza solventes para a purificação, o que levaria a resíduos químicos; a utilização de membranas cuja vida útil vem aumentando ao longo dos anos; a  demanda de baixo gasto de energia, usada no banho de resfriamento e no acionamento da bomba de pressão.

 

■ Publicação

Tese: “Purificação e concentração do ácido clavulânico por nanofiltração”
Autora: Andrea Limoeiro Carvalho
Orientador: Francisco Maugeri Filho
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)
Financiamento: Fapesp