Edição nº 535

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 13 de agosto de 2012 a 19 de agosto de 2012 – ANO 2012 – Nº 535

Pesquisadora desenvolve
dispositivo para ser usado no
tratamento de queimaduras

Tecnologia, que ainda não é comercial,
faz uso de derme suína e de
polímero degradável pelo organismo

 

Pesquisa desenvolvida para a dissertação de mestrado de Giselle Cherutti, apresentada à Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp, abre perspectivas para a produção de um dispositivo comercial para ser usado no tratamento de úlceras e queimaduras, especialmente as de grande extensão. De acordo com testes mecânicos e biológicos, a tecnologia, que contribui para a regeneração da pele, apresentou algumas vantagens em relação aos produtos encontrados atualmente no mercado, entre elas o fato de o polímero que a compõe ser degradado pelo organismo. “Nosso objetivo, agora, é aprimorar o dispositivo e partir posteriormente para testes em modelo animal e clínicos”, afirma a autora do trabalho, que foi orientada pela professora Eliana Aparecida de Rezende Duek.

De acordo com Giselle, que contou com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o objetivo do estudo foi buscar uma alternativa mais barata e eficiente que as soluções já disponíveis no mercado para o tratamento de lesões, principalmente as causadas por queimaduras. O intento é oferecer futuramente uma opção de menor custo que possa ser utilizada pelos serviços públicos de saúde que mantêm áreas de atendimento a queimados. Para isso, a pesquisadora concebeu uma matriz dérmica composta por uma camada celular, que é colocada sobre a derme suína, que por sua vez é acomodada sobre um polímero. Este último, observa a pesquisadora, foi desenvolvido pela sua orientadora, que tem investigado ao longo dos últimos anos materiais biorreabsorvidos pelo organismo, com vistas ao emprego na área médica.

A autora da dissertação explica que optou pelo uso da derme suína por ela apresentar características similares às da pele humana. “Dito de forma simplificada, nós pegamos um pedaço de tecido do porco e adotamos uma série de procedimentos para obter a camada dérmica, que tem os componentes necessários para favorecer a proliferação celular. Também usei células VERO, que constituem uma linhagem de fibroblastos [sintetizadores do colágeno] considerada padrão. Nos testes mecânicos e biológicos que realizamos, constatamos alguns aspectos importantes. O material contribui para a proliferação celular, devido a sua porosidade. Além disso, o dispositivo também se mostrou atóxico às células VERO. Ou seja, não foi verificada morte celular”, elenca Giselle.

Além disso, prossegue a pesquisadora, também foi constatado que a matriz dérmica favorece a regeneração da pele por ser flexível, uma propriedade desejável quando o assunto é o tratamento de queimaduras. “Quando a pele está em processo de regeneração, pode haver contração. Assim, por apresentar flexibilidade, o material facilita esse movimento natural”. Outro benefício proporcionado pela nova tecnologia é o fato de o polímero que compõe o dispositivo ser degrado pelo organismo. Na prática, ele funciona como uma barreira física que protege a lesão do contato com o ambiente.

Giselle esclarece que os produtos similares encontrados no mercado ou não contam com esse tipo de película protetora ou, quando contam, ela pode ou não ser degradada pelo organismo. “Quando não ocorre a degradação, o polímero tem que ser retirado posteriormente através de uma intervenção cirúrgica”, informa. Por fim, conforme a autora da dissertação, os ensaios laboratoriais determinaram que o período de regeneração da pele foi equivalente ao obtido com a aplicação das matrizes dérmicas comerciais. Por tudo isso, observa a pesquisadora, o trabalho concluiu que o dispositivo estudado apresenta potencial para ser utilizado como um substituto dérmico para implantes de áreas de queimaduras extensas.

Antes de ser transformada em produto, no entanto, a tecnologia terá que cumprir mais algumas etapas, como faz questão de destacar Giselle. De acordo com ela, a matriz dérmica ainda precisará sofrer alguns aperfeiçoamentos. Ademais, também terá que ser submetida a testes em modelo animal e clínico. “Vou dar continuidade aos estudos na minha tese de doutorado. Meu objetivo será superar alguns desses desafios”, avisa a pós-graduanda. Ela assinala que o tratamento de pessoas que sofrem queimaduras extensas é longo, doloroso e caro.

Dados da Sociedade Brasileira de Queimaduras (SBQ) dão conta de que, no Brasil, são registrados aproximadamente 1 milhão de casos de queimaduras a cada ano. Tal número se torna ainda mais dramático quando se considera que de cada três pessoas queimadas, duas são crianças. As vítimas desse tipo de acidente normalmente passam a conviver com sequelas pelo resto da vida. Na maioria das vezes, informa a SBQ, os traumas envolvendo crianças ocorrem dentro da residência, especialmente na cozinha.

Um fator agravante desse quadro, segundo os especialistas, é a facilidade com que o álcool líquido é adquirido no Brasil. Vendido livremente em qualquer mercado, esse produto inflamável responde por cerca de 20% das causas de queimaduras no país. São consideradas queimaduras graves aquelas que atingem mais de 30% da superfície corporal. No Brasil, entre as vítimas desse tipo de lesão, 5% das crianças e 10% dos adultos morrem. As queimaduras, conforme a SBQ, estão entre as principais causas externas de morte, perdendo apenas para outras causas violentas, que incluem acidentes de trânsito e homicídios.

Biocompatibilidade

A orientadora da dissertação de Giselle, professora Eliana Aparecida de Rezende Duek, tem se dedicado nos últimos anos ao desenvolvimento de materiais biocompatíveis, voltados ao uso na área de Medicina Regenerativa. As pesquisas são desenvolvidas no Laboratório de Biomateriais da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp. O trabalho da docente já foi objeto de reportagem no Jornal da Unicamp em 2007.

Pioneiros no Brasil, os estudos já renderam materiais para uma série de aplicações. Foram desenvolvidos, por exemplo, placas e parafusos para serem utilizados em cirurgias reparadoras buco-maxilo-faciais, bem como pinos para fraturas e membranas para procedimentos odontológicos. Um dos polímeros concebidos por Eliana Duek, cujo pedido de patente já foi depositado, compôs a matriz dérmica desenvolvida por Giselle.

Além de serem biorreabsorvíveis pelo organismo, esses materiais são bem mais baratos do que os disponíveis no mercado, normalmente importados. De acordo com estimativas da própria docente, os dispositivos criados no Laboratório de Biomateriais da FEM chegam a custar entre quatro e cinco vezes menos do que os comerciais.

 

Publicação

Dissertação: “: Desenvolvimento e caracterização de dispositivo de PLLA/Trietil-Citrato associado à derme suína acelular para reparação de lesões cutâneas”
Autora: Giselle Cherutti 
Orientadora: Eliana Aparecida de Rezende Duek.
Unidade: Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) 
Financiamento: CNPq

Comentários

Comentário: 

Parabéns por bem sucedida pesquisa na área de tratamento de queimados. O que causa-me espanto ser realizado por uma faculdade de engenharia mecânica.

messiasmelo48@hotmail.com