Edição nº 526

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 14 de maio de 2012 a 20 de maio de 2012 – ANO 2012 – Nº 526

Biólogos promovem cerco
à bactéria que infesta granjas

Sequenciamento do genoma de linhagem
da Escherichia coli é tema de artigo no Journal of Bacteriology


O Journal of Bacteriology aceitou para publicação um artigo assinado por pesquisadores do Instituto de Biologia (IB) referente ao sequenciamento do genoma de uma linhagem da Escherichia coli , causadora de processos infecciosos em frangos de corte e galinhas poedeiras. O artigo tem como autora principal Thaís Cabrera Galvão Rojas, doutoranda orientada pelo professor Wanderley Dias da Silveira, do Departamento de Genética, Evolução e Bioagentes. Trata-se do segundo trabalho publicado sobre o tema (à exceção de outro nos EUA) e o primeiro na América Latina e Europa.

Thaís Cabrera explica que linhagens APEC (Avian Pathogenic Escherichia coli) causam doenças extra-intestinais em diferentes espécies de aves. “Nesse trabalho estamos apresentando o draft genoma – que é o resultado da montagem de porções sequenciadas do genoma – de uma linhagem brasileira (SCI-07) isolada de lesões peri-orbitais de tecidos de uma galinha poedeira portadora da ‘síndrome da cabeça inchada’. Genes de virulência foram localizados na sequência de nucleotídeos que constitui o genoma, com o objetivo de caracterizar essa linhagem como sendo APEC”, resume a pesquisadora.

Os dados do sequenciamento foram depositados no banco de dados de genomas do National Center for Biotechnology Information (NCBI). Há apenas um ano, Wanderley Silveira falou ao Jornal da Unicamp sobre outro trabalho coordenado por ele, visando igualmente linhagens vacinais a partir da E. coli APEC. “Antes procurávamos genes ao acaso e verificávamos se estavam relacionados com patogenicidade. Agora, fizemos o contrário: sequenciamos a amostra inteira e, no genoma da mesma, procuramos os genes possivelmente relacionados a doenças para promover uma mutação dirigida, que é mais eficiente no processo de obtenção de linhagens vacinais”, esclarece o professor. 

Na opinião de Silveira, a publicação dos dados referentes ao genoma ajudará no desenvolvimento de novas vacinas e servirá a outros pesquisadores. “A publicação do genoma facilitará a detecção, em meio a aproximadamente cinco mil genes presentes na E. coli, daqueles relacionados a doenças – e, nestes, fazer uma mutação sítio-dirigida para verificar quais linhagens mutadas perdem a patogenicidade e podem ser utilizadas como vacina. Estes resultados também indicam produtos gênicos (proteínas) que podem ser utilizados para o desenvolvimento de vacinas contendo epítopos antigênicos. É um método mais eficiente do que aquele que descrevi na outra entrevista”.

As doenças causadas por E. coli, em aves comerciais, vão desde uma septicemia (infecção) generalizada, que leva à sua morte, até outras localizadas, como a síndrome da cabeça inchada (objeto específico do trabalho de Thaís Cabrera), que implica em condenação da carcaça nos abatedouros; a bactéria também produz celulite, onfalite e coligranulona. “Este tipo de E. coli tem uma importância econômica bastante grande para o Brasil, que é o terceiro maior produtor mundial de carne de aves e o primeiro exportador. O setor responde por 1,5% do PIB, num valor anual de 5 bilhões de dólares. Isso sem considerar o enorme consumo interno de um produto de grande valor nutricional e o emprego direito e indireto de milhares e milhares de pessoas”, afirma Wanderley Silveira.

Pesquisa maior

Thaís Cabrera está na metade do doutorado, sendo que o artigo a ser publicado no Journal of Bacteriology é apenas parte de uma pesquisa maior, dentro do Laboratório de Biologia Molecular Bacteriana. Na verdade, o grupo do IB possui mais três linhagens bacterianas com o DNA sequenciado, cada uma delas causadora de um tipo de doença. “O que anunciamos no artigo é que sequenciamos esse genoma e confirmamos que a bactéria, devido à presença de determinados genes já bastante estudados e relacionados à doença, é realmente patogênica para aves. Agora faço um trabalho de comparação com os outros três genomas sequenciados, que ainda está muito no começo”, diz a autora.

Ela observa que a quantidade de informações obtidas num sequenciamento é extremamente grande e a maior dificuldade vem depois, na verificação do que é cada gene e a sua utilidade. “Sempre vamos achar coisas novas em bactérias, mas o trabalho de prospecção ainda é muito árduo. Por isso, normalmente se faz o contrário, sequenciando determinado gene, que é um trabalho menor. Os pesquisadores ainda estão aprendendo a organizar todos os dados de um genoma para que se possa descobrir e extrair o que realmente tem relevância.”

Segundo Wanderley Silveira, a pessoa habilitada para fazer esta prospecção de genes é essencialmente o bioinformata. “O Brasil vem mostrando um avanço em diferentes áreas das ciências biológicas, principalmente por causa do advento de técnicas como a biologia molecular e a bioinformática. Mas, apesar de todos os estímulos que são oferecidos, ainda não existem pesquisadores formados em número suficiente nesta área. Thaís está aprendendo e, só nesse tempo de aprendizagem, já conseguiu ter um trabalho aprovado por uma publicação internacional.”

O professor do IB ressalta que há falta de recursos humanos em sua área de pesquisa como um todo, visto que o enfoque maior, de maneira geral, é dado a linhagens bacterianas de origem humana. “Temos no país grupos trabalhando em microbiologia, dentro dela os envolvidos com bacteriologia e, mais especificamente, os interessados em E. coli. É um nicho ainda pequeno, mas alguns grupos estão se fortalecendo e o nosso vem formando várias pessoas que atuam na área e já estão em outras universidades. O que faz o sistema científico funcionar é a disponibilidade de verba. Esse tipo de publicação vai dar maior visibilidade ao grupo, a fim de atrairmos mais recursos e alunos para serem formados nas diferentes especialidades, inclusive em bioinformática.”

Colaboradores

Para viabilizar seu trabalho, Thaís Cabrera contou com recursos da Capes, CNPq e Fapesp, além da colaboração de Gonçalo Guimarães Pereira, do Laboratório de Genômica do IB, na parte de bioinformática. O artigo para o Journal of Bacteriology, intitulado “The draft genome of a Brazilian Avian Pathogenic Escherichia coli (APEC) strain and in silico characterization of virulence related genes”, tem ainda os seguintes autores: Lucas Pedersen Parizzi, Monique Ribeiro Tiba, Gonçalo Amarante Guimarães Pereira e Wanderley Dias da Silveira, todos do Departamento de Genética, Evolução e Bioagentes do IB; Lihong Chen e Jian Yang, do Instituto de Biologia de Patógenos do Union Medical College de Pequim (China); e JunYu e Vartul Sangal, do Instituto de Farmácia e Ciências Biomédicas da Universidade de Strathclyde (Glasgow, Reino Unido).

 

Vacina deve chegar ao mercado em até 4 anos

 O professor Wanderley Silveira afirma que os estudos realizados pelo seu grupo não têm importância apenas localizada, mas nacional, pois envolvem bactérias causadoras de processos infecciosos em aves de todo o país. “Temos linhagens das regiões Sul, Nordeste e Sudeste: Rio Grande do Sul e Paraná são grandes produtores de aves e Pernambuco tem este setor como segunda economia, enquanto no Estado de São Paulo há grande produção de ovos e aves de corte. Nosso sonho é obter linhagens vacinais brasileiras que possam ser utilizadas em plantéis de todas as regiões. O ideal seria uma linhagem única, contra o maior número de doenças, mas quatro linhagens talvez possam abarcar todas as patogenias. Pretendemos lançar esses produtos no mercado em três ou quatro anos.”

Em relação a possíveis colaborações com o setor privado, o pesquisador admite que tem feito contatos, mas considera que o desenvolvimento de ciência na indústria ainda é muito incipiente. “Geralmente, eles querem um trabalho já pronto, não têm paciência para esperar algum resultado. Tenho conhecimento de que produtos desenvolvidos em outros países podem ser trazidos para comercialização no Brasil. Entretanto, como não são linhagens brasileiras, não possuem necessariamente os mesmos mecanismos de patogenicidade que as nossas. Mas estão prontas para serem usadas, que é o que a indústria deseja.”