Edição nº 524

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 23 de abril de 2012 a 06 de maio de 2012 – ANO 2012 – Nº 524

GAG GENUÍNA


Genuína se propõe a tocar sanfona. Vai buscar a partitura, tropeça.  Tenta montar o banquinho para se sentar: quebrado. Dá o primeiro acorde, desafina. São cenas típicas de um palhaço, ou clown, do estilo mais tradicional. Genuína é uma criação inspirada no “vagabundo”, a personagem principal da dissertação de mestrado da atriz Erika Lenk: “Carlitos: história de vida e obra de Charles Chaplin”, orientada pela docente Ana Angélica Medeiros Albano, da Faculdade de Educação (FE).  No dia da apresentação, a atriz vestiu calças largas e paletó apertado, pôs na cabeça um chapéu-coco e, para completar, usou também como adereços o bigode-de-broxa e a bengala de bambu. “Não era Carlitos. Era Erika ‘sonhando’ com Carlitos. Durante a defesa, ela fez teatro, e esse risco foi bastante elogiado pela banca”, comenta a orientadora.

A primeira lembrança de Chaplin é da infância de Erika. Sentada em frente à tevê, quando ainda morava em outra cidade, tinha menos de cinco anos de idade e dava gargalhadas das gags – termo que se tornaria familiar anos depois – de Carlitos. Já em Campinas, se lembra da primeira vez que assistiu a Tempos Modernos no ginásio, e depois na graduação em Artes Cênicas na Unicamp, quando “descobriu” toda a obra do ícone do cinema, estudando o clown na iniciação científica. No mestrado, debruçou-se sobre a história de vida de Charles Chaplin, como ele se formou, e de que maneira as experiências da infância e adolescência influenciaram a criação de sua obra artística, especialmente a personagem Carlitos.

Erika partiu do estudo das biografias de Chaplin, entre as quais a escrita pelo crítico de cinema David Robinson, Chaplin, uma biografia definitiva, a de autoria de Stephen Weissman, Chaplin, Uma Vida, e a autobiografia Minha Vida, publicada nos anos 60. As linhas de pesquisa que investem nesse tipo de material bibliográfico estão ganhando força, de acordo com a professora Ana Angélica Medeiros Albano. “Especialmente na formação de professores, mas também de artistas e pesquisadores”. É o caso de Erika. Mergulhar nas experiências que formaram Carlitos foi, também, uma maneira de imergir no universo próprio da atriz na realização do clown. “A grande inspiração da Erika foi Carlitos. Quando tomamos consciência da importância do clown de Charles Chaplin para ela, a direção da pesquisa tornou-se clara. Trabalhamos com a memória para entender o presente e potencializar a descoberta de novos caminhos. Minha intenção foi ajudá-la a despertar para isso, perceber como, a partir do Carlitos, o mundo do clown se abriu para ela”.

Infância e juventude

Filho de artistas do music-hall, ou teatro de variedades britânico, do final do século 19 e início do século 20, Chaplin passou a infância no East End londrino vendo a mãe se apresentar, eventualmente o pai, de quem não era tão próximo, e tantos outros cantores, mágicos, malabaristas, palhaços e comediantes, talentosos ou não. Estas imagens e impressões de criança foram essenciais para o processo criativo do artista maduro. Entusiasmada, Erika se transforma em contadora das histórias pesquisadas. A “estreia” de Chaplin no teatro, por exemplo: “aos cinco anos ele acompanhava a mãe em uma apresentação quando ela precisou sair do palco com um problema na voz. O empresário da casa, que já conhecia Chaplin, o chamou aos palcos para cantar. Choveram moedas e Chaplin já aproveitou e fez uma gag. Ele parou para pegar o dinheiro e brincou com o público, simulando que o empresário poderia pegar as moedas”, interpreta.

A pesquisadora destaca a presença e influência da mãe de Chaplin em vários momentos. “Mesmo quando ela se afastou da vida artística por problemas de saúde, continuou representando para os filhos e era muito engraçada, segundo a autobiografia de Chaplin”, afirmou Erika. A pantomima de Chaplin teria sido aprendida na infância, por meio de uma qualidade ressaltada pela autora do trabalho: a observação. Esta é uma das conclusões da dissertação de mestrado. “Com o pai e a mãe ele ingressou no mundo artístico, aprendeu a observar, conheceu o tempo cômico. Chaplin levou essa qualidade de grande observador por toda a vida. O olhar que temos hoje para a criação artística, que se baseia no conhecimento acadêmico, não pode esquecer que a criação e a arte vêm da forma de olhar o mundo além do que se vê”, observa.

A tese evolui para o Chaplin que segue a carreira do teatro, refinando as técnicas de acrobacia, malabares e bufonaria: como cair, escorregar, bater a cabeça na parede e não se machucar. Dançar era algo que já sabia muito bem, desde os tempos que integrou a trupe infantil do The Eight Lancashire Lads, também na infância na Inglaterra. Ainda no teatro, é a companhia de repertório Fred Karno que o levará para os Estados Unidos, quando começa a fazer mais sucesso e inicia a carreira no cinema-mudo. “Quando Chaplin estreia no cinema, em um filme dos Estúdios Keystone, ele já é um artista completo, com um conhecimento muito grande da comédia e, muito seguro de si, começa a dar sugestões. Esse comportamento quase o leva à demissão, não fosse pelo sucesso cada vez maior que seus filmes faziam. O que Chaplin queria na realidade era um refinamento das ações cômicas, um aprofundamento na arte”, acrescenta Erika.

Nasce Carlitos

Um teste do diretor Mack Sennett, dos Estúdios Keystone: Chaplin deveria compor um personagem com uma rápida visita ao camarim apenas com o que encontrasse por lá. “Ele pensou nos contrastes. Se a calça é larga, o paletó é curto e apertado. A bengala, o chapéu e o bigode foram o que ele achou e, quando saiu, era Carlitos que, na realidade, já morava na imaginação de Chaplin desde criança. Carlitos não é um mendigo da cidade como nós o conhecemos; é um vagabundo, um errante”, diz Erika. Luis Otávio Burnier (1956-1995), o fundador do Lume (Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da Unicamp) escreve em um de seus textos: “Carlitos é o clown de Chaplin, pessoal e único, não importando se desempenha o papel de O Grande Ditador, do vagabundo de O Garoto ou do operário em Tempos Modernos”.

De acordo com a pesquisadora, Carlitos, ao longo de suas aparições, vai se transformando. “A partir da consolidação do trabalho de Chaplin, também como diretor ele se torna um personagem menos de ‘bater e levar’ em cena para alguém mais humano e romântico”. Depois de O Grande Ditador, em 1940, que seria o último filme de Carlitos, Chaplin responde ao desconforto da opinião pública por suas posições políticas com a apropriação do mito do Barba Azul, em Monsieur Verdoux. “Pois a opinião pública foi a primeira a se encarregar de fazer de Chaplin um Barba Azul, antes mesmo que ele criasse Monsieur Verdoux”, segundo a análise do crítico de cinema e teórico André Bazin no livro Charlie Chaplin, de 2006, que também está na bibliografia da dissertação. Para Érica este é um filme bastante emblemático, e Carlitos continua lá, encarnado em Verdoux. 

A pesquisadora não procurou analisar os filmes da carreira de Chaplin e por isso a dissertação não avança nesse sentido. A ênfase é a infância e juventude e a criação do clown de Chaplin: Carlitos. Mas, sobre o aparente consenso sobre a classificação “gênio criativo”, a autora adverte: “é claro que concordo, ele foi um grande gênio, um artista gigante. No entanto, que a palavra ‘gênio’ não nos iluda, dando a entender que as ideias, as gags, os filmes de Chaplin surgiram como um insight ‘que caía do céu’. Chaplin encontrou o gênio da sua criação com o exaustivo trabalho de desenvolver todas as suas potencialidades, com muito suor, às vezes até mesmo com temporários e longos períodos de bloqueios criativos. Mas ele procurava e ia burilando sua obra, refinando até a perfeição. E pagou alto preço por isso, pois foi fiel a si mesmo. Aliás, ele não chamava sua obra de ‘minha arte’, mas de ‘meu trabalho’. Com seu trabalho, Chaplin transformou as dolorosas memórias de infância em inspiração para as aventuras de Carlitos, e transformou o seu conhecimento do mundo e da humanidade em conhecimento em arte”.

  

n Publicação

Dissertação: “Carlitos: história de vida e obra de Charles Chaplin”
Autora: Erika Lenk
Orientadora: Ana Angélica Medeiros Albano
Unidade: Faculdade de Educação (FE)

 

 

Comentários

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Adorei a matéria! Parabéns Erika, vc merece!!!!!!

leilapezzato@yahoo.com.br

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Muito obrigada, Leila! O Chaplin é que merece! Onde fica o "Curtir" aqui? Hehe! Beijos!

e.erikalenk@gmail.com

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Fiquei com vontade de ler a tese. Como poderia obter uma cópia? Carlitos habita "corações e mentes" desde o seu nascimento. É tão sereno com suas críticas à modernidade que alcança quem quer que tenha a oportunidade de viver com ele os sonhos de um mundo mais amigável e igualitário. Sou estudante de Letras da UnB. Tenho 62 quase 63 anos. E estou esperando com ansiedade uma cópia do seu trabalho. Parabéns, desde já! Marília

magdallena@brturbo.com.br

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Olá Marília, que legal que você gostou na notícia sobre a dissertação e que você também gosta do Chaplin. O Carlitos é demais, não é? Vou enviar uma cópia sim. Vc já tem a biografia do David Robinson? É cheia de fotos lindas. Grande abraço, Erika

e.erikalenk@gmail.com

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ADOREI essa matéria,e adoro os filmes deles!!
Me trazem otimas lembraças alias,por que a primeira vez que assisti esta vivendo uma época dificil,e os filmes deles são muito divertidos,e nos faz refletir sobre coisas do cotidiano que passam despercebidas.
ABRAÇO

lohanny.emily@gmail.com

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Érika, parabéns pela matéria super especial! Tive a felicidade de estar presente na sua defesa, e achei muito legal a sua ousadia:seu sonho me emocionou...!!O espírito da arte agradece!!!!Vá em frente!!!

mitalavera@gmail.com

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Parabéns pelo trabalho Erika. Também fiquei muito interessada em ler sua tese-dissertação de mestrado da : “Carlitos: história de vida e obra de Charles Chaplin”, também sou atriz e palhaço e uma das minhas grandes inspirações é Charles Chaplin.Se puderes compartilhar, isso seria de grande ajuda na minha pesquisa sobre o universo do palhaço.Meu e-mail: claudiabeatrizsevero@gmail.com

claudiabeatrizsevero@gmail.com

Comentário: 

Erika, pelo jeito anda quebrando convenções e tabus... dentro da Educação!?!? uau... NÃO pare, precisamos de desafios para melhorarmos... e com alegria... melhor ainda... sucesso!!!

Erika