Desmonte de políticas culturais no foco dos debates em fórum do Penses

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Num momento em que importantes crises de valores abalam a sociedade, entender o papel da cultura é imprescindível, defende o advogado e consultor na área de Direito e políticas culturais Guilherme Varella. No Fórum Gestão e Produção Cultural e Políticas Públicas de Cultura: o papel da universidade, realizado nesta segunda-feira (3), no Centro de Convenções da Unicamp, ele ressaltou que o emergente movimento conservador tem levado ao desmantelamento das políticas culturais - importantes para formar autoestima e identidade da população. "Esse desmonte é impactante num momento em que há grande descrédito na política e na capacidade do Estado de formular políticas públicas para dar conta dessas questões", reflete.

Esse desmonte em curso foi o principal ponto de convergência entre os participantes da primeira mesa-redonda do Fórum. Os especialistas lembraram, no entanto, que a cultura deve ser discutida como um direito da sociedade e não ficar restrita ao discurso do financiamento. Diante disso, entre os principais desafios propostos por Varella está a própria compreensão de cultura como algo que seja capaz de mudar outras políticas.

Como especialista em direitos autorais e ex-secretário de Políticas Culturais do Ministério da Cultura, ele explicou de forma rápida e prática: "Por exemplo, em São Paulo era preciso mudar a cultura da cidade. Optar pelo transporte público, pelos modais de bicicletas e transporte coletivo. Mais do que uma política de mobilidade urbana, é uma política cultural no sentido de mudar a mentalidade das pessoas e a compreensão de cidade, mudando a relação do indivíduo com o corpo social que se estabelece naquele espaço".

Para Varella, ao discutir questões ambientais ou trabalhistas, as pessoas naturalmente se pautam em direitos, mas, ao discutir cultura, mesmo dentro dos setores culturais, muitos desconhecem os direitos. "Se não avançar na nossa consciência de direito - quais são os diretos culturais, onde estão, qual a natureza, como se organizam, como são aplicados, como constam no ordenamento, qual a diferença para cada um dos setores -, nós vamos avançar pouco, porque vamos reduzir os debates das demandas culturais a esses debates de financiamento aos quais já estamos acostumados."

Para o consultor de políticas públicas de cultura e comunicação João Brant, falta prioridade e visão em relação às políticas de cultura neste momento, e as universidades podem ajudar a pensar em novos processos de fruição e distribuição de cultura. "Assistimos a um 'empoderamento' grande dos produtores, mas, por outro lado, há novos intermediários que reconcentram o poder e atualizam uma agenda de distribuição no momento". De acordo com Brant, no Brasil há mudança de cenário político; no mundo, mudança no cenário de produção e comunicação, e isso amplia a necessidade de novas formulações e olhar crítico da universidade.

O diretor do Instituto de Artes (IA) da Unicamp, Fernando Hashimoto, acentuou que as maiores universidades do mundo têm tradição de tratar cultura como um dos principais meios de divulgação e compreensão da sociedade. Segundo Hashimoto, está previsto um curso de produção e gestão cultural em arte na Unicamp para o segundo semestre de 2017, com perspectiva de um curso de graduação em 2018. "Isso mostra a importância que damos à gestão cultural. Há um espaço grande a ser preenchido. Esse é um importante campo de conhecimento e a Universidade vai procurar fornecer mão de obra especializada também nessa área. Fico feliz que a Unicamp tenha se envolvido em torno dessa questão", complementou Hashimoto.

Estímulo e financiamento
Assunto polêmico em momento de crise, o fomento à cultura também foi lembrado pelos participantes da primeira mesa. Cacá Machado, professor do Departamento de Música do IA, recorreu a um exemplo prático ao relatar que, recentemente, após um evento de dança, um jovem dançarino enfatizou ser "filho dos projetos de fomento" e ter iniciado atividades em dança há 13 anos motivado pelo desenvolvimento desse tipo de política pública. "O tema da cultura e política volta o tempo todo. Quantas pessoas se formaram dentro de política pública? Este fórum é importante para refletir sobre o que a universidade vai instituir."

Ao apurar as experiências vividas na área de políticas públicas de cultura e universidade, a antropóloga Rachel Gadelha, assessora da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, avaliou que, nas décadas de 1960 e 1970, a academia tinha papel importante na formação, difusão e financiamento, mas, na década de 1980, houve distanciamento entre universidade e secretarias. Formada pela Unicamp na década de 1980, ela enfatizou que, no governo Lula, a partir de 2003, notou-se nova movimentação. "Muitas realizações vieram dos movimentos sociais e universidades, como cursos de artes, produção e gestão cultural."

Novos mecanismos
Em meio à crise econômica e política que atinge o país, conseguir incentivos para a cultura que não estejam atrelados às verbas públicas e governamentais são as principais soluções sugeridas por Gadelha e Varella. A assessora da Secretaria de Cultura do Ceará defendeu a busca de novos mecanismos para custear iniciativas de menor porte. "Além da dimensão federativa e estatal, estamos em um momento de microrrevoluções, de pequenos projetos comunitários potentes, de novas formas de financiamento." Para a antropóloga, os editais não podem ser a representação da política pública, mas apenas um instrumento dela.

Já Varella foi mais enfático ao dizer que há uma carência no perfil dos gestores culturais, além de "pouco dinheiro, muitos problemas e uma dinâmica ainda muito volátil e pouco pré-determinada". Outra dificuldade é a necessidade de um ambiente democrático para o pleno desenvolvimento do setor cultural, já que, segundo o advogado, quando a democracia está ameaçada, a classe artística é a primeira a sentir. "É da característica de quem produz arte de arriscar e experimentar, de ser contradiscursivo, e exige um ambiente democrático que comporte isso."

Malu Arruda, da Coordenadoria de Desenvolvimento Cultural da Unicamp, abordou o papel da Universidade no incentivo à cultura e citou o Projeto Corredor Cultural - Regional Sudeste, que engloba 17 instituições públicas de ensino superior, de quatro Estados, interconectadas para promover o intercâmbio da produção cultural. "Essa interação entre as universidades, especialmente instituições públicas de ensino superior, é que vai nos trazer possibilidades de realização." Segundo Malu, o fórum teve como objetivo principal pensar o papel da universidade na gestão, na produção e nas políticas públicas de cultura. "A partir do evento, criamos um grupo permanente para a continuidade das discussões, exatamente sobre esse papel que a universidade deve representar”, acrescenta.


A necessidade de articular e pensar a produção de políticas culturais na academia é essencial para Antonio Albino Rubim, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA). "Nós sabemos que as universidades são ambientes culturais, mas é absolutamente estranho que elas, enquanto ambientes culturais, não tenham políticas de cultura." Segundo ele, essas instituições têm grande atuação no campo da formação, pesquisa e extensão, mas são desarticuladas, rebaixando seu potencial cultural. A política de cultura - uma ação sistemática, continuada, organizada e articulada - seria uma das saídas. No centro do debate, destaca Rubim, está a questão da diversidade, cultural e social. Para ele, esses são valores fundamentais para evitar um "retrocesso imenso" no país.

Arquiteto e urbanista, Luiz Augusto Fernandes Rodrigues, um dos criadores e coordenador do primeiro curso de graduação em Produção Cultural - fundado em 1995 na Universidade Federal Fluminense (UFF) -, concorda com Rubim sobre a necessidade de uma visão continuada. "Esse olhar sistêmico demanda um conjunto de forças e valores que não se implementa de uma hora para outra. Nós vínhamos caminhando em uma perspectiva que contribuía para a construção disso e estamos sob risco de um enorme retrocesso."

A carência de gestores, envolvidos diretamente com a organização no campo da cultura, e a pouca oferta de cursos de graduação na carreira - existem somente 11 no país - são problemáticas para Rodrigues.  Segundo ele, que é professor da UFF, é preciso pensar o planejamento da área sob a lógica de um sistema de produção cultural, de curto a longo prazos, buscando mecanismos de capacitação, formação e avaliação continuada.

Durante o evento na Unicamp, o filósofo Ivânio Lopes de Azevedo Júnior apresentou a experiência positiva da Pró-Reitoria de Cultura (Procult) da Universidade Federal do Cariri (UFCA). Nela, a comunidade é parte central e as grandes questões são decididas em assembleia. Além disso, a institucionalização da cultura pela Procult permitiu a aproximação com outras áreas acadêmicas, como a engenharia, além de proporcionar novas formas de captação de recursos e parcerias, destacou.

Norteamento
Para o pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da Unicamp, João Frederico Meyer, a cultura é um dos suportes da prática de extensão acadêmica. "A cultura responde à universidade indicando quais caminhos nossa ciência deve seguir. O sabor e o saber da cultura fazem parte da extensão universitária. Alguns se formam para trabalhar na TV, outros para ficarem famosos, mas nossa missão é muito maior, porque a extensão é o braço da universidade que quer transformar uma sociedade e mudar essa história", avalia.

Adriana Nunes Ferreira, coordenadora do Penses (Fórum Pensamento Estratégico), enfatizou que o evento alia-se à proposta do órgão, que é estreitar os laços entre Unicamp e a comunidade que a cerca com debates e reflexões sobre diferentes temas em diversos aspectos sociais, econômicos e políticos. "Fiquei feliz quando recebemos a proposta de parceria para este Fórum, pois o momento para essa discussão é propício e urgente porque vivemos um momento de desmanche, sombrio. Há uma crise de várias dimensões e, não pela primeira vez, a cultura foi uma das primeiras áreas a serem atingidas duramente. É na cultura que residem poderosas possibilidades de questões de resistência. Na Unicamp, em particular, todo o processo que levou à política de desenvolvimento cultural é oportunidade de refletir sobre o papel da universidade nesse campo."

De acordo com Margareth Junqueira, coordenadora de Desenvolvimento Cultural da Unicamp, a realização do evento com o Penses e o Instituto de Artes da Unicamp reflete a atenção em aprofundar a discussão sobre a importância da presença da universidade tanto na questão das políticas públicas quanto na gestão e realização para a área da cultura.

Rachel Gadelha, assessora da Secretaria de Cultura do Ceará
Margareth Junqueira, coordenadora da CDC
Público acompanha fórum sobre gestão cultural
Adriana Nunes Ferreira
João Frederico Meyer, pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários
João Brant, consultor de políticas públicas
Guilherme Varella
Fernando Hashimoto, diretor do IA

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