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Parasitas da leishmaniose e da doença de Chagas circulam em distritos de Campinas

Pesquisa de médica veterinária detecta presença de parasitas em Sousas e Joaquim Egídio

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Morar num lugar de sombra, água fresca e próximo à natureza. Por mais que esse projeto de vida seja estimulante, ele traz impactos ao meio ambiente e pode trazer riscos à população e à fauna silvestre. Isso porque as pessoas e os animais estão tendo mais contato inclusive com agentes e vetores de doenças com os quais não tinham anteriormente. Algumas espécies silvestres hoje começam a ter hábitos sinantrópicos – mais próximos dos seres humanos, passando a conviver com eles.

Os parasitas Leishmania e Trypanosoma cruzi, agentes das doenças leishmaniose e doença de Chagas respectivamente, estão circulando na fauna silvestre na Área de Proteção Ambiental (APA) que fica na região leste do município e que envolve os distritos de Sousas e Joaquim Egídio. Foi o que sugeriu estudo de doutorado da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) de autoria da médica veterinária Laís Moraes Paiz, dentro do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Ela investigou agentes de três zoonoses: as leishmanioses (tegumentar e visceral), a febre maculosa brasileira e a doença de Chagas.

Pela primeira vez nessa APA, a pesquisa mostrou que cerca de 6% dos 82 mamíferos examinados estavam infectados com Leishmania e cerca de 4% com Trypanosoma cruzi. O DNA dos parasitas foi detectado em amostras de sangue ou pele desses animais. Um deles também apresentou infecção por Leishmania possivelmente associada à leishmaniose tegumentar, responsável por casos humanos relatados na APA na década de 1990. Além disso, dez animais mostraram anticorpos para Leishmania, sugerindo exposição ao parasita.

Foto: Divulgação
Laís Moraes Paiz (à esq.), autora do estudo, e a professora Maria Rita Donalisio, orientadora: animais infectados estavam em áreas próximas de residências

Não foi encontrado DNA de agente de febre maculosa no sangue dos animais capturados. Esse resultado já era esperado, segundo Laís, em razão das características dos agentes causadores da doença. Um gambá capturado exibiu anticorpos para o principal agente da febre maculosa brasileira, Rickettsia rickettsii.  

Uma publicação desse grupo de pesquisa incluiu dados de ações de vigilância epidemiológica do município de Campinas, que registrou que os casos de leishmaniose visceral ocorrem entre cães de condomínios da APA desde 2009. Em 2013, a Secretaria Municipal de Saúde registrou prevalência de 1,5% de leishmaniose entre os 590 cães avaliados por sorologia e, em 2015, de 1,2% entre 571 cães testados.

Inicialmente, o projeto estudaria a ocorrência de um ciclo silvestre de transmissão de leishmaniose visceral no município, visto que a enfermidade tem ocorrido em cães na APA. Além disso, saltava uma questão: haveria transmissão na fauna silvestre e por isso os casos em cães aconteciam na área em que as residências estavam?

Mesmo sendo uma área protegida, a APA é delimitada por uma zona urbana com loteamentos e condomínios. Ao investigar a leishmaniose visceral, a autora percebeu a circulação de um parasita próximo do Trypanosoma cruzi – o Trypanosoma rangeli. Comentou que, nas áreas em que ele ocorre, também o parasita Trypanosoma cruzi costuma ocorrer, e eles acabam competindo por hospedeiros e vetores.

O estudo de Laís, que seria um mestrado, passou a um doutorado. Então ela procurou responder se haveria também a circulação do Trypanosoma cruzi e infecção nos mamíferos capturados para os agentes da febre maculosa, devido à sua relevância para a região, já que Campinas tem o maior número de casos de febre maculosa do Estado de São Paulo.

Circulação
O trabalho, financiado pela Fapesp, envolveu a participação da Secretaria Municipal (Unidade de Vigilância em Zoonoses) e Estadual (Instituto Adolfo Lutz) de Saúde para capturar mamíferos na APA pelo período de um ano, uma semana por mês, pois a investigação de animais silvestres é complexa e exige recursos e treinamento de pessoal. A tese de Laís também recebeu apoio do Instituto “Adolfo Lutz” de SP e de Bauru, da Unesp-Botucatu, da Superintendência de Controle de Endemias (Sucen) de Mogi Guaçu e de SP, da Prefeitura de Campinas, por meio da Unidade de Vigilância de Zoonoses.

A orientadora do estudo, a docente Maria Rita Donalisio, contou que, no Brasil, a infecção em cães em geral precede a infecção em humanos e que a não ocorrência de caso humano desde a confirmação da transmissão em cães, em 2009, não encerra a pesquisa sobre o tema. “Isso pode se dever a um contexto epidemiológico distinto nesta área: o envolvimento de vetor desconhecido, alguma outra cepa do parasita Leishmania ou o fato desse ciclo ocorrer em área de um condomínio de classe média com melhores condições de vida.”

Os animais capturados foram pequenos mamíferos da fauna, como gambás e saguis de duas espécies, de 18 áreas da APA entre 2014 e 2015. Foram buscadas áreas fragmentadas no interior da zona urbana da APA e também áreas distantes, em fragmentos de mata mais preservados, sem contato com residências humanas.

Laís utilizou uma metodologia na qual foram capturados os animais sem que sofressem eutanásia. Deles foi colhida uma amostra de sangue e fragmento de pele, em geral somente com contenção manual e anestesia local, além da colocação de microchip.

Os animais infectados com Trypanossoma cruzi e com Leishmania estavam em áreas urbanizadas, próximas de residências. Notou-se então que há essa proximidade e, se há um vetor, a transmissão pode existir, pois estão perto dos humanos e dos animais domésticos. Essas enfermidades são transmitidas por vetores insetos, ou seja, os animais silvestres infectados não transmitem as infecções diretamente.

Foto: Divulgação
Gambá capturado em uma das armadilhas: animais foram microchipados e soltos no local, após a colheita de amostra biológica; projeto foi aprovado pelo Ibama e pela Comissão de Ética no Uso de Animais | Foto: Laíz M. Paiz


Proximidade
Maria Rita afirmou que as mudanças na ocupação dos espaços urbanos, a invasão de áreas de matas, excursões ecológicas ou mesmo morar perto da natureza interferem no meio ambiente e podem mudar o perfil dessas doenças. Por isso, a leishmaniose visceral, uma doença rural, começou a se aproximar de regiões urbanas e periurbanas. Quanto à doença de Chagas, atualmente ocorrem surtos por transmissão oral pelo consumo de açaí e caldo de cana. Muitas vezes os vetores são esmagados e seus excrementos contaminam os alimentos.

“É como se as doenças se modificassem com o tempo, devido ao impacto das atividades humanas e à forma de organização social. Ocorrem adaptações de espécies ao ambiente peridoméstico. Os vetores silvestres começam a se adaptar a regiões semirrurais, os animais silvestres se aproximam de humanos e de animais domésticos, mudando o perfil dessas doenças, muitas vezes com outros ciclos de transmissão”, esclareceu a professora.

De acordo com ela, é preciso levar em conta que as leishmanioses e a doença de Chagas são doenças negligenciadas no Brasil. Aparecem em populações de baixa renda e recebem investimentos reduzidos na pesquisa, na produção de medicamentos e na forma de controle.

A leishmaniose visceral, disse, é uma doença grave em crianças e ocorre em vários Estados do país, principalmente no Nordeste. A febre maculosa, transmitida pelo carrapato estrela e causada pela bactéria riquétsia, pode ser fatal. A transmissão da doença de Chagas ao homem, no interior de residências, por vetores da espécie Triatoma infestans, que anteriormente era relevante, hoje está controlada no Brasil.

“Os sistemas de vigilância epidemiológica têm que estar atentos às ‘novas’ apresentações dessas doenças para repensar medidas de controle e adaptar estratégias de prevenção porque surgem outras populações sob risco. O homem não pode ter saúde num ambiente degradado ou num ambiente em que os animais estejam doentes”, advertiu a orientadora.

Para a doença de Chagas, como a transmissão pelo Triatoma infestans foi considerada eliminada do Brasil em 2006, as ações de vigilância entomológica acabaram ficando à margem, sendo que ainda há outras formas de transmissão da doença. Uma delas é por vetores fora do domicílio, mais comum na região amazônica, e outra é a transmissão oral. Só os gambás, animais detectados com o parasita na pesquisa, são os mamíferos capazes de eliminar o parasita no ambiente, por meio da secreção das glândulas anais de odor, podendo contaminar o ambiente e os alimentos.

 

 

Imagem de capa JU-online
Audiodescrição: Em área com mata à direita e à esquerda, imagem de corpo inteiro, cinco pessoas, de costas na imagem, caminham próximas umas às outras, em trecho de terra com folhas secas e galhos no chão, sendo que todos vestem um tipo de macacão branco e botas de borracha branca. Apenas uma das pessoas usa macacão verde. Todos carregam nas mãos um tipo de gaiola metálica, com cerca de sessenta centímetros de extensão por trinta centímetros de altura e de largura. O tempo está nublado. Imagem 1 de 1.

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