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Revestimento antimicrobiano de quitosana é usado em produtos hospitalares

Engenheira química desenvolve processo a partir do biopolímero

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É constante a ameaça de contaminação bacteriana, tanto em países desenvolvidos como, principalmente, em desenvolvimento ou do terceiro mundo, causadoras de várias patologias que, particularmente em áreas hospitalares, podem até causar a morte de imunodeficientes. Seus danos socioeconômicos e o aumento do número de bactérias patogênicas resistentes aos antibióticos impõem à busca de novas alternativas de controle de infecções. Entre essas, revestimentos antibacterianos têm sido desenvolvidos com a utilização de diferentes materiais e processos. Este é o escopo da pesquisa da engenheira química Juliana Miguel Vaz, desenvolvida junto ao Laboratório de Engenharia e Química de Produtos, do Departamento de Engenharia de Materiais e Bioprodutos, da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp, orientada pela professora Marisa Masumi Beppu.

A ideia inicial foi a de possibilitar a cobertura de possíveis repositórios de organismos microbianos, constituídos por materiais abióticos – que não possuem ação biológica, para que pudessem receber a cobertura de um antimicrobiano de forma estável. O trabalho ampliou-se com o desenvolvimento de um processo que permite a adição de quitosana em teflon e têxteis utilizados na área médica.

Foto: Scarpa
A engenheira química Juliana Miguel Vaz, autora da pesquisa

Com efeito, a modificação superficial de polímeros utilizados como substrato permite melhorar as propriedades de superfície, facilitando o desenvolvimento de materiais otimizados com respostas biológicas adaptadas ou adaptáveis ao ambiente em que serão utilizados. Por outro lado, a quitosana é um biopolímero com atividade antimicrobiana inerente, utilizada em amplas variedades de aplicações de saúde e industriais, o que a torna particularmente interessante para o desenvolvimento de novos materiais funcionalizados.

Provindas de produtos naturais em grande parte descartados pelas indústrias de processamento de crustáceos e moluscos, as quitosanas têm composições variadas e dependentes da origem e dos processos de extração, o que pode influenciar suas ações e aplicações. Diante disso, faz-se necessário a caracterização desses biopolímeros, o que constituiu uma das fases do trabalho que se concentrou em três tipos de quitosanas.   


Recobrimento de teflon e têxteis

O processo de recobrimento de superfícies com quitosana desenvolveu-se em três etapas distintas. A primeira envolveu a funcionalização da superfície do substrato, com a utilização da técnica de plasma. O plasma nada mais é do que um gás ionizado, constituído de partículas carregadas, no caso, decorrentes da passagem de uma mistura gasosa de nitrogênio (95%) e hidrogênio (5%) através de um sistema de radiofrequência. As partículas carregadas daí resultantes são capazes de se ligarem ao substrato - o polímero a ser modificado, onde se formam grupos químicos capazes de reagir com outras moléculas. 

Foto: Reprodução

Depois, o substrato potencializado recebeu moléculas de outra substância portadora de grupos funcionais capazes de estabelecerem ligações tanto como ele como com a quitosana a ser adicionada, processo que se denomina grafting. Três moléculas com diferentes características foram testadas com essa finalidade. Às superfícies assim preparadas foi então adicionada a quitosana. A utilização destas moléculas espaçadoras - o grafting - é necessária porque a ligação direta entre o substrato e a quitosana é incompatível, enquanto os spacers têm grupos funcionais capazes de ligá-los tanto ao substrato quanto à quitosana.

A eficiência do recobrimento antibacteriano com quitosana foi devidamente testada e confirmada com o emprego das bactérias Eschrichia coli, Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus. Os resultados promissores inicialmente obtidos em amostras de teflon (PTFE) encorajaram a aplicação da metodologia em um substrato de PET, polímero muito usado no ramo de têxteis convencionais e também na produção de têxteis hospitalares e biomateriais. Diante dos resultados alcançados Juliana considera que “a metodologia de plasma-grafting desenvolvida no estudo para recobrimentos de quitosana pode ser aplicada para a produção de superfícies onde a atividade antibacteriana é desejada”.

 

Foto: Reprodução
A superfície a ser tratada recebe grupos químicos que a ligam a moléculas espaçadoras capazes de reagir com a quitosana, possibilitando a formação de um recobrimento antibacteriano eficiente e duradouro

Alcances do estudo

A pesquisadora considera que a quitosana tem uma ação antibacteriana que precisa ainda ser mais bem explorada, embora os recobrimentos de superfícies com elas se mostrem muito pronunciados e efetivos para ação sobre determinados tipos de bactérias. O processo desenvolvido pode ainda ser utilizado para explorar o efeito coagulante da quitosana através de tecidos aplicados sobre incisões. Ou até na produção de fármacos em que o medicamento chega ao local da ação na concentração desejada. “A quitosana também pode servir como uma plataforma para a produção de curativos antibacterianos de uso tópico capazes de liberar gradativamente um fármaco. Outra possibilidade da aplicação da quitosana é na produção de nanopartículas que possibilitem a condução de medicamentos através da corrente sanguínea até o órgão desejado. São possibilidades que se vislumbram e essa é uma das importâncias da pesquisa básica”, afirma a pesquidadora.

Juliana generaliza: “Materiais funcionalizados têm aplicação nas áreas de medicina, engenharia, transportes, sportwear, entre outras. Na indústria podem ser utilizados para minimizar a contaminação de alimentos e atender à demanda por produtos poliméricos têxteis que impeçam a transmissão de doenças e beneficiem o meio ambiente com a utilização de resíduos normalmente descartados”.

 

Colaborações

O grupo coordenado pela professora Marisa Beppu tem acumulado vasto conhecimento na aplicação tecnológica de biopolimeros, o que o tornou referência no Brasil para pesquisadores de diversos países como França, Holanda, Portugal, Argentina, Canadá, Estados Unidos, dentre outros.

Esse contexto tem permitido que o laboratório coordenado pela docente venha estabelecendo colaborações com pesquisadores de vários países, possibilitando uma troca muito rica para a formação de futuros professores e pesquisadores.

No caso de Juliana a colaboração se deu com o Laboratório de Biomateriais e Bioengenharia da Universidade Laval, em Quebec, Canadá, em que o professor Diego Mantovani é internacionalmente conhecido na área de biomateriais voltados mais especificamente para estudos de tratamento e modificações de superfícies.

A autora enfatiza: “As abordagens dos dois grupos embora diferentes se complementam, permitindo somar mutuamente conhecimentos e experiências. Essa participação conjunta foi imprescindível devido à complexidade e abrangência das áreas relacionadas ao estudo, engenharia, biotecnologia, nanotecnologia, físico-química e ciência dos materiais, aplicadas no desenvolvimento de um novo material e na ampliação de um campo de pesquisa prioritário para o Brasil”.

 

Imagem de capa JU-online
Amostra de produto em laboratório da Faculdade de Engenharia Química | Foto: Antonio Scarpinetti

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