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Das montanhas da Colômbia ao planalto de Campinas

Artista usa pintura e fotografia como suportes da memória e de pesquisa de mestrado

Edição de imagem

Foto: ReproduçãoTransitando entre suas casas na Colômbia e no Brasil, explorando o corpo, a intimidade e a memória e usando linguagens como a pintura e a fotografia. Foi assim que a colombiana Angie Niño concebeu a dissertação “Casa Campinas–Casa Pastales”, defendida no programa de pós-graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes (IA) da Unicamp, sob orientação da professora Lygia Eluf (veja, abaixo, texto da docente). Agora, as pinturas e fotografias produzidas durante o mestrado estão em exposição no Centro Cultural Rabeca, em Sousas, Campinas.

Foto: Scarpa
Angie Niño, autora da dissertação: “O projeto surgiu a partir de relações subjetivas, permitindo construir ligações entre minhas casas na Colômbia e no Brasil, estimulando uma reflexão poética na qual se desenvolvem a representação e a abstração de algumas imagens”

Nascida em Ibagué, Angie esteve pela primeira vez na Unicamp em 2013, quando fez um intercâmbio durante a graduação. Nesse período, acompanhando aulas do curso de Artes Cênicas e Visuais, conheceu a professora Lygia. Depois de apresentar seu trabalho para a docente, Angie convidou-a para ser sua coorientadora do trabalho de conclusão de curso na Colômbia. Lygia não só aceitou, como foi até a Colômbia e acabou a chamando para cursar o mestrado sob sua orientação, a partir de 2015.


As duas casas

Entre ir e voltar da Colômbia, Angie fez fotos das suas duas casas. Logo, passou a selecionar e fazer comparações entre as imagens, começando assim um processo criativo no qual a observação, seleção e construção foram os elementos principais. Seguindo de algumas experimentações com gravuras e desenho, ela entrou com a pintura. “O projeto surgiu a partir de relações subjetivas, permitindo construir ligações entre minhas casas na Colômbia e no Brasil, estimulando uma reflexão poética na qual se desenvolvem a representação e a abstração de algumas imagens”, explica.

Foto: Divulgação
A casa de Angie em Pastales (à esq.) e em Campinas

Como resultado, a pesquisa apresenta uma série de 50 pinturas, que é o que está exposto em Sousas e vai ser exibido na Galeria do IA no próximo ano. As obras têm formato 15 cm x 25 cm, foram feitas em óleo sobre madeira e são acompanhadas dos registros fotográficos. Além disso, a exposição tem uma série de quatro fotografias impressas em papel Canvas com formato 1,20 cm x 90 cm.

Um ponto importante no processo de criação do projeto foi a memória. Angie começou a perceber, enquanto pintava, detalhes que lhe remetiam a lembranças de determinados locais. “Só que você tem uma lembrança que você cria, não é verdadeira, certo? Isso chamou minha atenção, de como uma imagem pode remeter a várias coisas, mesmo que sejam no imaginário. Eu vou criando um mundo a partir daquilo que me mostra uma imagem”, conta a artista. Outro fator que influenciou no trabalho foi o ambiente ao redor. O cenário entre as montanhas na zona rural (chamada Pastales, que dá nome ao trabalho) e a casa de aspecto rústico contrasta muito com Campinas, onde ela circulava principalmente entre sua casa e a Universidade. Além disso, no primeiro, as cores eram mais quentes, enquanto no segundo os tons frios predominavam.

Fotos: Reprodução
Trabalhos de Angie expostos na Rabeca Cultural: evocação da memória


Transitando entre culturas diferentes

O primeiro contato de Angie com a arte foi quando ela era pequena e seu pai a levou a um concurso de artes para crianças. Ele sempre a incentivou, mas ela sempre manteve um contato inocente com esse mundo, nunca imaginando que iria enveredar por esse caminho e se transformar numa artista. Suas atenções na escola iam para biologia e computação, apesar de gostar de desenhar. Depois de realizar uma viagem de dois anos pela América do Sul, Angie resolveu se inscrever no curso de artes na Universidade de Tolima, que havia sido reaberto após 30 anos fechado por motivos políticos.

Foto: Divulgação
Encadernação de exemplar da dissertação: volumes foram costurados

Angie se mostra aberta ao futuro. Lamenta que sua orientadora do mestrado esteja agora aposentada e não poderá orientá-la em um eventual doutorado na Unicamp, que é um dos seus planos. O outro é ir para a Europa. Sempre se deslocando, ela vive entre várias culturas, o que parece não a incomodar. “Eu acho que eu me adapto facilmente, até porque eu gosto de viajar muito, gosto de conhecer outras culturas e acho que me dou bem. Você acaba sendo de nenhum lugar. Às vezes, parece que você fica numa transição entre culturas e acaba ficando no meio”.

 


Casa Campinas – Pastales – casas da lembrança

LYGIA ELUF

As verdadeiras casas da lembrança, as casas onde nossos sonhos nos levam, as casas ricas de um onirismo fiel, são avessas a qualquer descrição Descrevê-las seria fazê-las visitar. (G.Bachelard)

A casa incrustrada numa rocha de uma montanha em Pastales me fez entender imediatamente Ibagué, Colômbia, a cidade de onde vem Angie Niño. Entre os montanheses e os habitantes do vale, ali se apresentava a possibilidade de um discurso visual intenso e único. Aquele lugar guardava amorosamente as características locais, carregando sua poética e reconhecendo o apelo de uma produção artística alinhada com as inquietações do mundo contemporâneo. Foi esse o momento em que compreendi o que significava estar em contato com aquela pintura. Sua formação percorreu os caminhos dos mestres pintores locais, da chamada arte acadêmica, seguiu os rumos da produção contemporânea quando concluiu seu curso na Faculdad de Arte na Universidad del Tolima e se completou em seu mestrado no curso de Artes Visuais do Instituto de Artes da Unicamp. Toda essa complexidade se revelará nas pinturas e fotografias que vemos nessa exposição.

As pinturas recuperam inquietações sobre luzes e sombras e a construção da trama pictórica. Ao falar de pintura, Angie diz: “… pintura es expresar todo lo vivído con ella. Desde mis inicios como pintora de caballete sentía absoluto placer frente a una tela, pasaba horas plasmando imagines...” E vai adiante: “La pintura para mi es un referente imprescindible, al hablar de pintura se assume que ya no es lo que era y que debemos acercarnos a ella más como tradición que como técnica, así entenderemos que la pintura también és una idea y una forma de pensar.”

É a determinação desse olhar, contaminado pela parceria entre a imagem fotográfica e as sensações e vivências, que revela um robusto conhecimento da técnica. A fotografia amplia essa ideia oferecendo ao espaço suas diretrizes construtivas e simultaneamente plasmando as formas que o constituem. As delicadas harmonias cromáticas são estabelecidas com sensibilidade e inteligência. O sentimento que se oferece ao olhar, se apodera de nossa percepção ao transmitir a imagem: ausência e nostalgia nos remetem a esse lugar constituído por sua memória afetiva.

O prazer que a artista registra ao estar diante da pintura parece estar presente em todas as ações artísticas que ela/corpo executa. E é justamente seu corpo que traz essa produção para o contexto contemporâneo quando se torna o fio condutor da narrativa de um processo de criação artística, propondo rupturas e novas aberturas de percepção. Esse corpo que sente e age e deixa um rastro de impressões poéticas definidas pelas cores, manchas e linhas explicita claramente sua intenção: “Una mancha o sombra me hace referencia a un lugar que no aparece allí y que solo yo como un cuerpo que habito en aquel espacio puedo percibir y quién observa puede tal vez identificar una imagen en común o no y queda la incerteza de imagines ambiguas, sin mucha pretenciosidad, teniendo una fuerza subjetiva que conlleva a esos instantes”.

Com esse corpo de imagens Angie nos provoca, num vai e vem constante entre a imaginação e o acréscimo de valores de realidade, a possibilidade de isolar essa essência sensível e concreta de uma intimidade protegida, de um canto do mundo.

 

 

 

Serviço

Exposição: Casa Campinas–Casa Pastales

Onde: Rabeca Cultural (Av. Dona Maria Franco Salgado, 250, Jardim Atibaia, Sousas, Campinas)

Data: até o dia 27/10 de segunda a sexta, das 9h às 12h e das 14h às 17h; sábados, das 9h às 12h

Entrada Gratuita

 

 

 

 

 

Imagem de capa JU-online
Artista usa pintura e fotografia como suportes da memória e de pesquisa de mestrado

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