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Livro destaca trajetória de estrela da Vera Cruz

Pesquisadora da Unicamp resgata a história de Eliane Lage em capítulo de publicação internacional

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“O cinema é faz de conta, eu quero viver a vida”, assim dizia Eliane Lage (1928) a seu marido, Tom Payne, conforme conta no documentário autobiográfico Eliane. Ela, que não almejava ser atriz, entrou para a história do cinema brasileiro como protagonista de Caiçara, primeiro filme da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, em 1950. De beleza impressionante, mas longe de atender às expectativas do glamurizado mundo da sétima arte, Eliane Lage já foi objeto de documentário, tese de doutorado e agora vira destaque no livro Stars and stardom in braszilian cinema (Estrelas e o estrelato no cinema brasileiro), lançado mundialmente pela Berghahn Books, no mês de fevereiro. A responsabilidade por garimpar e documentar essa intrigante trajetória é da historiadora e documentarista Ana Carolina de Moura Delfim Maciel, coordenadora do Laboratório de História Oral e Audiovisual do Centro de Memória (CMU) da Unicamp e pesquisadora associada do departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH).

Foto: Antoninho Perri
A historiadora e documentarista Ana Carolina de Moura Delfim Maciel: “Eliane Lage era uma estrela fora dos moldes, não se encaixava no perfil comportamental das stars hollywoodianas”

Ana Carolina conta que o processo de edição do livro foi extremamente cuidadoso. Foram mais de 14 anos, desde que uma das organizadoras do volume, a professora inglesa Lisa Shaw, a convidou para integrar a publicação, dedicada ao estrelato no cinema brasileiro. O livro foi lançado na Oceania, América, Japão e China e, no próximo mês, alcançará no resto do mundo. “Não imaginava que um tema tão controverso e por vezes obscuro como o star system brasileiro pudesse ter tamanho alcance e visibilidade”, observa a pesquisadora. No Brasil, o lançamento será no dia 4 de abril, às 19 horas, no Espaço Cultural dos Correios, no Rio de Janeiro.

O livro, editado por Tim Bergfelder (University of Southampton), Lisa Shaw (University of Liverpool) e João Luiz Vieira (Universidade Federal Fluminense), conta com pesquisadores de diversos países e tem como objetivo contribuir com o debate sobre como star system e foi desenvolvido no Brasil. Originada nos estúdios hollywoodianos, a produção de estrelas ampliou-se para outros países, ganhando novas configurações de acordo com as cinematografias onde se inseria. No Brasil, um dos principais expoentes desse processo foi a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, que funcionou entre 1949 e 1954, em São Bernardo do Campo (SP), e produziu 18 longas-metragens. O advento da televisão também agiu diretamente nessa dinâmica de produção e reprodução do estrelato, que ultrapassou as fronteiras do cinema.

Foto: reprodução
Eliane Lage em cena de Caiçara, produção da Vera Cruz: atriz vive numa fazenda em Goiás

“Com uma cinematografia que atravessou o século XX caracterizada por surtos descontínuos e sem atingir um patamar industrial, o star system brasileiro se ressentiu, atravessando dificuldades que o deixaram num papel periférico, no ostracismo”, explica Maciel. Através de figuras como Carmen Miranda e Grande Otelo, o livro analisa a história do cinema brasileiro, chegando até estrelas atuais como Seu Jorge e Rodrigo Santoro.

Eliane Lage nasceu na França, em 1928, de mãe inglesa e pai pertencente à alta sociedade carioca. Trazida para o Brasil pelo pai, após a separação do casal, ela teve uma infância atípica, conforme conta Ana Carolina. “Ela morava em uma ilha na Baía da Guanabara, sob os cuidados de um mordomo e uma governanta, sendo que, periodicamente, o pai ia visitá-la. Os anos passados isolada de um convívio mais amplo e em meio à exuberância da natureza, foram marcantes no desenvolvimento de sua personalidade e na sua postura fora dos moldes do esperado de uma star cinematográfica”.

Na juventude, de volta ao Rio de Janeiro, após uma temporada na Europa, conhece Tom Payne, que vinha da Inglaterra para ocupar cargo de diretor cinematográfico na recém-criada Vera Cruz. “Você é inglês? Não, argentino. Ah, que pena.” Este foi o primeiro diálogo entre os dois, conforme conta rindo no documentário de 2011, dirigido por Ana Carolina Maciel e Caco Souza.

“Eu não teria feito cinema se eu não tivesse me apaixonado”, afirma a estrela. Ela descreve sua meteórica carreira como um trabalho movido a paixão. “Ele [Tom Payne], paixão por cinema. Eu, paixão por ele. Paixão generalizada”. Ao contrário de muitos artistas que decoram suas paredes como monumentos ao passado, Eliane guarda sua história em um modesto baú em sua casa no interior de Goiás, onde cuida de uma fazenda. Para ela, o cinema é parte do passado, não mais do que uma boa lembrança. “Eu não levanto de manhã e digo sou atriz de cinema”, observa no referido documentário.

“Ela era uma estrela fora dos moldes, não se encaixava no perfil comportamental das stars hollywoodianas. Avessa à badalação, ela se esquivava dos holofotes. Revistas especializadas da época, tal como a Cinelândia, exploravam essa postura outsider, comparando-a com a atriz sueca Ingrid Bergman, que também havia optado por uma vida reclusa”, conta Ana Carolina Maciel. Além de Eliane Lage, a historiadora investigou trajetórias de diversas estrelas brasileiras da década de 1950, especialmente as que atuaram na Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Sua pesquisa deu origem ao doutorado Yes, nós temos bananas, defendido no IFCH e publicado pela Alameda Editorial, em 2011. Leia matéria sobre a tese, A musa do sonho frustrado, publicada no Jornal da Unicamp.

Sobre sua participação no livro Stardom, Ana Carolina Maciel ressalta, “a história do star system brasileiro precisava ser escrita, analisada e redimensionada. Graças ao lançamento da Berghahn Books, poderá expandir fronteiras, atingindo um público mais amplo, em escala global”.

 

Foto: ReproduçãoSERVIÇO

Título: Stars and Stardom in Brazilian Cinema

Autores: Tim Bergfelder, Lisa Shaw e João Luiz Vieira (Organizadores)

Editora: Berghahn Books

Páginas: 302

Preço: R$ 603,92

Lançamento: Dia 4 de abril, às 19h, no Espaço Cultural dos Correios. Rua Visconde de Itaboraí, 20. Centro - Rio de Janeiro (RJ).

 

Imagem de capa JU-online
Foto: Divulgação

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