Foto: Antoninho PerriJosé Alves de Freitas Neto - Professor livre-docente do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e coordenador executivo da Comissão Permanente para os Vestibulares (Comvest). Autor de “Bartolomé de Las Casas: a memória trágica, o amor cristão e a memória americana” (Annablume) e coautor de “A Escrita da Memória” (ICBS) e “História Geral e do Brasil” (Harbra). É autor de diversos artigos e capítulos sobre cultura e política na América Latina (séculos XIX e XX).

 

Os resultados do vestibular

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Ilustra: luppa SilvaSão muitos os modos de se avaliar um processo de seleção às universidades. Os candidatos, certamente, ficam ansiosos por seus nomes nas listas que os associam a uma carreira que imaginam ser capaz de lhe trazer recompensas em suas trajetórias pessoais e profissionais. As instituições, por sua vez, exibem em seus processos as expectativas e os perfis de ingressantes que desejam para o próximo ciclo de graduação. A prova de conhecimentos gerais, a proposta de redação e as provas específicas são mais do que um elenco de temas ou parte de um processo de classificação dos que buscam uma vaga no ensino superior.

A elaboração de uma prova como o vestibular ou processos mais amplos como o ENEM deve escapar do modelo triunfalista que alguns exibirão por serem aprovados. Se pensarmos que, aproximadamente, mais de 2 milhões de jovens disputam quase 240 mil vagas em universidades pelo Sistema de Seleção Unificada (SISU) ou quase 84 mil candidatos inscritos no Vestibular Unicamp estavam na disputa de 3.340 vagas, não há motivos para argumentos como a meritocracia ou a de um traço esfuziante pelos índices obtidos. Os dados indicam que, a despeito dos avanços, o ingresso na universidade pública é altamente seletivo e os jovens enfrentam uma competição acirrada.

A universidade, em suas tarefas de ensino, pesquisa e extensão, demanda pessoas qualificadas que venham a contribuir com o desenvolvimento da ciência, tecnologia, serviços, educação e cultura. O lugar cômodo é que a disputa, mesmo em contexto de inclusão, sinaliza um horizonte de que as vagas são ocupadas a partir de um processo criterioso. O equilíbrio entre as propostas de um ensino superior cada vez mais acessível e a demanda da pesquisa científica de ponta desenvolvida na universidade é desejável. O lugar incômodo é que em nome desta última, as comunidades acadêmicas e científicas vejam as formas de ingresso como um fim em si mesmo.

Os concluintes do ensino médio chegam ao vestibular com a plenitude de seus anseios e com uma elevada carga de expectativas pessoais. Recaem sobre os jovens as cobranças deles mesmos, de familiares, das escolas e do meio em que vivem. O que nem sempre é dito é que, a despeito de seu empenho e esforço, eles trazem consigo as condições culturais, históricas e sociais de sua relação com os conhecimentos e saberes exigidos pela escola e pelas universidades.

Quando as habilidades não são explicitadas aos estudantes, oculta-se a arbitrariedade do processo ao qual se submetem os candidatos ao ensino superior. A existência de um patamar minimamente definido e com regras objetivas oculta as diferenças que marcaram as vivências anteriores. Não se trata de determinismo, evidentemente, mas os jovens não podem carregar sozinhos os resultados em processos altamente competitivos: nem no êxito de uma aprovação que lhe imputaria uma linha reta de sucesso; nem na ideia de que o fracasso em uma seleção inviabilizaria suas escolhas futuras.

Os estudantes não podem ser avaliados isoladamente por seus resultados em processos como o Vestibular e o Enem. Educadores e responsáveis devem ser cuidadosos em relação a suas expectativas e cobranças projetadas sobre os candidatos ao ensino superior
Os estudantes não podem ser avaliados isoladamente por seus resultados em processos como o Vestibular e o Enem. Educadores e responsáveis devem ser cuidadosos em relação a suas expectativas e cobranças projetadas sobre os candidatos ao ensino superior

A sociedade, como um todo, e os educadores e responsáveis, em especial, devem ser cuidadosos na maneira de lidar com as sensações experimentadas pelos candidatos. Não podemos transferir a indivíduos, isoladamente, as mazelas e privilégios construídos socialmente e historicamente. O acesso ao ensino superior apenas explicita parte do que somos como sociedade. As principais universidades do mundo, as mais prestigiadas, são amplamente disputadas. O problema é quando não há efetivas alternativas para os que ficam de fora dessa disputa ou quando as alternativas são marcadas pela precariedade previamente definida.

A prova e seus significados

A função social e crítica das universidades deve ser explicitada continuamente. Os vestibulares, nesse sentido, são a oportunidade de apresentar diretrizes e perspectivas desejadas para os estudantes. Uma instituição pode, por exemplo, fazer um processo de admissão de conteúdos clássicos que dialogam diretamente com saberes científicos consolidados. Ou, de forma mais arrojada, sinalizar que sua avaliação demanda leitura de mundo, partindo de saberes escolares amplamente difundidos e de referenciais científicos que serão necessários na vida universitária, ao mesmo tempo em que sinaliza uma postura de comprometimento com a pluralidade e o respeito aos direitos humanos. Não há possibilidade de se pensar a formação acadêmica sem este compromisso prévio.

O Vestibular Unicamp 2018 abordou questões mais próximas da realidade dos estudantes, conforme os comentários dos candidatos e coordenadores de escolas
O Vestibular Unicamp 2018 abordou questões mais próximas da realidade dos estudantes, conforme os comentários dos candidatos e coordenadores de escolas

O Vestibular Unicamp expressa uma identidade desde a sua criação. Na última edição, muitos temas foram destacados em torno da contextualização social e que permitiram aos candidatos desenvolverem e elaborarem aspectos necessários para discernir informações e posicionamentos e seus usos tantos para conhecimento cientifico, cultural e tecnológico, como para sua atuação enquanto cidadãos. A prova também foi condizente com a perspectiva de uma universidade pública comprometida com a sociedade e que quer ter no seu interior toda a diversidade possível, sem que isso tenha significado o desprezo por elaborações mais abstratas, complexas e criativas, como as exigidas nas provas de habilidades específicas.

Todos os anos, a Comissão Permanente para os Vestibulares (Comvest) realiza encontros com professores e visita dezenas de escolas com o intuito de apresentar a estrutura da prova, seus modos de concebê-la e critérios de seu sistema de seleção. É um compromisso de transparência para que os estudantes saibam o que esperar na prova e, com isso diminuir, a incidência do acaso. A Unicamp tem metas definidas pela legislação e pelo Conselho Universitário, como a ampliação da presença de estudantes de escola pública e a representatividade da população quanto a aspectos étnico-raciais.

Múltiplos sistemas

O protagonismo e o reconhecimento da Unicamp, ao longo de seus mais de 50 anos, faz-se por um grande número de variáveis. O modo de selecionar estudantes é parte desse processo. É desejável que os candidatos tenham a perspectiva de encontrar o caminho que lhe pareça mais adequado a seu perfil. As mudanças para o ingresso em 2019, como a reformulação do PAAIS, o Vestibular Indígena, as cotas étnico-raciais, os editais ENEM e vagas olímpicas, ao lado do ProFIS, nos permitem vislumbrar um quadro ainda mais interessante para o próximo ano.

O sistema de ingresso na Unicamp será alterado para 2019. O Vestibular será responsável pelo preenchimento de 80% das vagas da graduação. O vestibular indígena, o uso do ENEM e o edital para participantes de olimpíadas e disputas científicas passam a fazer parte do processo de seleção da Universidade, que também adotará cotas étnico-raciais
O sistema de ingresso na Unicamp será alterado para 2019. O Vestibular será responsável pelo preenchimento de 80% das vagas da graduação. O vestibular indígena, o uso do ENEM e o edital para participantes de olimpíadas e disputas científicas passam a fazer parte do processo de seleção da Universidade, que também adotará cotas étnico-raciais

Pensando nos candidatos ao ensino superior é desejável que haja múltiplos sistemas e provas. A adoção do ENEM como critério para a maioria das universidades públicas do país, sobretudo as federais, tem aspectos positivos, mas oculta problemas e restringe as opções dos estudantes quando se operacionaliza o SISU com apenas 2 escolhas de curso em um amplo leque de cursos e universidades. Mesmo a ideia de que o sistema federaliza ou provoca a diversidade regional é discutível. Quantos são os acreanos frequentando uma universidade federal em São Paulo? E quantos são os paulistas que ocupam postos em Cuiabá e Teresina, em cursos como Medicina? Tais questões, evidentemente, não são incontornáveis, nem a principal faceta do processo administrado pelo Sisu/INEP/MEC. Mas, na ânsia de produzir um exame nacional, as universidades perdem um pouco de sua autonomia quanto a critérios de escolha de seus ingressantes.

É importante que a Unicamp, assim como USP, Unesp e outras instituições mantenham seus processos de seleção. A combinação com outros sistemas também é desejável, mas a primeira cara da universidade é a prova que ela realiza. O estudante almeja a universidade e busca familiarizar-se com suas provas e perfis. Nesse sentido, os resultados do vestibular, quando anunciados na próxima semana, não nos surpreenderão: teremos estudantes que expressam múltiplas vozes e vetores da sociedade, terão uma visão crítica e contextualizada e serão protagonistas nas áreas das artes, cultura, ciências e tecnologias.

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