ANOTAÇÕES SOBRE BAKHTIN
Verbetes do curso "Tópicos de Lingüística
V",
ministrado
pelo Prof. Dr. João Wanderley Geraldi,
sobre o pensamento de Mikhail M. Bakhtin,
anotados entre julho e novembro de 2003
Wilson David
wilsondavid@cpfl.com.br
À guisa de apresentação
O gênero
"Anotação" só se justifica no ambiente de aula, e tem como primário o
mundo da vida e da cultura interconectados pelo ato responsável (Postupok) de mediação do mestre em
infinita dialogia com o aluno. O estudante, cujo Eu se desloca para o lugar do
sujeito da empatia, subsume novamente esse Eu que volta enriquecido,
humanizado, despertado. Como escreveu Maria Zambrano, Y el maestro ha de ser quien abra la possibilidad, la realidad de outro
modo de vida, de la de verdad. La ignorancia despierta es ya inteligencia em
acto. Ignorancia y saber circulan y se despiertan igualmente por parte del
maestro y del alumno, que sólo entonces comienza a ser discípulo: Nace el
diálogo.
O Professor Jorge Larrosa, catedrático eminente da Universidade
de Barcelona, Espanha, durante uma palestra no Centro de Convenções da Unicamp
em agosto de 2003, apresentou as categorias essenciais da obra de Maria
Zambrano, escritora pouco conhecida no Brasil e ainda não traduzida em Língua
Portuguesa. Para ela, ler é defender a solidão em que se está, solidão
específica que é uma comunicação.
O ato responsável de escrever e ler se justifica
porque temos falado demais, e na oralidade as palavras circulam depressa
demais, sentimo-nos fora de nós mesmos, nossas palavras nos atacam. Dizemos as
palavras e as perdemos. A leitura e a escrita são meios de deter o tempo
crônico, veloz, que nos arrasta. No ler e no escrever podemos sentir as
palavras de uma forma diferente, mudamos nossas relações com as palavras, para
que alguma coisa seja tirada do silêncio.
Para Maria Zambrano, estudar tem a ver com a amizade
com as palavras. A sala de aula é o lugar da voz e, tal qual as clareiras dos
bosques, é onde aprendemos a ouvir. A voz do destino se ouve mais do que a figura
do destino se vê. Ao ler temos que ir
ao encontro da palavra, que também vem até nós. Mas se entramos distraidamente
numa aula, a palavra que nos é destinada chega melhor, pois não estamos
preocupados com outras coisas, ou seja, nossa abertura e disponibilidade é
maior. A palavra dita é fluida, o espírito é vivo, pertence ao mundo da vida. A
letra escrita é morta e precisa de nossa vida para viver. Esses conceitos
remetem a Aristóteles, para quem o que
está na voz é o símbolo dos padecimentos da alma. Há elementos da voz que não
podem ser escritos: gemidos, balbucios, sussuros.
Um bom estudante vai à aula para ouvir, não para
perguntar. O mestre não é alguém a quem
perguntar, mas ante quem procedemos ao ato responsável de perguntar a nós
mesmos o que não sabemos. A finalidade do professor é produzir conversa,
dialogia. Na sala de aula, a conversa tem qualidades específicas, há
acontecimentos e acasos, mas temos que tirar algum resultado de conhecimento.
Esta coleção de verbetes é uma organização em ordem
alfabética de anotações feitas durante as aulas do Professor Dr. João Wanderley
Geraldi, durante o curso "Tópicos de Lingüística V", ministrado no
segundo semestre de 2003 no Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP. Sua
apresentação como trabalho final do curso tem como objetivo fixar os conceitos
principais discutidos durante as aulas, e assim transformá-los em uma
ferramenta de auxílio à memória. Oxalá estas anotações sejam válidas como
fontes primárias para outros estudantes.
Acontecimento:
definição a partir de sua concretude |
A nova unidade real do mundo deixa de ser
produto de mente abstrata (mundo das idéias) para ser experimentada no
concreto. Partindo desse pressuposto, Bakhtin começa a estudar os romances de
Goethe, mostrando a noção de acontecimento como componente essencial e
irremovível, e não mais fragmentos de tempos determinados. A noção de
acontecimento adquire essencialidade única, unitária, geograficamente
localizada, uma vez que o acontecimento é da ordem do humano, interfere no
humano e na natureza justamente por ser geograficamente localizado. |
Alteridade e
Dialogismo |
São duas categorias essenciais em Bakhtin.
Quando escrevemos temos no horizonte um interlocutor, digo o que construí e o
Outro entende e pode fazer uma outra construção em cima disso e me retornar.
Daí a Responsabilidade. No processo de dialogia de Bakhtin, os sujeitos do
diálogo se alteram em processo (devir). O Diálogo é uma corrente inserida na
cadeia infinita de enunciados (atos) em que a dúvida leva a outro ato e este
a outro, infinitamente. O enunciado afirmado por alguém passa a fazer parte
de todos os enunciados, numa cadeia infinita. O mundo ético é fluido e
concreto, enquanto que a historicidade do ser em evento, participante,não é.
O centro de valores se dá fora do humano em toda a humanidade,
considerando-se a natureza como centro irradiador da verdade. A identidade é
dada pela alteridade. |
Análise do
discurso |
Bakhtin faz a descrição da arquitetônica
real, e somos levados a perguntar qual seria a importância dada à estrutura e
ao ato individual e concreto. Na análise de um discurso real, teríamos que
reconhecer a incapacidade de se fechar um modelo, para não termos a pretensão
de dizer "O discurso é isso", como Pravda. Os manifestos na cadeia
infinita de enunciados não têm fechamento, apesar de serem reais e acabados,
pois podemos indicar possíveis vazios. Por exemplo, na sala de aula, o
momento de "Eureka" do aluno é único e cada um tem o seu. Esse
momento pode se dar até anos depois do momento da aula. |
Assinatura,
Transcendência e Transgressão |
Transcendente significa "fora dos
limites do possível "( Divino). Transgrediente significa "fora do
que está sendo pensado ". Para a Sociologia Funcionalista, cada um faz
um papel determinado, e por esse ponto de vista podemos construir um álibi da
existência. No entanto, quando transgrido um papel, assumo que aquele era um
papel. Em Bakhtin assoma o conceito de assinatura,
que é fazer o papel responsavelmente, ato responsável, no qual não tenho
álibi de minha existência. Esse reconhecimento da unicidade de minha
participação (assinatura) é a própria ação realizada, ação única minha nesse
mundo. |
Ato da Empatia |
Ato necessário mas insuficiente na
contemplação estética como um todo. Na contemplação estética nós "nos
perdemos" inteiramente no objeto da percepção de maneira que não somos
mais capazes de separar o observador da percepção. |
Ato histórico |
Ato realizado em um tempo particular e em
um lugar particular por um indivíduo particular, ato único (once ocurrent), singular, "o um e
somente". |
Auto-atividade |
Operação ativa do Ego, espontaneidade
(Kant). |
Barthes |
"Eu não falo a língua: a língua fala em mim". Portanto, sou
porta-voz de minha formação, não tenho responsabilidade. Sob esse ponto de
vista, é irrelevante qualquer discurso, pois todos os discursos estão
previstos. Bakhtin não concorda, pois para existir começo, é preciso
rompimento com o já dito.A noção da indeterminação na Física é difícil de se
introduzir nas Ciências Humanas, pois esta só reconhece o "já
dito". |
Cadeia infinita
de enunciados |
Entramos na cadeia de enunciados falando,
e a palavra alheia pode se transformar em palavra própria, assumimos como
própria mas é dada para mim (esquecimento da origem). "Eu dou com esse
mundo" em cuja cadeia infinita de enunciados há a noção de possibilidade
de ruptura, de mudarmos nossas direções. O sujeito é participativo na própria
interpelação e, se negasse a existência de uma estrutura prévia, não se
poderia "dar com o mundo". Na cadeia infinita de enunciados, a
cultura é objetiva e a vida é concreta. |
Categoria da
irreversibilidade do tempo |
Nos romances de Walter Scott, Bakhtin
encontra a noção cronotópica que incorpora elementos do folclore
(histórico-popular), o olhar o espaço com perspectiva de temporalização. Se
pensarmos o tempo como desespacializado, o tempo se torna reversível, como
voltar ao tempo zero, sempre fixo, como a verdade científica (Istina- tempo
da ciência moderna). Por exemplo: tomo consciência do surgimento de uma
estrela depois e calculo o tempo pela noção de espaço, pela distância entre
eu e ela. Assim, tempo e espaço são diferentes e não cronotópicos. Porém, X não pode voltar a ser Y, pois o tempo é
irreversível: uma molécula de água em que um cientista trabalha incorpora
esse trabalho, tem historicidade. |
Categoria de
Tempo e Movimento em Goethe |
Aptidão de Goethe de ver o movimento
invisível do tempo, o espaço se modificando tornando a história indissociável
da comunidade. Por exemplo, em Roma, um arquiteto pode olhar para as ruínas
de duas formas: a) Recuperação -
voltar ao "status quo ante", com olhar presente para o passado e
não para o futuro, esquecendo-se de que o ambiente não é mais o mesmo; e b) Ruínas: constrói-se em cima um
centro cultural em que a parte antiga é incorporada ao novo, é decoração do
mesmo. Com as idéias do passado no presente, as ruínas não são um corpo
estranho no presente, mas sim um lugar necessário na continuidade do tempo
histórico. O passado está no presente e é produtivo, criador e ativo,
funcionando como base e alavanca de uma transformação. Uma cidade funciona como local dos
poderes, como em Roma, onde a circularidade na arquitetura, as formas
arredondadas, remetem à noção de eternidade do Poder Temporal e Espiritural
(Coliseu, Vaticano). Diante da ruína
de uma igreja, não posso imaginar um mundo ateu. |
|
As categorias de caracter, fusão do tempo,
marca do tempo no espaço, tempo que remete ao lugar concreto de sua
realização, a atividade criadora do tempo, o tempo ligado ao espaço e ao
tempo em si, nos remetem às noções de: a)
Plenitude: os locais não são neutros com relação aos acontecimentos,
existe integridade e enxergar no espaço a marca do tempo que tem uma forma e
dá ao espaço um sentido; e b)
Necessidade: presente nas leis da criação do homem, que explicamas
diferenças, por exemplo, entre os países nórdicos e a Espanha. |
Categoria do
tempo em Rousseau |
Na cronotopia de Rousseau, encontramos o
componente romântico, idílico, o mito do "bom selvagem", porém o
tempo histórico é o da decadência. O passado é idílico, ideal, e o devir é
voltar a ser o que se deixou de ser. |
Categoria
Sintática e Categoria Semântica |
Numa frase de publicidade tal como
"Compre agora e economize", a categoria sintática é um período
composto por coordenação com dois verbos. Já a categoria semântica nos faz
pensar em oração condicional também, devido ao significado implícito que
remete ao conjunto de modos de vida: compre agora pois amanhã o preço vai
subir, implicando em economia, excedente de capital para acumular, que não
pode ser gasto sem necessidade. |
Cisão da
eventicidade do ser |
Bakhtin oferece uma crítica à cisão da
eventicidade do ser em duas partes: 1)
a experiência vivida, os atos (inclusive o de pensar), realizados no
mundo da vida, que é o mundo da realização da atividade, de atos realizados
que são impenetráveis em sua unicidade; e 2) o mundo da cultura, mundo dos sentidos, dos atos interpretados,
dos conteúdos, tratado pelo autor como uma realidade objetiva, uma unidade
estruturada na atividade objetivada. A cultura é apresentada como unidade
objetiva de atos objetivados. Exemplo: se dizemos "Senti dor",
estamos abstraindo esse sentimento objetivamente através de um enunciado
criado graças à linguagem, que é a atividade semi-estruturada da experiência
vivida, pertencente ao mundo da cultura. No mundo da vida, o sentimento de
dor é uma experiência vivida impenetrável, pois ninguém pode sofrer em lugar
de outro. Assim, esse sentimento é único, singular e irrepetível em cada
pessoa. |
|
A cisão de princípios entre o conteúdo
semântico de um ato-atividade e a realidade histórica de sua existência (vivência
real) é comum ao pensamento teórico-discursivo (filosófico e
científico-naturalista), à representação-descrição histórica e à intuição
estética. Essa cisão faz o ato-atividade perder o seu caráter integral e a
unidade de sua constituiçao viva e sua autodeterminação. |
Cognição |
Juízo verdadeiro que afirma um valor ou
nega um desvalor ("afirmação-negação" de Rickert). Para o
neokantismo, é a identificação ou reconhecimento de um dever transcendente, o
reconhecimento de valores ou a condenação de desvalores. Na área da cognição,
se a unidade real da língua é a interação verbal, caímos na responsabilidade
singular. A Arte (Literatura) é o lugar das diferenças, pois a obra de arte
se diferencia dos outros objetos, inclusive na interação verbal, em que
encontro um conjunto de processos: tema (único) e significação (repetição). A
filosofia de Bakhtin aponta a diferença na Ciência, e não a semelhança,
considerando que o ponto de abstração é apenas o pressuposto que vai da
semelhança para a diferença. Questiona, assim, o modo de fazer Ciência,
admitindo verdades particulares e não universais, pois reescrevemos a vida em
cada Ato. ("O caminho se faz ao caminhar", verso de Antonio
Machado, poeta espanhol). |
Conquista
copernicana de Kant |
Para conhecer a realidade finita,
empírica, essa realidade precisa de conformar à estrutura da mente humana, e
não a mente à realidade. Os objetos devem ser vistos conforme o pensamento
humano. Trata-se de um conceito de "consciência universal". Kant
definia a razão enquanto fórmula do raciocínio. Nos anos 20, essa filosofia
colocava a ciência (mundo teórico) como justificável e inviolável (o real é o
que enxergo). Para Bakhtin, é o mundo da estrutura que quer se passar como o
todo, pois a descoberta de um elemento "a priori" em nossa cognição
não abre um caminho para fora da cognição. É preciso criar um subjectum teórico para essa
auto-atividade transcendente, um subjectum
historicamente não-real. São sem esperança as tentativas de superar, de
dentro da cognição teórica, o dualismo da cognição e da vida, o dualismo do
pensamento e da realidade única concreta. À medida que entramos no conteúdo
destacado do ato cognitivo (ato de abstração), somos controlados por suas
leis autônomas. Assim, não estamos mais presentes nele como seres humanos
individualmente e responsavelmente ativos. |
Consumidor e
Usuário |
Se vivo como consumidor, vivo uma vida
desencarnada, prevista pela cultura de massa, ao contrário do usuário, que
faz seus caminhos, suas táticas. Qualquer peça de um conjunto tratado como
massa é substituível. Os sistemas de avaliação dos consumidores não
incorporam os processos de vida. O consumidor é passivo, enquanto que o
usuário transforma o produto em instrumento de nova produção. |
Contemplação
estética |
Uma obra é estética quando há um
acabamento. A contemplação estética é holística (enxerga o todo). Na
unicidade do ato da contemplação, sabemos se uma obra é clássica (começamos a
dar sentido), enxergamos a beleza (é bela), e no olhar construímos o objeto.
A visão estética (estetização) é a tentativa de lançar-se no não-ser,
pretende ser uma visão filosófica do ser unitário e único em sua eventicidade
e está condenada a fazer passar uma parte abastratamente isolada como o todo real. A filosofia do
esteticismo põe dentro do Eu a contemplação. Para Bakhtin, ao contrário,
compreender o objeto é compreender o meu dever em relação a ele (Responsabilidade).
O conteúdo da contemplação é dado pela cultura (conjunto de categorias, mas o
Ser contemplativo é o lugar para onde me desloco quando dou sentido ao
objeto, e volto subsumido pelo ser-único-em-evento, e volto enriquecido, com
responsabilidade, com pensamento participativo.Na decisão que tomo, tenho
responsabilidade frente a um horizonte de possibilidades (faço, não
faço). Esse Ser da contemplação
estética sou eu mesmo e não sou eu. Devo compreender o objeto em relação ao
meu ser (evento único). |
|
Analisando o mundo da visão estética,
percebemos que o mundo da Arte está mais perto do mundo unitário e único. No
romance, o ser humano é representado por um herói. Como no poema
"Separação", escrito em 1830 por Pushkin, há dois centros de
valores, dois centros reais e concretos: o herói e a heroína. O centro dela é
subsumido pelo autor-herói e, pela interpenetração dos dois centros, do ponto
de vista dele a pátria é distante (Itália) e esta terra é estrangeira, porque
do ponto de vista dele ela está partindo. Ela está retornando, mas ele transforma
o retorno em partida. Como leitor sou observador desses dois centros, pois
estou fora de mim e observando quem está fora de mim (exotopia em relação ao
autor e ao herói). O retorno a mim mesmo é conseqüência da leitura, e traz
algo para minha formação. O que eu sou subsume o meu eu-leitor, que subsumiu
os outros centros de valores (herói, narrador). Esse objeto, do ponto de
vista de seu conteúdo, será único para cada leitor (empatia estética). É
inescapável que a recepção se encontra na exotopia. Assim, a crítica
literária sempre se constitui numa disciplina prática, não científica. |
Crise dos
paradigmas contemporâneos |
Se na singularidade a verdade adquire peso
no nível do evento (Pravda), será que temos que abandonar a garantia dos
enunciados da ciência ? Será que temos que apostar mais nas enunciações do
que nos enunciados (verdades transitórias) ? Bakhtin assume um contra-método
e nos leva a perguntar o que é "conhecer" e como dar conta do
"conhecer" diferente do "viver". A história da Ciência é
a história do método e o questionamento ao modo de fazer ciência nos leva à
perda das garantias. . Ex: o método de construção da trama na literatura
policial em que, a partir de indícios descobrimos quem é o autor do quadro ou do crime, e há um só ponto
de solução para o enigma. Para enxergar indícios, deve haver uma hipótese: a
dúvida. No discurso da interação, temos um conjunto heteróclito de indícios,
em que todos eles indicam para todos. A saída metodológica pelos paradigmas
indiciários na literatura leva à solução do enigma, mas na unicidade do ato
cada uma das possibilidades é singular. |
|
Considerando-se a cultura como produto dos
atos da vida, a crise contemporânea se deve ao abismo entre o motivo do ato
realizado e seu produto, uma vez que de dentro do produto não se corrige o
ato praticado sem o conflito de interesses, sem antagonismos ou
respeitando-se o interesse mútuo. Somente a responsabilidade pode dar conta
da cisão desses dois mundos: o da vida e o da cultura. Assim, todo enunciado
universal não é essencial para o momento da concretude, pois o universal não
explica o singular. Bakhtin valoriza a experiência singular e única, indicando que a experiência de excluirmos a
experiência trouxe desencanto (crise dos paradigmas). |
Cronotopia |
As
questões cronotópicas são questões do tempo e espaço na literatura e
estética. Na tipologia, a natureza aparece como estática nos romances de
viagens e como pano de fundo nos romances de provas. Nas biografias o tempo é
o ciclo de vida do sujeito, e no romance de formação, encontramos vários
tipos de conseqüências dos outros três, como no Realismo do Século XVIII. A
visão do tempo na antiguidade se dava pelo ciclo das estações (circularidade
= Fênix). Goethe introduz a noção de enxergar o tempo na natureza, que não é
estática e contém as marcas do correr do tempo. O espaço adquire do tempo
histórico as marcas, é marcado por indícios do passado e do presente. O
passado diante de mim, marcado na natureza pela criação do homem. O artista
decifra os desígnios mais complexos do homem: criações, ruas, casas. O tempo
não é só cíclico, mas histórico. Essa descoberta de Goethe é elogiada por
Bakhtin, é a humanização do humano. |
|
O tempo cíclico se resolve na
imutabilidade, a morte produz vida, o que permite o desenvolvimento do
romance realista. Ex: A festa de São João retorna todo ano, o tempo cíclico
se renova e permanece o mesmo, mas a festa deste ano é a soma de todas as
outras. Cronotopos, como leitura do tempo e espaço, é uma crítica à idéia de
classificação dos fenômenos quando introduz o conceito de multitemporalidade.
Não vê o processo de classificação por justaposição, mas sim por filiação. |
Deixis |
As categorias dêiticas alto, acima,
abaixo, finalmente (deixis
espaciais e temporais) e outras expressões dependem de conceitos ou do
contexto. Ex: João e Paulo têm a mesma altura: ambos são anões. João é tão
alto quanto Pedro: têm 1,90 m. |
Denotação e
Conotação |
A denotação está associada ao mundo da
cultura, e a conotação ao sentido no ato concreto. Para Bakhtin, o trabalho
do ato denota as conotações. No trabalho poético , no trabalho não
referencial, não pragmático "conotativo', denotamos a conotação todo o
tempo, pois o ato concreto da contemplação estética é denotativo. |
Determinação da
teoria pela vida prática, e da vida prática pela teoria. |
Para Bakhtin, qualquer espécie de
orientação prática da minha vida é impossível no interior do mundo teórico. A
verdade teórica é um processo no interior da teoria com suas categorias de
validade. A teoria pode estabelecer verdades eternas universais, mas só
naquela teoria. Ex: para Ptolomeu, o sol girava em torno da Terra. Toda
teoria sonha com um mundo para sua realização (teoria para a prática), mas a
vida prática (inacabada) interfere na teoria. Bakhtin não funda uma estética
com base analítica prévia pois o ato concreto não é um reflexo, mas sim o
fundamentos dos valores, e não o oposto. Assim, os valores são produtos
históricos dos atos concretos. O ser humano é o centro real, concreto, tanto
espacial como temporal. |
Deus de Bakhtin |
Interpretação de base religiosa: a
inter-relação se dá no evento do Ser em processo. Ser é o lugar do sujeito da
empatia; o Ser em processo é o ser unitário em evento, dentro do qual me
determino, é "Deus", em que determino a relação eu-outro. Na
religião, Deus é "Aquilo que É", mas em Bakhtin, é "o Que É-em
processo", a visão de um Deus que evolui. Deus pode me instituir, mas o
homem pode criar Deus como hipótese necessária. (Ver "Ser Único"). |
Dever |
Aquilo que deve ser (dever), o que é (eu
devo), é colocado diante da vontade como válido e assim funciona como um
chamado ou como uma imposição à ação. Para Kant, as máximas são leis
universais porque a forma da máxima é uma proposição teórica, é
"dever", é algum modo de "é", imperativo com conteúdo em
virtude do qual ele é endereçado a uma pessoa motivada por um desejo subjetivo
específico. |
|
O "princípio do dever" ou
"obrigação" abstratos tem demonstrado uma perversidade assustadora,
pois demonstrou não haver nada na mente para impedí-lo de conceber o dever
como o dever-ser na ausência de qualquer dever (Nietsche). A ética
absolutizada é incapaz de sair do confinamento de um círculo lógico. Qualquer
motivação real será "extra-ética". Uma pessoa que escolheu ser
"ética" não é particularmente boa, amável. É autocomplacente
(egocêntrica) ou auto-acusatória (também egocêntrica). Essa ética solitária é
um modo de relacionar-se com valores, e não uma fonte de valores. O dever
como a mais alta categoria formal é um equívoco, pois a correção técnica não
resolve a questão de seu valor moral. O dever, no mundo da vida, é ligado à responsabilidade.
Para a teoria, ele pode ser um juízo válido ou não válido, verossímil ou
inverossímil, verdadeiro ou falso. A afirmação de um juízo como verdadeiro é
relacioná-lo a uma certa unidade teórica, e essa unidade não é a única
unidade histórica de minha vida. O dever funda a presença real de um juízo
dado sob dadas condições na consciência, na concretude histórica de um fato
individual, mas não funda a teórica veridicidade em si. |
Dever da
veridicidade |
Não decorre da determinação teórico-cognitiva
da veridicidade, pois o momento do dever-ser pode apenas ser introduzido de
fora e fixado nela (Husserl). Não existe dever estético, científico e dever
ético: há apenas aquilo que é esteticamente, teoricamente, socialmente
válido. Tais validades são instrumentos do dever. O dever ganha validade
dentro da unicidade de minha vida responsável e única. O dever não tem um
determinado conteúdo, não tem um conteúdo especificamente teórico. O que se
chamam "normas éticas" são asserções sociais, ou seja, tudo o que
possui validade fornece o chão para várias disciplinas especiais, nada
sobrando para a ética. Não existem normas morais que sejam determinadas e
válidas em si como normas morais. Existe sim um sujeito moral com uma
determinada estrutura. |
Devir |
Estamos na vida sem um álibi, em eterno
vir-a-ser. Todo ato contém uma ética e uma estética, revela uma cognição, um
modo de ver o mundo. O modo de falar o mundo, significar o mundo
ontológicamente, dizer essencialidades, definir pelas essencialidades. No ato
responsável, definimos nossa vida por modos ontológicos (como vivemos?) e não
processuais (o que é" viver"?). São as respostas que damos no mundo
da vida que concretizam o mundo da cultura. Pelo conceito de "memória do futuro" , o
passado está à minha frente, o futuro está dentro de mim, é o que está a se
realizar (devir). |
Emergência dos
mecanismos |
Foucault estudou a emergência dos
mecanismos: como surgiram e se modificaram historicamente, o papel do poder,
as marcas do poder em nós, a irrecusabilidade da teoria de que as relações
entre os homens são relações de poder (ver "História da Sexualidade). |
Ensaio e erro |
Na
época contemporânea, os sistemas de computação estão nos colocando questões
que havíamos esquecido, como a do "ensaio e erro". A única
categoria em que essa questão aparecia era no diagnóstico médico. As crianças
também nos têm mostrado essa questão.
|
Epistemologia |
Estudo crítico dos princípios, hipóteses e
resultados das ciências já constituídas, e que visa a determinar os
fundamentos, o valor e o alcance objetivo delas. |
Equipolentes |
Que têm o mesmo valor. |
Estrutura do
mundo |
A "Estrutura" ou
"Construção", ou organização do mundo-evento é
"arquitetônica", resulta da interrelação arquitetônica. As
relações-eventos, ou relações entre eventos têm o caráter de
"devir" (eventos em processo). |
Ética |
Para Bakhtin, a ilusão da ética absoluta e
auto-suficiente, a consciência da "intelligentsia", ou o domínio da
"ética como tal", da "ética pura", é apenas uma certa
posição formal. Inquire sobre o conteúdo "material" dessa posição,
o que deve fazer o sujeito, e em relação a que, ou seja, no que o
"dever" em si está baseado. Essa "ética" é fundada pelo
fato do dever, é dependente dele. Na área da Ética, Bakhtin aposta no
singular, e na área da Estética, aposta só no singular. |
Evento do ser |
O evento do ser é um conceito
fenomenológico, por estar presente ele mesmo em uma consciência viva como um evento
(em processo) e uma consciência viva orienta-se ativamente e vive nele como
um evento(em processo). O ser é um evento em processo (eventicidade). |
Exotopia |
Excedente de visão pelo lugar que ocupo. |
Expressibilidade
do ato |
A linguagem cresceu a serviço do
pensamento participativo e dos atos realizados. A Verdade (Pravda), a verdade
do evento, a experiência que me afeta, pode ser alcançada e comunicada.
(Benjamin/ Jorge Larossa). Mais do
que racional, a verdade é responsável e comunicável. O ato é
expressível, ou seja, o saber feito de experiência é transmissível. O modo de
ser transmitido não é pela racionalidade da expressão, mas pela experiência
do ouvinte. |
Expressibilidade
do valor |
A palavra expressa, por sua entonação,
minha atitude valorativa. A palavra, mais do que representar, contém uma
atitude de valoração do objeto referido (Retórica - "Ethos" do
orador, além do "dispositio" que
é a organização do discurso). Uma verdade nada vale sem o sentimento
de verdade. Nada é mais vazio do que uma verdade sem esse sentimento
(entonação). |
Fenomenologia de
Husserl |
Para Edmundo Husserl (1859-1938), a luta
obrigatória pela verdade não pode ser derivada da epistemologia. Expressa
reação ao "Psicologismo" que acreditava que, sob a base de uma
doutrina, sobre uma parte do "real", é possível formar o conceito
do "todo" do mundo teórico. O conceito da unidade indivisível da
experiência vivida e a intenção contida nela(evento, eventicidade ações
realizadas) é similar aos conceitos-chaves de Bakhtin, mas este acentua o
problema da responsabilidade. |
Fidelidade da
experiência |
Toda análise do discurso que procura o que
é repetível não conta a verdade do discurso. A verdade (Pravda) é algo a ser alcançado. |
Filosofia
contemporânea da vida |
Estetização da vida que dissimula a
desconformidade evidente do teoretismo puro, pois significa a inclusão do
grande mundo teórico no "pequeno mundozinho" também teórico da
fusão de elementos teóricos e estéticos, como na filosofia de Bergson. O
ponto fraco reside na indivisão metódica dos elementos heterogêneos da
concepção. A filosofia da intuição é confusa, embora a intuição seja elemento
necessário da cognição racional (teoretismo). Para Bergson, restaria a
contemplação estética pura (dose homeopática do pensamento participante
real). Para Bakhtin, o ser-evento único em sua unicidade escapa da
contemplação estética ( o produto desta fica abstraído do ato real da
contemplação). O mundo da visão estética, fora da relação com o sujeito real
da visão, não é real, embora seu conteúdo semântico esteja inserido no
sujeito vivo. |
Filosofia da
Cultura |
Classificação histórica das filosofias. |
Filosofia da Vida
(Henry Bergson) |
Ramo da Filosofia que define a realidade
absoluta como "Vida", opondo a realidade viva irracional, percebida
através da experiência vivida ou através da intuição, àquele modo do ser que
foi formado pela cognição abstrata e analítico-intelectual. Intuível-palpável
é o oposto de conceitual ou abstrato.
Filosofia impensável para o materialismo e positivismo do Século XIX,
por valorizar os momentos da experiência imediata da alma mais compreensiva
(desde Schelling). Para Bakhtin, a Filosofia da Vida inclui o mundo teórico
no interior da unidade da vida-em-processo-de-devir, mas não passa de uma
estetização da vida. A obra estética tem uma categoria de acabamento, mas a
vida só tem um devir em cada um de nós. Em Bergson, tenta-se encontrar
através da afetividade o sentido (Ser), mas assim ele é reduzido a uma
determinação estético-teórica. Para Bergson, o sujeito é determinado por uma
teoria, não condicionado pelas suas condições, e assim opõe a intuição
filosófica à cognição intelectual, analítica, mostrando que a saída é assumir
a visão estética. Para Bakhtin, a vida de cada ser é menor do que a teoria,
mas somos mais do que a teoria prevê. |
Filosofia do Ato |
A Filosofia do Ato de Bakhtin seria uma
introdução a um tratado de Filosofia Moral (Prima Filosofia), na qual a
sustentabilidade não seria o conjunto de confissões, mas a alteridade: seu
objeto é a relação do eu-para-mim, outro-para-mim, eu-para-outro. Normalmente
a Ética não parte da concretude de um ato, mas de uma abstração (valores
universais). Associamos a concretude ao conceito jurídico de tipificação de
um ato, ou à ocorrência de um enunciado típico (type talking). |
Filosofia
niilista de Nietsche |
Nietsche pode ser considerado
anti-platônico e anti-cristão, agressivo e niilista, exalta a
"vida" como aparência e ilusão, repudiando o "mundo
verdadeiro" do 'invisível e imutável ser espiritual". O conceito do
"eterno retorno" opõe-se à concepção européia de progresso. A vida
é aceita como ilusão, ausência essencial e fundamental de significado e que
provoca êxtase orgiástico (dionisíaco) |
Filosofia
primeira de Aristóteles |
Ontologia fundamental, ciência que
investiga o ser e os atributos que pertencem a ele em virtude de sua própria
natureza. A prova ontológica da existência de Deus é que ela decorre
necessariamente do conceito de Deus. Expressa a luta contra a construção
lógica do sujeito puramente cognitivo, tendo em vista as relações
participantes agindo sob o sentido da liberdade, a compreensão dos objetos
envolvidos partilhando-os ou simpatizando com eles. |
Forma |
Unidade de ordenação, "a priori"
de um complexo sensível. |
Função da Arte |
A arte, quando tem uma função, deixa de
ser arte. Por exemplo, a utilização da cultura clássica pelo Nazismo. Pela
perspectiva do monismo, definimos o ruim pelo conceito de bom (relação entre
opostos), portanto se há um mau poeta é porque existe um mau leitor. |
Fusão entre
passado e presente |
Crítica do fantasma romântico, joga para o
componente realista e no final dá uma definição do caráter cronotópico,
marcando o ponto de vista do homem contemplador, na lógica inexorável de sua
existência histórico-geográfica. A criação do homem tem finalidades cívicas,
políticas humanas, e necessidade de coerência com o espaço em que se está
(coerência entre o mundo da vida e da cultura). |
Generalizar |
Universalizar, tornar genérico. |
Gêneros
literários |
Os gêneros são desenvolvidos em função da complexidade
da sociedade. Assim, quanto mais complexas as sociedades, mais gêneros há. O
gênero primário é o diálogo face a
face. O gênero secundário é a escrita (carta e romance , que por sua vez, são
primários do romance epistolar). O gênero Anotação não tem sentido fora da sala de aula., cujo gênero
primário é o conjunto de outros gêneros.No
século XIX a moda era a Botânica,
gênero essencialmente classificatório.
Nas sociedades mais complexas, identificamos o gênero terciário, que
poderia ser a retomada e a consciência da retomada dos gêneros primários, o hipertexto (ver trabalhos de Antonio
Carlos Xavier). Há gêneros que apresentam uma circularidade (circulação)
entre os gêneros erudito e popular. O gênero de Goethe é o discurso da
mobilidade, do não estático. Uma das categorias essenciais em Bakhtin é que o
pensamento não resulta do estudo da literatura, mas traz para o seu
pensamento várias categorias de adensamento. Assim, busca na fala de Goethe
uma categoria que interessa ao seu pensamento. |
Habituação
estética |
A habituação estética é objetivante, não é
pura nem isenta, não garante o conhecimento do ser único na sua
eventualidade, mas apenas a visão estética de um sujeito indeterminado em sua
passividade. Para Bakhtin, compreender o objeto é compreender o meu dever em
relação a ele (meu postulado moral). |
Imagens ou
configurações |
São as formações derivadas. |
Implicitação
(subentendidos) |
Todos os sentidos são conseqüência do que
é dito, por quem é dito, para quem é dito (alteridade). Os efeitos são a soma
de todo o contexto. O autor é responsável pelos implícitos. Dicro
corresponde ao cálculo do que é implicitado que é responsabilidade do
ouvinte, e não do autor. Se dizemos "O atual Rei da França é calvo"
(não existe Rei da França), digo-o em função do contexto pragmático e o
ouvinte extrai um sentido pelo qual não sou responsável. A implicatura
pressupõe a conversação e explorando a regra quero dizer a implicatura
(princípio de relevância). |
Insatisfação com
as filosofias modernas |
A insatisfação com a filosofia moderna
leva os adeptos a recorrerem ao materialismo histórico, que se esforça em
construir seu mundo de tal modo a reservar um lugar nele para a execução de
ações reais determinadas, concretamente históricas.Outros procuram satisfação
na teosofia, na antroposofia e em outras doutrinas similares. |
Interação
estética |
A relação autor-contemplador está prevista
na criação, mas pode não se realizar no contemplador. A interação no processo
de construção se dá entre Autor-Herói-Ouvinte.
O processo é social, não tem nada a ver com a Psicologia. No processo de contemplação, a interação se dá entre
Ouvinte (contemplador) - Autor - Obra. Nessa posição, o contemplador é ao
mesmo tempo um sujeito físico e um ouvinte genérico (antropomorfizado). O
contemplador não define se é Arte ou não (nem o Autor). O processo de
construção do objeto implica na relação Autor-Herói-Ouvinte, explicitação dos
presumidos, usos metafóricos, produção de estranhamento. Toda obra estética
está vinculada às condições reais de vida, de sua produção. Se não saímos
enriquecidos, transformados pela contemplação estética, então o objeto é
trivial (saímos empobrecidos). O valor não é calculado a partir da validade
intrínseca da obra de arte, mas sim com relação ao devir. A trivialidade da
vida produz objetos triviais, estéreis, direcionados a consumidores, e não a
usuários. |
Interconexão |
Conexão com o mundo da cultura de dentro
do evento, que só pode se dar em mim, no ato. Os conceitos têm acoragens históricas
diferentes para cada um. Se essas ancoragens variam, o conceito não é
fundamental, mas por isso mesmo é essencial. O elemento que dá a conexão é o
tom emocional-volitivo, que tem a ver com a alteridade, o livro arbítrio e a
responsabilidade. É inconsistente pensar que a cultura separa o sentido das
coisas, pois o mundo cultural e simbólico não está fora da natureza (é
natural atribuirmos significados). |
Juízo de valor |
A construção de um juízo de valor, que é
uma atribuição de valores, não esgota a experiência vivida, já que se
constitui num ato individual de pensamento. O ato de pensar em caminhar
enquanto se caminha dá sentido ao ato de caminhar, é constituinte desse ato,
mas é um mero encadeamento formal. "Valorativo" é todo juízo que
expressa valor.Submetemos um objeto ao plano valorativo do "Outro":
Ele é caro para mim (eu o amo), não
porque ele é bom, mas ele é bom porque é caro para mim. O amor
desinteressado transforma o herói no objeto de uma tensão amorosa
interessada. A forma de um juízo, que é o momento transcendente na composição
de um juízo, constitui o momento da atividade de nossa razão: somos nós que
produzimos as categorias de síntese.Se o juízo é desligado da unidade
histórica do ato-procedimento real, e remetido para uma determinada unidade
teórica, na sua faceta semântica não há lugar para o dever e para o evento
real e único do ser. A tentativa de ultrapassar o dualismo é infecunda. O
conteúdo isolado do ato cognitivo se desenvolve por livre arbítrio, lei
autônoma que nos coloca fora do ato pela abstração, como responsáveis e
individualmente ativos. |
Justificidade |
Qualidade de ser justificado teoricamente
("Aja segundo a máxima que você possa ao mesmo tempo desejar que se torne uma lei universal, fazendo uma lei
universal através de sua máxima"). Assim, uma máxima é o princípio
funcional da ação, a fundação real de nosso ato. |
Linguagem e
Futebol |
O futebol comparado com a Linguagem: Fonema (o movimento), Sentença (jogada),
Texto (partida), Discurso (futebol) e Segmento (jogo). |
Maria Zambrano (1904-1991) |
"Todo homem é uma promessa : a de
realização de si mesmo". |
Momento |
O momento é tratado como o constituinte de
um todo dinâmico. |
Mundo da Teoria |
Conjunto de princípios e orientações. A teoria
é acabada, fechada, e não pode explicar o mundo inacabado, interativo, que se
transforma em ações realizadas. Ex: na análise do discurso, a superfície
textual é paráfrase de outra, que é de outra, e assim por diante, e as
diferenças não são significativas, pois o discurso se reduz ao "já
dito".A unicidade não se dá no mundo da teoria e a dúvida é um valor
distintivo. |
Não-álibi no Ser |
Não posso ser aliviado da responsabilidade
pela execução de um ato por um Álibi.("Eu estava no lugar da execução
desse ato"). |
Ontologia |
Estudo das essencialidades, das fixações -
metáfora das raízes. |
Oposição a Platão |
A imutabilidade do "verdadeiramente
existente' é oposta à mutabilidade do que "apenas parece existir" (não
objetiva, uma simples constatação). Há diferença entre níveis ontológicos:
pela escolha ativa, um ser humano deve fugir do que apenas parece e procurar
alcançar o que é verdadeiro. Mito da
Caverna: só vemos a sombra, a sombra que é o mundo real. Para Bakhtin,
essa teoria é um rascunho grosseiro em relação ao ato único, apenas o seu
sentido abstrato. Cada ação praticada reescreve a vida na forma de ação
definitiva. No entanto, "definitiva" é definição, não tem nada a
ver com completude. . No mundo das idéias de Platão, o essencial não é
visível aos olhos. No entanto, o Deus invisível criou o mundo visível, então
temos que ter o cuidado de olhar para o visível, a natureza. |
Par mínimo |
Na Língua, a mudança de um traço muda o
sentido da palavra. A sonoridade da Língua Portuguesa é fonêmica (pato / bato). |
Pensamento
participativo |
Pensamento engajado, compromissado,
envolvido, relacionado, "interessado", não-indiferente. Na
Teologia, prevalece a noção de conceito de onde se tira o real. Ex: no século
XV, Santo Anselmo pregava que, se podemos imaginar um Ser Perfeito, então
esse Ser existe (prova da existência de Deus). Para Kant, ao contrário, não
podemos tirar de um conceito inadequado a existência do real. O conceito é
maior que o real, acrescenta coisas ao real, ou seja, é inadequado. Em
Bakhtin o pensamento participativo é o adensamento do princípio do não-álibi
da existência: na minha existência eu participo, ocupo um lugar no meu ser
(ser-evento único), coletivo, que implica em categorias substantivas
(substância) e não atributos. Ocupo um lugar no Ser único coletivo e
irrepetível (como o conceito de Deus), um lugar que não pode ser ocupado por
outro, e imprevisível, porque se estivesse previsto o meu lugar nesse Ser
Único eu não teria responsabilidade. Assim, não posso construir um álibi para
minha existência. |
Possibilidade
contingente |
Possibilidade fortuita ou causal. Para
Bakhtin, eu existo no mundo da realidade inescapável e não no mundo da
possibilidade contingente (do fortuito). |
Postuplenie |
Termo em russo que representa a realização
única, contínua, de atos ou ações individualmente responsáveis. |
|
Um de todos aqueles atos que fazem de
minha vida única inteira um realizar ininterrupto de atos, que compõem a vida
como ação-realizada, em contínua realização. A vida inteira é um complexo ato
ou ação singular, em que os momentos conteúdo-sentido e histórico-individual
são unitários e indivisíveis. |
Postupochnaia |
Relizador, capaz de realizar. |
Postupok - Ato
responsável |
Ato ou ação intencionalmente realizada por
alguém, ou, meu próprio ato ou ação individualmente responsável, singular e
único, ato de dever do pensamento. "Fato
post factum" é o termo que designa o ato que já foi realizado. O ato
é vivo, integral, inexorável, ligado ao ser-evento único e singular
(participante vivo e real do evento). A faceta semântica do ato é
autodeterminar-se na unidade do domínio semântico da Ciência, Arte e
História, que são domínios objetivos que comungam com o ato. O Ato, como Jano
Bifronte, olha em sentidos opostos: para a unidade objetiva do domínio
cultural e para a singularidade irrepetível da experiência. Ambas as faces só
se definem em relação a uma unidade singular no evento único do ser
realizável: o teórico e o estético devem ser definidos como seus elementos. |
Pragmatismo |
É uma instância similar ao teoreticismo,
que incorpora a cognição teórica na vida única do ser, concebido em
categorias biológicas, econômicas e outras, em que dos atos sai-se para a
teoria. |
Pravda e Istina |
Pravda é o Conceito de
VERDADE com Responsabilidade, com validade, verdade a ser alcançada na
realização, associado à categoria marxista da totalidade, à responsabilidade dentro do próprio ato,
inescapável, irrevogável e irremediável no contexto em que o realizo. Istina é o conceito verdadeiro válido
em si, como por exemplo a verdade de um enunciado. Istina pode ser
supostamente o real, mas a verdadeira realidade da língua é abstrata:
"La Langue". O gesto de dizer "X é Y" ocorre quando me
desloco para o lugar ocupado pelo sujeito da pesquisa, e esse deslocamento
pode dar a "iluminação de um relâmpago". Uma verdade autônoma do pensamento pode ser apresentada como
Pravda, mas é Istina. . Pravda exige como seu complemento a dúvida. Somos
remetidos à descontinuidade das formações discursivas (inflexão no interior
da forma discursiva), assim como à descontinuidade das descobertas. Todo o
processo de construção da ciência moderna afastou a ética, pois fala do real
(Istina) e é conceito abstrato, não essencial ao ato singular, único,
responsável. Quando transformamos a verdade autônoma (Istina) em verdade de
cognição, sua validade a transforma em Pravda. |
Preocupação de
Bakhtin com o concreto |
A interação concreta tem lugar na vida e
na Língua, nos atos em que a unidade da eventicidade do ser pode ser rompida
a partir de três possibilidades: 1) o pensamento teórico discursivo, 2) a
descrição-exposição narrativa (histórica) e 3) a intuição estética. |
Produto da
atividade estética |
É participante do ser-evento real
(realizado ou encarnado) através da mediação de nossos atos de efetiva
intuição estética. Ao vivenciarmos um produto da atividade estética (objetos
dados como acabados), há um momento de deslocamento do Eu para a posição de "sujeito
da empatia" no mundo da contemplação. O sujeito é subsumido pelo Eu e
volta enriquecido. Esse enriquecimento é um processo de humanização do
humano, que pode ser considerado como o encontro de minha responsabilidade
enquanto unidade centro de sentido e o não álibi do ser em evento (devir). |
Psicologismo |
Considerado grosseiro por Bakhtin, pois o
ato cognitivo em si não se reduz ao sentido dado pela psicologia. Ex: estudos
psicológicos da obra literária. |
Questão 1 -
Método das Ciências |
Se o cognitivo é uma variante do social e
se o que sabemos sobre um corpo físico qualquer é da ordem do cognitivo,
então como fica a divisão entre ciências da natureza e ciências sociais e
humanas? Resposta: em uma fórmula
científica para qualquer esfera, a ideologia deve ser encontrada com métodos
sociológicos. Na esfera da ciências da ideologia, é impossível o rigor e a
precisão das ciências humanas, mas o método sociológico chegou perto. As
ciências da natureza dizem respeito também a seres que estão fora do humano
(corpos físicos e químicos). Os objetos das ciências da natureza estão dentro e fora da socidade humana
(leis), mas essas ciências não podem ser deixadas às suas leis imanentes. As
leis chegam aos corpos de fora, por definição cognitiva dos corpos da
natureza. Já as ciências sociais e
humanas se justificam só por e para a sociedade, dentro da sociedade.
Assim, as formações ideológicas são interna e imanentemente sociológicas,
dentro do processo dialógico (Ex: Direito). A divisão entre os métodos é sustentada
pela diferença dos objetos: os
objetos empíricos definem métodos para si mesmos; a linguagem é o método das
ciências humanas. |
|
O problema para Bakhtin parte da separação
entre Cultura (arte, ciências, etc...) e Vida, mais a Comunicação (relação
com o Outro - estética). O objeto de arte não tem imanência própria e
pensamos a obra de arte no contexto da comunicação estética, entre sujeitos.
O método sociológico é adequado para estudar fenômenos ideológicos humanos
(por e para a sociedade). Não pode se dar o mesmo rigor dos métodos
científicos. A ciência parte da cultura, e não dos objetos. Nas ciências
humanas a maior exatidão é atribuída à época, e do mesmo modo atribuímos à
época a maior aproximação das ciências da natureza. Se não posso ter outro
método que não seja o científico (sociológico), o conhecimento que produzo
sobre os objetos só existem como cognição humana. Assim, todo conhecimento
está subordinado à sociologia (primeiros rudimentos para mostrar que ciências
exatas são humanas, incluindo a ciência como objeto da sociologia). Ex:
raramente num curso de Física há um curso de metodologia científica (Ciências
Humanas), para que leve o aluno a refletir que ciências exatas são ciências
humanas. |
Questão 2 - Noção
de conclusão plena. |
Se a obra de arte é da ordem da
comunicação artística e ela se realiza (conclui plenamente) na criação e na
permanente recriação, não requerendo outras objetivações, mas participa da
corrente única da vida social, como compreender a noção de conclusão plena
? Resposta: Se o enunciado não estiver completo, não poderá haver
interação (recriação) completa. Deve haver acabamento para que possa haver
visão holística que leve à conclusão da interação, ato que torna aquela obra
uma coisa "artística". A conclusão só pode ser compreendida como
Pravda, dentro da cadeia infinita de enunciados, pois se dá num momento
único. O objeto de arte, sendo acabado, permite ser recriado. Ressalta-se a
diferença entre "recriar" e "completar". |
Questão 3 -
Relação responsável pela construção |
Se o modo de interação Que.
"fixa" uma obra de arte ("a comunicação estética organiza uma
obra de arte"), então é a relação específica responsável pela
construção: a) Esta relação está prevista na criação? Poderia não estar prevista e face aos
modos de relação poder vir a ser considerada "obra de arte"? (Ex:
os Cantos Védicos, ou as esculturas da Ilha de Páscoa, ou os mitos
Tapajônicos.).b) Quando prevista na
criação e não realizada na recepção, como é que fica ?. Resposta: Se todo artista
vislumbra um interlocutor no processo de criação, então a relação está
prevista nesse processo mas pode não se realizar como prevista, mas sim no
processo de interação é que haverá suas realizações possíveis. No caso dos
Cantos Védicos, das Esculturas de Páscoa e nos mitos Tapajônicos, o
acabamento lhes confere o status de obra acabada: rima, entonação, simetria
da escultura, desenhos na cerâmica. |
|
Partimos do pressuposto de que o processo
de comunicação artística organiza a obra de arte. Esse processo participa da
corrente contínua da vida social, é sua característica. A diferença é que no
discurso da poesia não se pode tomar o presumido como totalmente presumido.
Na vida o pressuposto é extra-verbal. A comunicação estética expõe o
presumido, tem acabamento mas não se fecha. Na arte temos que explicitar um
conjunto de valores (não tudo). Por exemplo, nos poemas modernos as relações
não são expressas entre os versos (não há "porquês", elementos de
coesão textual). Mas a ausência de explicitação é a presença do ausente. Toda
e qualquer análise do discurso quer explicitar o conjunto de valores. Assim,
não há enunciado estético sem explicitação de valores. |
Questão 4 -
Constância dos presumidos |
Quanto mais amplos os horizontes, mais
permanentes e constantes são os presumidos no discurso da vida, a que
fenômeno isso pode remeter ? Resposta:
Remete ao fenômeno da Naturalização Cultural, pois o mais constante e
permanente é naturalizado. Temporalizamos a biologia: descanso à noite,
almoço, jantar, como se fosse biológica a sua existência. Por esse processo
construímos as abstrações, produzimos o estranhamento explicitando um valor
que nos parece óbvio. Os temas tratados por aqueles que têm a fala permitida:
professores, médicos, padres, sempre têm valor pois seus discursos estão
naturalizados culturalmente. A poesia e a arte se perguntam o tempo todo
"Quem somos nós?" e, ao explicitarem esses valores produzem
estranhamento no leitor. Ultrapassam o nível das exposições ideológicas do
tipo "nós somos assim". |
Questão 5 -
Valoração determinando a seleção |
Se uma palavra, por seu conteúdo semântico
não pré-determina a entonação, como explicar que a valorização
(valoração=apreciação) determina a seleção da palavra ? Resposta: a categoria básica é a interação, que remete a uma
relação entre parceiros (dialógica, dissenso). Nas interações o que fazemos
são julgamentos de valor, fazemos sobre esse mundo valorações que se dão nas
interações. Tem a ver com o contexto, inclusive certas valorações
naturalizadas. Não é o item lexical que define a escolha, mas a interação
determina a seleção das palavras. Se há valoração e critérios de seleção é
porque os itens lexicais se revestem de valores. A valoração se revela pela
entonação, mediante a entonação. O signo é sempre ideológico e assim se
reveste de valorações. Ex: a palavra 'bem" é mais ou menos neutra. Onde
se usa "bem", não se usa "mal". Não usamos qualquer signo
para qualquer entonação. As palavras são "comprometidas", têm
compromisso. O que importa é "por que apareceu este signo e não
outro". As construções são neutras enquanto construções nossas, pois
posso selecionar. No processo literário isso é exemplificado pela construção
da metáfora. |
|
A literatura produz estranhamento por
explicitar demais a naturalização cultural. Ao escolher o item lexical que
contradiz a valoração, produzo o estranhamento. Assim a linguagem estética é
produtora da desnaturalização da linguagem. Ex: palavras como
"esclarecer", "obscuro", "judiação", o verbo
"dar" no passado (Deu para eu passar de ano. Pare de encher o
tanque que já deu). No sistema pronominal, a segunda pessoa do singular
VOCÊ (de Vossa Mercê, Vosmecê) é
conjugada na 3ª Pessoa do singular. Toda escrita tem o caráter de explicitar
contextos, desvendar o presumido. Uma só palavra pode ser dita com entonações
diferentes (Vaya=vá lá - verbo tratado como advérbio, expressão adverbial,
quase uma interjeição). O dêitico flecha algo no nosso mundo cultural, tem
sentido histórico, julgamento valorativo sobre o contexto cultural. Se
dissermos "Olha, está nevando!", expressamos uma representação do
fenômeno natural. Se dissermos "Olha, ainda está nevando!", o
dêitico flecha nas perspectivas culturais, "já era para ter parado de
nevar". |
Questão 6 -
Diferenças entre o discurso da Vida e o discurso da Poesia. |
Qual a diferença entre o discurso na vida
e o discurso na poesia se em ambos há um jogo a três ? Resposta: No discurso da vida o falante e o ouvinte
(contemplador) são co-partícipes do processo estético. O assunto (ele, de
fora). No discurso da arte temos o Autor, o Herói (ele) e o Ouvinte
contemplador, que é a voz social incorporada pelo autor a si mesmo. Assim, na
Arte, o Ouvinte não é trazido ao processo estético, ele é do processo
estético. O público (mercado) não é ouvinte nem contemplador. Se o autor
ouvisse o público, só repisaria valores. Assim, na Literatura, a relação
autor-herói-ouvinte se dá num sujeito social só, o autor, exemplo da
dispersão do sujeito. Somos os primeiros leitores de nós mesmos, e os
primeiros contempladores. Portanto, há três grandes diferenças entre o
discurso na vida e na arte: 1) a explicitação dos presumidos na Arte; 2) na
parte formal, o processo de produção formal de estranhamento através da
escolha de um item lexical, como por exemplo a utilização da linguagem
telegráfica na literatura; e 3) a internalização do ouvinte no autor
estético. |
Razão teórica e
Razão prática |
A razão teórica é um elemento da razão
prática. O mundo teórico resulta da mais completa abstração do fato de minha
existência e do sentido moral desse fato ("como se eu não existisse - se
ele fosse único, eu não existiria"). Partindo do ato-procedimento, e não
de sua transcrição teórica, chegamos ao seu conteúdo semântico viável, que se
enquadra nesse ato, pois decorre no ser. O conteúdo semântico, abstraído do
ato-procedimento, pode ser uno, mas não o ser singular em que vivemos e
morremos, em que decorre nosso ato responsável, e assim esse conteúdo
semântico é alheio à historicidade viva. |
Realismo
Séc.XVIII |
O tempo histórico nas obras de Goethe,
Rabelais e Dostoievski, mecas de Bakhtin, foi construído a partir dos
romances do Renascimento. Em Rabelais destaca o riso e carnavalização como
uma crítica ética do mundo medieval. Bakhtin encontra em Dostoievski o gênero
polifônico, como consciência imiscuível de diferentes individualidades, sendo
os personagens o lugar da reflexão da questão da ação. Em Goethe, os traços
específicos são: a) Visibilidade (concretude objetiva
marxista)- o que não é concreto é não substancial e temos que olhar para a
natureza; b) Multitemporalidade-
em cada recorte, a diversidade tem conceito temporal: o contemporâneo é
diacronia essencial como manifestação do passado e germe do futuro. Ressalta
a visão humana do devir. |
Relação do homem
com o Sagrado |
A leitura que fazemos hoje dos Cantos
Védicos é estética e não religiosa. Mas, quando há manifestação religiosa, há
manifestação ética, jurídica, que se revela por objetos-símbolos. A Religião
é o lugar do ético, contém conjunto de símbolos dessas relações do homem com
o sagrado que podem ser esteticizadas. No processo de esteticização, o
ouvinte é internalizado pelo Autor na produção estética. Todo processo de
esteticização é um processo em que o autor internaliza os valores; o ouvinte
é constitutivo. A relação com o Sagrado é simbolizada por Mitos, Crucifixo,
Taça (Graal), Gestos. As milhares de cruzes que se fazem a partir da Cruz de
Cristo são objetos estéticos, que remetem à Cruz original, ou seja, a cruz
numa igreja é a representação de uma cruz que não existe mais concretamente.
Quando produzo uma cruz, incorporo o ouvinte religoso. O símbolo da Cruz não
remete ao próprio objeto (um crucifixo) porque ainda tem validade como
símbolo religioso. O mármore é o material da escultura, mas a escultura não é
o mármore. |
Relativismo |
Nega a autonomia da verdade e tenta
torná-la alguma coisa relativa e condicionada com respeito à sua
veridicidade. Para Bakhtin, a autonomia da verdade, sua pureza e
auto-determinação do ponto de vista do método, estão completamente
preservadas. Como "pura" pode participar responsavelmente no
Ser-evento. A validade da verdade é suficiente em si, absoluta e eterna. Cada
um de nós assumindo a posição exotópica e sendo um centro de valores,
chegamos ao relativismo absoluto. |
Representação |
A representação não nos permite construir
um álibi. Por exemplo, a representação da responsabilidade política não exime
o sujeito da responsabilidade do ato. Com relação aos valores universais, seu
embasamento ontológico é uma possibilidade vazia frente à concretude do ato. |
Responsabilidade |
(Respondibilidade - Answearbility) - Para
que não ocorra a cisão da eventicidade, é preciso que o ato (postupok) adquirida um plano unitário
para refletir-se no vivido e no sentido: a responsabilidade. A
responsabilidade (ou "respondibilidade") contém a alteridade, a
resposta do outro, o ser que eu construo com o outro. Essa responsabilidade
tem uma direção específica, relacionada com o mundo da cultura, dos
enunciados e da significação, nunca superior à direção moral do ato. A palavra
russa postupok contém o sentido de
"ato responsável", traduzido em Espanhol como "ato
ético".A responsabilidade envolve o desempenho de um diálogo existencial
e toma o lugar do "dever" ou "obrigação". A
Responsabilidade é a categoria fundamental no pensamento de Bakhtin
(não-álibi do ser - responsabilidade que reside no seu lugar, "sui
generis" na existência). Devo
responder com a minha vida por aquilo que experimentei e compreendi na arte. Esse
conceito está associado à dialogia, à alteridade. à urbanidade (polis
grega), ao contrário do rural, que remete à solidão, à individualidade. |
Responsabilidade
do Professor |
Como professor, não posso encontrar álibi
para minhas aulas. Sem risco não há educação possível. Na educação, a
recepção ao recém-chegado deve ser "O que você me traz de novo?".
No entanto, no processo atual da educação brasileira, o professor pertence à
rede estadual ou federal de educação, e não a uma escola em particular.
Assim, ele não cria relação de alteridade nem responsabilidade. Os professores
ficam se removendo de uma escola para outra em busca do local ideal, de sua
"Pasárgada". |
Responsabilidade
Especial e Moral |
O Ato, refletindo-se em ambos os sentidos
no plano uno (no seu próprio sentido - "ser" - adquire unidade de
responsabilidade de duplo sentido: pelo seu conteúdo (responsabilidade
especial) e pelo seu ser (responsabilidade moral). A responsabilidade
especial é o elemento de ligação da responsabilidade moral única e una, a
primeira é momento constituinte da segunda e devem entrar em comunhão. Assim,
ultrapassamos a desagregação infeliz e a falta de interpenetração mútua da
vida e da cultura. |
Saber e Conhecer |
Conhecer é identificar; saber é chegar a
uma plena cognição. Conhecer e vir a saber envolvem cognição e racionalidade.
Compreender e reconhecer, em Bakhtin, envolve o ato emcional-volitivo. Para
nós, na modernidade, conhecer exige abstrair: construímos modelos. No
entanto, está em crise o conceito do que é "universal", do que é
"objetividade" e "predictibilidade". É a crise
contemporânea dos paradigmas. |
Ser Único |
Similar ao conceito de Deus: Ser
construído por todos nós, ser genérico. Cada um de nós é a relização dessa
generalidade e o realiza, construindo. Há duas leituras: o Ser Divino
(teológico), do qual temos uma parte que também é um todo (Dessertou em
oposição ao Estruturalismo de Foucault), e o Ser porque nós existimos e somos
a relização única e o constituímos, a somatória de todos nós (ver
"Sociologia do Cotidiano", de Agnes Heller). Bakhtin, em defesa do
concreto todo o tempo, constrói uma categoria do Ser, "somatório de
todos nós". A ação que faz o ser torna o ser mais completo: o ser único,
a cada ato único, é produtivo do Ser Único. Ajudo a dar completude a esse
Ser, construo uma coisa proveitosa e nova. Nossas ações criativas criam o Ser
de que eu participo. Assim, a questão da Criação é trazida para dentro da
Ética e mostra como uma espécie de ontologia o centro de responsabilidade do
Ser Único: o que é universal adquire obrigatoriedade no sujeito individual.
Antes de Bakhtin, só colocávamos a questão da criação na Estética; a partir
de suas teorias, passamos a integrá-la na Ética. (Ver "Deus de
Bakhtin") |
Sistemas éticos |
Primeira crítica: toda ética
atual é um conjunto de normas com base em sistemas de normas científicas,
cuja fundação é externa à própria norma: o que é ético é acrescentado
enquanto norma.Ex: Direito: crime contra a segurança do Estado - sou obrigado
a não fazer nada contra a norma jurídica, e a transformo em norma ética, ou
seja, acrescento à norma jurídica a norma ética, validada como ética. Assim,
extraímos de fora a fundamentação ética. Já a questão do livre arbítrio é uma
questão da prima filosofia. Segunda
crítica: por ser obrigatoriedade científica e não um livre arbítrio, a
norma ética deve ter validade universal ( a passagem da norma científica para
a norma ética tem efeito e validade universais, aplicável a toda e qualquer
consciência). DEVER é uma categoria da consciência e não pode ser categoria
da teoria, pois desse modo deixa de ser validade interna da consciência. Por
exemplo: o princípio da vida é um bem e é dever de todos conservar a sua
vida, e a dos outros. Se a vontade me determina fazer determinada coisa, eu
assumo que tenho que fazer essa coisa.Na Ética Formal a ação real é
desterrada para o mundo teórico com uma exigência vazia de legalidade, ou
seja, a vontade se submete à lei. |
Sociedade e
indivíduo |
Sociedade é o "lugar de ser", a
unidade constituída pela diversidade (multiplicidade de vozes multiplicada de
tempos (presente, futuro e passado no Ato). O indivíduo é uma categoria da
psicologia, a parte psicológica do sujeito, a parte menor que inclui a
corporalidade. Para Bakhtin, o momento do ser é de transitividade e aberta
eventicidade, não compreendido pela intuição estética, pelo pensamento
teórico-discursivo e pelo psicologismo, pois esses domínios objetivos,
separados do ato que os põe em comunhão com o ser, não são realidades com respeito
ao seu sentido e significado. |
Sugestões para
estudos |
1)
Modo polifônico de construçao da novela de TV obriga o
narrador a alterar por completo o roteiro - dialogam personagem e autor. 2) Não existe mais o mundo sem a TV e
sem relação com o sucesso. 3) Por
que toda novela que remete ao rural tem mais sucesso, se a população
brasileira é cada vez mais urbana, se a cultura de massa é urbana ? 4) As palavras se descolam das
coisas, tomam caminhos diferentes; as palavras constroem sobre as coisas
(co-paginação entre Bakhtin e Foucault). 5)
Comparar a linguagem dos personagens que vivem à margem da sociedade em João
Antônio e Rubem Fonseca (como em João Antônio a linguagem é plena de
subentendidos e em Rubem Fonseca os palavrões remetem à imagem que a classe
média tem dos marginais). |
Sujeito como sede
da contemplação estética. |
A contemplação estética tem sede no
sujeito, próxima da razão prática. Na teoria não podemos utilizar conjunto de
elementos heteróclitos, e por isso a tentação é maior. Para Bakhtin, isso
demonstra que a estética não esgota o Ato único em sua unicidade,
eventicidade e devir. |
Sujeito
polifônico |
Categoria essencial em Dostoievski,
conforme os estudos de Bakhtin, e presente na atualidade nas novelas de
televisão (obras polifônicas). Na Literatura, representa a estrutura, e não o
ser único em sua eventicidade, unicidade. O sujeito polifonicamente
constituído é o que dá o sentido à Arte, pois volta a si mesmo enriquecido.
Porém, só posso usar minha formação polifônica se eu existir (evento em
processo de devir). As vozes que me constituem hoje não me permitem ler
Camões como um homem do século XVI o faria. O Ser (Deus), o lugar da
polifonia que me constitui, e que constituo o que me constitui (cultura)
denota a responsabilidade com o futuro. A cultura é o lugar do 'homo
loquens", sendo a palavra uma ponte entre locutor e inter-locutor, e
eles não são donos dessa palavra. |
Tecnologia |
O mundo da Tecnologia conhece sua própria
lei imanente e fugiu da tarefa de compreender o propósito cultural de seu
impetuoso desenvolvimento. Os instrumentos são perfeitos de acordo com sua
lei interna, mas a Técnica, desligada
da unidade singular e entregue à lei imanente de seu desenvolvimento, pode
assumir-se como força horrível e destrutiva, a serviço do mal e não do bem. O
exemplo são os armamentos, cuja utilidade inicial racional seria a defesa e
se tornaram força depauperante e destrutiva. O mundo da técnica nega-se a
refletir o seu objetivo cultural. Abstrai-se do que dá vida ao ato, o que é
arbitrário, o novo, o criativo em vias de consumar-se em ato. A orientação
prática é inviável no mundo teórico, e assim é impossível agir com
responsabilidade. |
Totalidade |
Categoria fundamental em Bakhtin: mesmo
não tendo intenção tenho responsabilidade. Na unidade (o todo individido) não
há nada que seja subjetivo ou psicológico. Em sua responsabilidade, o ato
coloca diante de si sua própria verdade (verdade sintética), de dentro do
próprio ato. Ex: o discurso em sua materialidade lingüística não pode ser
dividido em partes (conceito de "recortes"). O todo é individido
(fatualidade). Uma sentença pode ser segmentada, mas não posso atribuir ao segmento
o sentido da sentença. Não há ato elocucional sem haver perlocução; a
perlocução é parte necessária do efeito a ser alcançado pelo discurso. O tema
é individual e real. Isso coloca Bakhtin mais na tradição que vem da retórica
do que na tradição que vem da estrutura. (exposício= significação,
disposício= tema). |
Unicidade sui generis |
A unicidade não pode ser pensada, só pode
ser experimentada passionalmente. Na representação emocional-volitiva, a
cognição é apenas um componente. "Ser" é definível nas categorias
da comunhão real (do ato), categorias da experiência autêntica e passional da
unicidade concreta do mundo. |
Validade |
"Válido" significa "estar
em vigor", em uso, operativo em força ou efeito. Podemos considerar a
validade das categorias e dos juízos sintéticos "a priori". É um
conceito fundamental para a Filosofia, as Ciências e toda a cognição em
geral. A validade teórica do conteúdo-sentido (imaterial), um juízo
universalmente válido, é uma unidade teórica do domínio teórico aplicado. Seu
lugar nessa unidade determina a sua validade. A avaliação de um pensamento
inclui o momento constituído pela validade teórica de um pensamento como
juízo, mas não se esgota nesse ato.O juízo teoricamente válido é impenetrável
à minha auto-atividade individualmente responsável. Distinguimos a forma (categorias da síntese) e o conteúdo (o assunto, o dado
experimental e sensual), que podem ser chamados de objeto e conteúdo, mas a
validade permanece impenetrável ao ato individual, que é a ação realizada por
aquele que pensa. |
Valor da obra de
arte |
A obra de arte é um objeto real que possui
valor (realidade-objeto), mas é um valor não idêntico à sua realidade. A tela
e a tinta não pertencem ao valor que ela possui. Os bens são realidades-objetos
vinculadas com valores. No entanto, os valores são separados do valor
psíquico de avaliação. Valores estão associados à realidade, mas não são o
mesmo que avaliações reais ou bens reais. A obra estética tem uma forma de
acabamento: o autor introduz uma categoria de acabamento. |
Veridicidade |
É o fato de ser verdadeiro em si. |
Vida, Idéia,
Procedimento |
A Vida (singular) em sua totalidade é uma
atuação complexa. A Idéia é uma atuação individual responsável que integra a
vida como atuação ininterrupta. O Procedimento é a idéia mais o seu conteúdo,
que a torna íntegra. Na historicidade concreta de sua realização, os
elementos semântico e histórico-individual (factual) são unos e indivisíveis.
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Referências
bibliográficas
BAKHTIN, Mikhail M. Estética da Criação Verbal. São Paulo:
Martins Fontes, 1992.
___________ Para uma filosofa do ato. Tradução de
Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza de Toward
a Philosophy of the Act. Austin: University of Texas Press, 1993.
GERALDI, João Wanderley. Alteridades: Espaços e Tempos de
Instabilidades. Artigo escrito para os alunos do curso "Tópicos de
Lingüística V", IEL, Unicamp, novembro de 2003.
LARROSA, Jorge/ FENOY,
Sebastián. Maria Zambrano: L'Art de les
Mediacions (Textos pedagògics). Barcelona, Publicacións de La Universitat
de Barcelona, 2002.
SOUZA, Geraldo Tadeu. A Construção da Metalingüística
(Fragmentos de uma Ciência da Linguagem na obra de Bakhtin e seu Círculo). Tese
de Doutoramento apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
da USP. São Paulo, 2002.
VOLOSHINOV,
V.N./M.M.BAKHTIN. Discurso na vida e
discurso na arte. Tradução inédita de Cristóvão Tezza do artigo
"Discourse in Life and Discourse in Art", apêndice in Voloshinov, V.N. Freudianism: a marxist critique. New
York: Academic Press, 1976;
WILSON DAVID
01/12/2003